Uma jornalista em Tenerife. Sobre ir visitar um palácio e encantar-se com a maçaneta
Cinco dias passados na ilha, entre vulcões, bananeiras e florestas laurissilva, e eis o que guardo na memória com mais carinho: os catos, as rãs e o miúdo da trotineta.

É sempre curioso olhar para trás e ver o que ficou na memória de uma viagem que se fez. Aquilo que deixou mais saudades. Regra geral, não é o que estaríamos à espera. Há algumas semanas fui numa viagem de imprensa a Tenerife, uma das principais ilhas do arquipélago das Canárias. Estive no Parque Nacional do Teide – um enorme vulcão com 3718 metros de altura que é o pico mais alto de Espanha –, com uma paisagem dramática, meio desértica, a lembrar o Arizona. Tomei banho numa praia de areia preta e a água estava quase morna – em fevereiro. Vi-me na cidade de Santa Cruz, a capital de Tenerife, rodeada de montanhas vulcânicas e tive um sentimento opressivo – imaginei como seria estar ali há muitos séculos, entretida com a minha vida, olhar para cima e ver as silhuetas de milhares de soldados e mercenários recortadas contra o céu azul, e saber que não há por onde fugir.
Vi os desfiles de Carnaval, apalpei os troncos de videiras com 400 anos, passeei em densas florestas laurissilva por entre picos vulcânicos – numa mistura de Açores com mata do Buçaco, andei num barco de observação de cetáceos e vi uma família de roazes-corvineiros, vi milhares de bananeiras – e só comi uma banana. Espantei-me com a arquitetura, que ora me fazia lembrar os telhados de Marraquexe, ora me remetia para as favelas brasileiras, com casinhas periclitantes semeadas nas escarpas, ora me levava para Ouro Preto, com o seu traçado colonial, ora me mostrava uma ultra moderna zona costeira, digna de Miami.


E, no entanto, quando penso na semana que passei em Tenerife, a primeira imagem que me vem à cabeça é do Parque García Sanabria – um jardim botânico na zona mais pitoresca da cidade, a que os locais se referem como o pulmão de Santa Cruz. À primeira vista, parece pequeno, com uma grande alameda que o atravessa ao meio, e uma enorme fonte em redor da qual as pessoas se juntam para conversar, mas está cheio de recantos e passagens secretas. É possível passar lá horas. Tem um tem uma zona só de catos, um roseiral, um jardim de ervas aromáticas, e está cheio árvores, plantas e flores de outros países, com pequenas placas que identificam a espécie e o local de origem.


E, talvez mais importante que tudo, tem um charco coberto de nenúfares e cheio de rãs. Percebi com alegria que não era a única obcecada com batráquios. Pessoas de todas as idades aproximavam-se do charco para tentar encontrar as rãs, camufladas pela vegetação. Vejo uma avó com um neto, dirijo-me a ela e pergunto-lhe, o melhor que consigo, como se chamam aqueles bichos na língua dela. "Ranas!", responde-me com um sorriso aberto. Fico desiludida. Estava à espera que uma coisa mais inusitada. Estilo "pipistrello", que é o que os italianos chamam aos morcegos. Dou a volta ao charco e vejo dois rapazes à procura de rãs. "Chegas aqui e não vês nenhuma, mas assim que vês a primeira, já não vês outra coisa." Fiquei a pensar que há muita coisa na vida que é assim.

Vim aqui parar porque estava irritada e o verde melhora tudo. Cheguei a Tenerrife por volta da hora do almoço, esfomeada, mas o programa só começava ao fim do dia, pelo que, até lá, estava por minha conta. Acabei na esplanada de um restaurante indiano, a almoçar às três e meia da tarde, com vista para este jardim, que já me tinha piscado o olho quando ainda estava no táxi.


Depois de o percorrer em diversos sentidos e de continuar a encontrar coisas novas – um corredor de buganvílias, um relógio coberto de flores que descubro, mais tarde, ser uma grande atração, diversas esculturas contemporâneas escondidas na vegetação –, decido sentar-me num dos bancos de jardim à volta da fonte. Pego no telemóvel e pergunto à internet onde raio estou, afinal. Responde-me com o nome do parque – coisa que até então não sabia –, inaugurado em 1926 e que foi baptizado com o nome do presidente da câmara que promoveu a sua criação. Diz-me que estou sentada no meio de 67.230 metros quadrados de verde.


Perto de mim senta-se um casal de americanos com uma braçada de postais, presumivelmente para escreverem à família e amigos sobre as férias. Um hábito encantador, mas anacrónico e que parece exasperá-los. De repente, oiço o som universal de uma mãe a alertar para uma queda iminente. Era um miúdo com uns quatro ou cinco anos, que vinha a descer a alameda central numa trotineta, a todo o vapor, e que, tal como a mãe anteviu, se espalhou ao comprido quando chegou à praça. Fiquei à espera que desatasse num berreiro. Enganei-me. Levantou-se muito irritado, pegou na trotineta com toda a força e atirou-a pelo ar uns bons três metros. Fiquei impressionada. Há lá melhor forma mais satisfatória de resolver um problema?

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