O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Moda / Tendências

O desafio da igualdade na Moda: Onde estão as mulheres?

A indústria dirige-se às mulheres, mas continua a ser comandada pelos homens excessivamente representados em cargos de direção artística e de gestão. Competição, maternidade, cooptação… Onde está a linha invisível que trava o progresso dos talentos femininos da Moda?

Desfile primavera/verão da Chanel, em Paris
Desfile primavera/verão da Chanel, em Paris Foto: GettyImages
02 de dezembro de 2018 às 07:00 Élisabete Clauss

O paradoxo é desconcertante. Numa indústria como a da Moda, na sua maioria dirigida a mulheres, que cria todos os dias soluções de guarda-roupas para valorizá-las e encorajar o seu poder, porque serão elas quase invisíveis ou inexistentes nos cargos decisivos ou criativos? Em setembro, na Semana da Moda de Paris, de entre as cerca de oitenta marcas que desfilaram no calendário oficial, menos de um quarto das coleções terá sido desenhada por uma diretora artística. A discrepância é ainda mais significativa nos cargos de liderança.

Onde estão as mulheres?

Em 2015, entre as cinquenta marcas mais rentáveis do mundo, apenas 14% eram dirigidas por mulheres, perfazendo apenas 25% dos membros dos conselhos de administração das empresas de moda e de luxo cotadas em bolsa, segundo um estudo do Business of Fashion, o órgão que analisa a economia no sector da moda. A avaliação é incontestável: a Moda não escapa ao "telhado de vidro", o obstáculo invisível que refreia a ascensão das mulheres. "Mas foram elas que permitiram a democratização da Moda no dealbar do século XX", sublinha Serge Carreira, especialista em luxo e professor assistente no Sciences Po de Paris. Gabrielle Chanel, Jeanne Paquin, Madeleine Vionnet, Jeanne Lanvin, Elsa Schiaparelli e, depois da guerra, Nina Ricci ou Carmen e Tommaso (Carven): todas elas estiveram à frente das suas próprias marcas. Foram também as mulheres que inventaram o pronto-a-vestir, nas décadas de 1960 e de 1970: Sonia Rykiel, Emmanuelle Khanh ou Agnès b. Contudo, este surto de criadoras empreendedoras não tardou a sofrer um abrandamento espetacular, mais no sector do luxo do que no do pronto-a-vestir. "O luxo é um sector ultracompetitivo. É necessária uma ambição muito forte para derrubar as barreiras e superar as etapas", analisa Serge Carreira. "Foram sobretudo homens – [Jean-Paul] Gaultier ou [Thierry] Mugler – que, no seu tempo, subiram a escada da moda e se instalaram entre as estrelas, em detrimento das mulheres."

Uma cooptação masculina

Um fenómeno que abrandou o acesso das mulheres a posições-chave foi o efeito "espelho". "Os grandes gestores atuais, com mais de 55 anos, formaram-se, na sua maioria no Ena, na Sciences Po, na HEC ou no Polytechnique – estabelecimentos de ensino desde há muito frequentados por homens – que funcionam muito à base de cooptação", analisa Gwenaëlle Lemonnier, consultora de estratégia, merchandising e gestão de criação.

O resultado: quando é preciso escolher entre um homem e uma mulher, alguns gestores têm tendência para privilegiar (inconscientemente ou não) os perfis mais parecidos com os seus. No entanto, as coisas estão a mudar. "As quadragenárias já trabalharam com mulheres ultradiplomadas", acrescenta Gwenaëlle Lemonnier. "Acham normal promover uma mulher para um cargo de responsabilidade. É matemático: dentro em breve, as mulheres altamente qualificadas começarão a reverter a situação." Para Louise Beveridge, consultora em vários sectores ligados ao luxo, as políticas de recursos humanos são fundamentais. "Temos de formar gestores que saibam identificar potenciais diferentes dos seus e criar postos de trabalho de forma cíclica e não-linear, de modo a evitar o fenómeno de réplica do sistema. Quanto mais diversificada for uma equipa, melhor será o seu desempenho." Séverine Merle, atual diretora-geral da Céline, cujo conselho de administração é 50% composto por mulheres, sempre quis promover a igualdade. A mãe, médica de profissão, trabalhava muito, mas reservava as quartas-feiras para os filhos, desejosa de fazer carreira sem negligenciar a família. Ela deu-lhes o exemplo: Séverine Merle, mãe de três filhos, tornou-se uma gestora reconhecida e valorizada. A sua convicção? É importante que as mulheres tenham confiança nas suas ambições, que se livrem do sentimento de duplicidade que as paralisa com frequência: muitas vezes, sentem medo de terem de sacrificar uma ou outra faceta da sua vida, enquanto um homem não sente o mesmo.

Mãe de família: uma desqualificação?

Como em outros sectores de atividade, a questão da maternidade ainda representa um entrave à ascensão das mulheres na indústria da moda. "Por volta dos 20 anos, quando os jovens chegam ao mercado de trabalho, a situação é igualitária ao nível da formação que dá acesso aos cargos", constata Louise Beveridge. "Depois há uma primeira etapa, entre os 30 e os 35 anos, e é então que se começam a distinguir os bons dos muito bons, aqueles que virão a ser os chefes. Mas é também com essa idade que as mulheres começam a formar família. Por conseguinte, ocorre uma ausência temporária. Em vez de lhes perguntarem ‘Quando te vais embora?’ deveriam perguntar-lhes ‘Quando vais voltar?’. Para os profissionais com alto potencial coloca-se a questão da aceleração e desaceleração, com licenças de maternidade demasiado curtas." As mentalidades evoluem lentamente. Alguns casos de sucesso alargam as fronteiras. Vejamos o exemplo de Natalie Massenet, que fundou um império (Net-A-Porter), antes de criar os seus fundos de investimento e é mãe de três filhos. Ou Phoebe Philo, ex-diretora artística da Céline 7, que obteve licença para trabalhar a partir de Londres, onde vivia com a sua família. Ou ainda Stella McCartney, que voltou a adquirir os 50% das ações da sua sociedade detidas pela Kering ao fim de dezassete anos. Agora é proprietária da sua própria marca, provando que é possível ser-se criadora, mulher de negócios e mãe de quatro filhos. Contudo, estes exemplos ainda são raros, sobretudo no trabalho criativo.

O ritmo desenfreado de conceber oito a dez coleções anuais desafia o equilíbrio vida-trabalho. Isto não impediu figuras como Maria Grazia Chiuri (a primeira mulher nomeada como diretora criativa da Dior) ou Isabel Marant (responsável pela sua própria empresa) de conseguirem pôr as mulheres sob as luzes da ribalta.

A caminho de uma revolução?

Estas pioneiras abrem caminho para as outras mulheres, impulsionando a mudança. No entanto, os obstáculos persistem. "Está a surgir uma nova geração de empresárias", constata Floriane de Saint Pierre, fundadora do gabinete de assessoria do sector do luxo com o mesmo nome. "São mulheres corajosas e influentes da Moda: Marine Serre, Christelle Kocher ou Vanessa Seward. Contudo, o seu acesso ao investimento é difícil porque o mundo continua a ser masculino." Necessária em matéria de equidade, a paridade também representa um trunfo para as empresas e os grupos de luxo já se perceberam disso: todos estão a desenvolver ações para promovê-la. "Achamos que a LVMH será uma sociedade melhor numa situação de paridade", afirma Chantal Gaemperle, diretora de recursos humanos e sinergias do Grupo e membro da comissão executiva. As mulheres devem ousar e, para tal, aprenderem com as experiências das outras." Este grupo, líder do luxo em França, no qual as mulheres representam 74% do total de efetivos, iniciou o programa EllesVMH, há dez anos, para permitir às suas colaboradoras enriquecer o seu percurso, sobretudo através de ações de coaching. Seguindo o mesmo espírito, Women@Dior desenvolve, há dez anos, uma operação de mentoring entre os quadros da Dior e jovens estudantes. O grupo Kering, outro gigante francês, elevou a igualdade entre as mulheres e homens ao estatuto de prioridade. O grupo é dos que emprega mais mulheres do Cac 40 (um índice bolsista que reúne as 40 maiores empresas em França e que conta com 56% de mulheres entre os seus gestores e 64% no conselho de administração). Em 2010, assinou o documento Women Empowerment Principles, da ONU Mulheres, e iniciou um programa interno: Leadership et Mixité. Para Béatrice Lazat, diretora de recursos humanos, "a diversidade é fonte de criatividade e inovação, da qual resulta o desempenho económico". Será, então, o século XXI o século das mulheres? "Por volta dos 40-45 anos, quando os filhos já cresceram, as mulheres tornam-se foguetes", afirma Gwenaëlle Lemonnier. "A forma como gerem os negócios é revolucionária, criativa e inspiradora para os homens. Têm uma eficácia impressionante, são excelentes negociadoras, capazes de serem intransigentes e de, simultaneamente, lidarem de forma harmoniosa o fator humano."

Exclusivo Madame Figaro | Tradução Erica Cunha Alves

Stella McCartney
Foto: Getty Images
1 de 7 / Stella McCartney
Thierry Mugler
Foto: Instagram @manfredthierrymugler
2 de 7 / Thierry Mugler
Maria Grazia Chiuri
Foto: Getty Images
3 de 7 / Maria Grazia Chiuri
Jean-Paul Gaultier
Foto: Pascal Le Segretain | Getty Images
4 de 7 / Jean-Paul Gaultier
Phoebe Philo
Foto: Gareth Cattermole | Getty Images
5 de 7 / Phoebe Philo
Isabel Marant
Foto: Getty Images
6 de 7 / Isabel Marant
Gabrielle Chanel
Foto: Getty Images
7 de 7 / Gabrielle Chanel
Leia também

Chanel apresenta coleção Métiers d’Art inspirada no Egito

O Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, foi o cenário perfeito para a apresentação de uma das coleções mais especiais da maison francesa, equilíbrio perfeito entre o trabalho dos artesãos e as ideias dos criativos da Chanel. A cidade que nunca dorme foi escolhida por ser uma das favoritas de Gabrielle Chanel e Karl Lagerfeld.

As novas clientes do luxo

A explosão dos países emergentes afetou a trajetória dos artigos de luxo. Menos estereotipadas, mais conectadas e mais exigentes, as consumidoras estão igualmente mais recetivas a surpresas, a produtos inovadores, ao mix & match… mas continuam a sonhar com o chique “à francesa”.

Louca por compras: quantas peças de roupa devemos ter no armário?

Mais do que renovar o guarda-roupa (só os super-ricos é que o poderão fazer, duas vezes ao ano), o que está in é atualizá-lo ou até “reciclá-lo” sem nos arruinarmos com compras desnecessárias. O mote é ter-se estilo sem nunca ser e, pior ainda, parecer uma vítima da moda.

Dior, I love you

O Museu Victoria & Albert recebe, entre 2 de fevereiro e 14 de julho, a maior exposição de sempre dedicada à maison Christian Dior, com um capítulo especial dedicado à relação do fundador com o Reino Unido e fazendo do vestido que Dior criou para o 21º aniversário da princesa Margarida uma das peças-estrela. A propósito da abertura de 'Dior: Designer of Dreams', republicamos um texto da edição de fevereiro de 2017, mês em que a marca completou 70 anos.

As Mais Lidas