Flávia Junqueira: "Trabalhar para um resultado efémero faz parte da poética do meu trabalho"
A artista visual paulista esteve em Portugal com o seu projeto "Theatros". Nesta exposição imersiva pop-up Flávia usa os balões como símbolo da fugacidade e fragilidade da vida. No seu trabalho há sempre um cruzamento entre a alegria da infância e a nostalgia da idade adulta.
Flávia Junqueira anda pelo mundo com a sua exposição imersiva pop-up Theatros e esteve também em Portugal. No fim do mês passado, Flávia encheu o teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, com 1500 balões. A instalação só pôde ser visitada durante oito horas – muito menos tempo do que demorou a ser montada – e, no fim, desaparece. Sobram as fotografias e as memórias, que é exatamente o que esta artista visual paulista, de 39 anos, quer. Theatros é uma celebração da efemeridade, mas também da infância – um tempo de festa e alegria, mas que, uma vez perdido, nunca mais volta, tal como um balão que rebenta ou que levanta voo e desaparece. Na sequência desta brevíssima passagem por Portugal, a Máxima conversou com a artista, por email, para perceber melhor o que a move e o que está, afinal, por detrás desta obsessão com balões.
Em todos os trabalhos da Flávia parece haver um cruzamento entre o mundo dos adultos e o das crianças, ou uma invasão do primeiro pelo segundo. Porquê?

Essa intersecção entre os mundos dos adultos e das crianças é central no meu trabalho porque acredito que a infância representa um estado de liberdade, imaginação e pureza que muitas vezes perdemos ao crescer. Ao trazer elementos infantis para o mundo adulto, tento criar um diálogo entre essas duas realidades, subvertendo as expectativas e oferecendo uma nova perspetiva sobre nossa relação com o tempo, a memória e a realidade.
Há também um elemento festivo na sua arte. Porquê?
O elemento festivo é uma maneira de evocar o encantamento e a alegria que associamos às festas de infância. As festas, com seus balões, cores vibrantes e atmosfera lúdica, são momentos de celebração e felicidade, e eu busco capturar essa essência nas minhas obras. Ao mesmo tempo, há uma reflexão sobre a efemeridade desses momentos, o que acrescenta camadas de significado à experiência visual.





Ao mesmo tempo, sinto uma certa nostalgia em algumas das suas criações. E até mesmo um certo elemento de terror, talvez pelo facto de os espaços estarem vazios de pessoas. É propositado?
Sim, essa nostalgia e o elemento de terror são intencionais. A ausência de pessoas nos espaços que fotografo cria um ambiente que é ao mesmo tempo familiar e inquietante. A nostalgia vem do desejo de retornar a um tempo mais simples e inocente, enquanto o vazio pode evocar sentimentos de perda ou a passagem do tempo. Esses contrastes refletem a dualidade da infância e da vida adulta, onde o lúdico e o sombrio coexistem.
O que é que a Flávia procura transmitir com a sua arte?
Procuro transmitir uma reflexão sobre a infância, o tempo e a nossa relação com o mundo ao nosso redor. Através da teatralidade, da imaginação e de experiências sensíveis, quero que os espectadores questionem suas próprias memórias e perceções, permitindo-se um momento de contemplação e encantamento. A arte, para mim, é uma maneira de conectar as pessoas com suas próprias emoções e histórias.
Onde é que a Flávia procura inspiração para os seus projectos?
Minha inspiração vem de muitas fontes, incluindo o cinema, a literatura, a arquitetura e, principalmente, as minhas próprias experiências e memórias de infância. Espacialmente, sinto-me muito inspirada por espaços históricos e teatrais, onde a atmosfera rica e a história desses locais alimentam minha criatividade. A cenografia teatral também tem uma grande influência, especialmente na forma como crio mundos imaginários e lúdicos.

Sempre quis ser artista plástica? Como foi o seu percurso artístico até aqui?
Desde criança, sempre tive um interesse profundo por arte, embora meu caminho não tenha sido direto. Antes de me dedicar às artes plásticas, estudei direito e filosofia. Foi apenas depois de um processo de autodescoberta que percebi que precisava de um meio mais eficaz para expressar minha visão do mundo, algo que a arte me proporcionou. Essa trajetória me deu uma base sólida para explorar temas complexos em minha arte, como a infância e a relação com o tempo.
Porquê a obsessão com os balões? Afinal, há outros elementos que remetem para a infância, mas a Flávia escolheu este. Porquê?
Os balões representam para mim uma forma pura de alegria e celebração, mas também simbolizam a efemeridade e a fragilidade da vida. Eles são elementos lúdicos que todos associamos à infância, mas ao mesmo tempo, são fugazes, durando apenas o tempo de uma festa. Escolhi os balões como protagonistas porque eles encapsulam essa dualidade, permitindo que eu crie uma conexão entre o efémero e o eterno, entre a alegria e a melancolia.

Por que é que decidiu andar pelo mundo a encher teatros de balões?
A decisão de levar os balões para teatros ao redor do mundo vem do desejo de criar uma conexão entre a magia dos espaços teatrais e a fantasia infantil. Os teatros são lugares de sonho, onde a realidade é suspensa e as histórias ganham vida. Ao encher esses espaços com balões, estou não só celebrando a arquitetura e a história desses locais, mas também criando novas narrativas visuais que desafiam o espectador a ver o familiar de uma maneira completamente nova.
A instalação Theatros no Tivoli BBVA, em Lisboa, decorreu no dia 27 de julho. Como foi essa experiência?
A experiência foi incrível! Mais de mil visitantes passaram pelo teatro, e conseguimos uma arrecadação maravilhosa para a Casa do Artista [não era preciso comprar bilhete para ver a exposição, a entrada era mediante donativo que revertia para a Casa do Artista]. A resposta do público foi extremamente positiva, e foi emocionante ver como as pessoas se conectaram com a magia dos balões e o ambiente histórico do Tivoli. A efemeridade da instalação, que durou apenas oito horas, tornou a experiência ainda mais especial para todos os presentes.

No teatro Tivoli BBVA a Flávia suspendeu no ar cerca de 1500 balões, mas esse cenário só pôde ser visto durante oito horas. Ficará imortalizado em fotografias, mas, tirando isso, desapareceu para sempre. É difícil trabalhar tantas horas para um resultado final tão efémero?
Trabalhar para um resultado efêmero faz parte da poética do meu trabalho. A efemeridade dos balões reflete a natureza transitória da vida e dos momentos que celebramos. Embora a instalação durasse apenas algumas horas, é justamente essa qualidade passageira que lhe dá uma beleza única. O processo de criação e o momento de contemplação são tão importantes quanto o resultado final, e é isso que torna a experiência tão especial para mim e para os espectadores.
Que expetativas tinha para a apresentação do Theatros em Portugal?
Minhas expectativas eram de que o público em Portugal pudesse se conectar com a magia e a nostalgia que tento evocar em Theatros, e felizmente, essas expectativas foram superadas. A receção calorosa e a participação de tantas pessoas mostraram que a instalação conseguiu tocar o coração do público. Foi uma experiência muito gratificante, e estou muito feliz com o resultado.

Tem planos para regressar?
Sim, espero poder retornar a Portugal para novos projetos e colaborações. A receção calorosa que tive durante a apresentação de Theatros me motiva a explorar ainda mais as ricas possibilidades que este país oferece. A cultura vibrante e a história de Portugal são fontes inesgotáveis de inspiração, e adoraria continuar a trazer meu trabalho para esse cenário tão inspirador.
