Adelaida, artista. "Sou fascinada por tudo o que é invisível, sendo o som uma dessas coisas"

É um dos nomes mais eferverscentes de Espanha, do momento. A catalã conversou com a Máxima sobre o seu ainda breve, mas intenso, percurso, com um espectro sonoro que vai do folclore ao gótico, no disco "Muérdago".

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11 de julho de 2024 às 07:00 Rita Silva Avelar

Introspetiva, mágica, celestial, evasiva. São tudo adjetivos que caem bem a Adelaida, artista catalã que esteve em Portugal pela primeira vez em junho passado. Formada em Belas-Artes e com um percurso que começa num coro infantil, Adelaida canta com a alma, podia ser a voz principal de uma playlist para acompanhar os livros de Edgar Allen Poe, ou uma banda sonora dos cenários fantásticos dos filmes de Yorgos Lanthimos.

Imaginamo-la precisamente onde viveu, durante um tempo, para escrever o disco mais recente, Muérdago, sobre o qual incide esta conversa: numa casa vitoriana em Londres. Tudo nela é cinematográfico, respira suspense, evoca galáxias sonoras pelas quais nos deixamos embalar. Está na frente das artistas que não têm medo de criar, chocar e desagradar, e as suas letras são inesperadas e criativas, em linha com a plasticidade sonora do disco.

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Em muitas das músicas deste self-released Muérdago, como South East Twelve ou , duas das nossas preferidas, sussura, suspira, grita, assobia, num jogo de sobreposições genial. Tudo isso faz dela uma lufada de ar fresco numa indústria onde, tantas vezes, tudo é redondo e aborrecido. Adelaida é para ouvir como se fossemos donos de um segredo.

Durante muito tempo, a tradição prevaleceu sobre a criatividade, mas tu fazes parte de uma geração que abre espaço para novas formas de cantar, explorando a mistura entre sons muito distintos, que vão do mais sombrio ao mais cristal. Sempre quiseste seguir este caminho?

Tento manter uma relação lúdica com a criação musical, por isso, de certa forma, diria que "simplesmente aconteceu". A voz é a minha ferramenta mais direta quando crio, e gosto de a explorar levando-a de um extremo ao outro. O que me interessa é a expressão acima de tudo, por isso estou pronta a ignorar qualquer regra que sacrifique a emotividade! Dito isto, acho que a minha música é muito influenciada pela música tradicional e uma parte importante do meu canto vem da música folclórica.

No teu primeiro álbum, Cántaro, trabalhas com esta sobreposição de vozes, com várias camadas. Como é que esse processo funciona, do ponto de vista da execução? Onde é que gravas os teus álbuns?

Eu costumo gravar no meu estúdio, porque é onde me sinto mais à vontade. No entanto, muitas das vozes de Cántaro foram gravadas no estúdio de MANS O, porque queríamos dar-lhe um toque mais "clínico", menos DIY. Muérdago foi gravado maioritariamente no meu estúdio, por mim. Quanto ao "como fazer"... O meu primeiro álbum foi fortemente influenciado pela minha formação vocal e pela minha experiência como membro de um coro profissional, daí as múltiplas camadas de vozes. De certa forma, tornei-me no meu próprio coro, um coro de uma só mulher, sendo eu a cantar todas as camadas e harmonias do álbum. Este processo é muito natural para mim, uma vez que canto em coros desde muito nova. Está super interiorizado em mim.

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O segundo álbum tem um nome peculiar, Muérdago. Podes explicar esta ligação às plantas? De facto, o grafismo do disco brinca com essa ideia.

Os sons da natureza são uma importante fonte de inspiração para mim e normalmente acabam por fazer parte da minha música. Este álbum tem gravações do som da montanha à noite, do meu gato, e de muitas outras criaturas... Todos eles moldam a paisagem sonora deste álbum labiríntico, Muérdago. Pareceu-me óbvio que a natureza também tinha de fazer parte do visual. Muérdago, como referes, é uma planta. Escolhi-a como título do meu álbum por várias razões... Tem sido usada historicamente como ferramenta ritualística pelas suas propriedades curiosas. E atraiu-me pela sua forma específica de existir: só pode crescer noutras árvores, alimentando-se delas. Assim, funciona como um parasita, crescendo silenciosamente nas cascas das árvores e engolindo água e nutrientes dos seus ramos. Interessou-me esta dependência doentia como metáfora para as questões que são levantadas ao longo do álbum. Para além disso, o seu nome latino "Viscum Album" pareceu-me uma excelente descrição do som de Muérdago, um "álbum viscoso", uma experiência sensorial através do som.

Li que este Muérdago surgiu depois de uma temporada a viver numa casa vitoriana em Londres, rodeada por duas igrejas em South East Twelve. Em South East Twelve, a música, há uma alusão mais mística às bruxas quando cantas "Witch, Wicked Witch". És fascinada pelo oculto? Este álbum podia ser a banda sonora de um filme de terror.

Sou fascinada por tudo o que é invisível, sendo o som uma dessas coisas. Num mundo em que somos constantemente sobre-estimulados pelo visual, a invisibilidade traz a possibilidade de descanso e ociosidade, assim como alarga as possibilidades da imaginação, o que parece particularmente importante no atual clima global. Talvez a crueza da emotividade da música seja o que a liga ao horror? É um álbum nu que vai ao fundo... E retrata um momento muito específico no tempo, que não era horrível, mas tinha muita escuridão.

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Qual é a tua formação vocal? Li que vieste das Belas Artes. Como é que encontraste a tua identidade?

Tive formação em canto clássico desde muito jovem e tive aulas durante cerca de dez anos, por isso a minha formação musical é bastante extensa! No entanto, tive de fazer uma pausa na educação clássica e aproveitei esse tempo para estudar Belas-Artes. Penso que a combinação de ambos me ajudou realmente a encontrar uma linguagem distinta e a ter confiança nela. Dito isto, acredito que estou sempre a mudar e a remodelar o meu próprio eu e, consequentemente, o meu projeto criativo, por isso nada é permanente, nem a identidade de alguém...

Temos de falar do teu impressionante guarda-roupa. Quem é a/o responsável por ele? Como escolhes as tuas peças de roupa e o que te inspira?

A minha querida amiga e colaboradora Bo Bannink tem sido uma parte importante do meu guarda-roupa, e tenho tendência a pedir-lhe conselhos quando não tenho a certeza do que fazer com ele. A Moda, bem como a maquilhagem, sempre foram uma grande parte das minhas práticas criativas. Adoro a forma como permitem a transformação, a exploração e a brincadeira. No meu projeto, utilizei frequentemente peças que tinha colecionado muito antes de fazer música, bem como peças herdadas de amigos e familiares queridos. Penso nas roupas como uma camada extra para a música e para a atuação, transportando informação e ajudando-me a encarnar as emoções e paisagens que atravessam a minha música. Muitas vezes também se tornam amuletos, especialmente quando falamos de joias.

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Sem dúvida! Durante a minha licenciatura, foquei-me e explorei mais a imagem em movimento. Passei longas horas no BFI [British Film Institute] a tentar ver e compreender todos os clássicos. O cinema é provavelmente a forma de arte a que me sinto mais ligada depois da música. E não esqueçamos que o som é uma grande parte do que acontece num filme. Uma boa banda sonora e um bom design de som podem mudar tudo! De facto, para a produção de Cántaro decidi trabalhar com uma designer de som, Anna Lanau, em vez de um produtor clássico. Acho que isso se reflete no resultado cinematográfico!

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Havia uma ligação à música na tua família? Como é que esse clique aconteceu?

Não particularmente... São pessoas muito criativas, mas não orientadas para a música. Comecei a cantar por acaso. Um coro estava à procura de crianças para se juntarem a ele e vieram à minha escola para fazer o casting das suas vozes. Mandaram-me então uma carta a pedir para me juntar a eles e fi-lo com todo o gosto, quando tinha seis anos. Isto prolongou-se durante dez anos, durante os quais a música me tocou muito. Por isso, acho que tive muita sorte! Sorte também por ter uma família que me apoiava tanto.

Como foi a vossa estadia no Porto? Portugal inspira-te? Conheces algum artista português com quem gostarias de trabalhar?

Eu adoro Portugal, a sua pastelaria e as suas gentes. Parece ter uma cena musical muito rica com muitas coisas interessantes a acontecer. Também adoro a cultura do design gráfico no Porto, estou muito impressionada com os seus designers em geral. E sinto-me muito em paz com o seu ritmo, o que é sempre inspirador.

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