“A Moda é mais democrática, mas todos parecem iguais”
Dos passeios de Maria Antonieta à chegada de celebridades a um desfile do século XXI passaram séculos sobre o Palácio de Versailles. Um novo livro lança o desafio de revisitar a sua allure e a sua relação com a Moda pelos olhos da autora, Laurence Benaïm, em entrevista à Máxima.

Quando Maria Antonieta fez da sua costureira, Rose Bertin, "Ministra da Moda", ficou claro que a roupa teria especial importância no seu reinado. O título não era oficial, mas a jovem rainha-consorte que subiu ao trono com 19 anos, em 1774, fica na História não só como a última rainha de França como também um dos primeiros ícones de moda. A relação entre ambas começou com uma espécie de aconselhamento, mas Bertin rapidamente se integrou no círculo privado da rainha, teve a sua própria boutique (La Grand Mogol), em Paris, e também uma longa e distinta lista de clientes, na qual constavam rainhas de outros países. França ditava as regras da Moda, naquela época, e o seu poder estava concentrado em Versailles. Um palácio que atravessou estilos artísticos e que se tornou tão emblemático que atravessou séculos. Mesmo depois do fim da monarquia, Versailles manteve-se fiel a si próprio, a majestosidade do palácio passou a servir receções diplomáticas e por lá passaram distintas personalidades, como as rainhas Victoria e Isabel II, de Inglaterra, o Czar Nicolau II, da Rússia, ou o casal Kennedy. Hoje é um museu de arte e de história que qualquer pessoa pode visitar.
No século XVIII, Versailles era o cenário perfeito tanto para vestidos com ancas que chegavam a ter quatro metros e meio de largura como de perucas que chegavam a ter um metro de altura. Em 1973, foi o palco d’A Batalha de Versailles, um duelo sobre a passerelle (pacífico, mas memorável) que pôs frente a frente cinco criadores franceses e cinco americanos e resultou num momento de transição para a moda francesa. Em 2007, a Dior realizou nele o desfile de Alta-Costura que celebrava o 60.º aniversário da marca e, em 2012, foi a vez de Chanel fazer dos jardins e das fontes dançantes o cenário do seu desfile Resort. Pelo meio, vários filmes tiraram partido da grandiosidade cinematográfica de Versailles, como por exemplo Marie Antoinette, de Sofia Coppola (2006), um entre 170 filmes para os quais o palácio abriu os seus imponentes portões entre 1904 e 2011. Versailles é o cenário perfeito para contar histórias em que a Moda tenha um papel de relevo e foi esta exuberância dramática que levou Laurence Benaïm a escrever o livro Fashion and Versailles (Flammarion). A autora mergulhou numa investigação sobre a história do palácio e a relação deste com a Moda e explica-nos: "Versailles estava destinado a ser a primeira fogueira de vaidades, na Europa. Adoro a forma como tudo está ligado lá: as pessoas, as artes decorativas, os artistas, os favoritos, os dramas, a privacidade, o autoexibicionismo, a sedução e o poder." Esta jornalista francesa estudou Literatura na Sorbonne, seguida de uma pós-graduação em Jornalismo. No Le Monde, onde chegou na década de 1980 e se manteve cerca de 20 anos, destacou-se a escrever sobre moda, porque, segundo ela, esta era a melhor forma de identificar uma época. Hoje, é editora-chefe da revista online Stilletto (stiletto.fr), cujo lema é "Para sonhar, em vez de dormir", e é uma voz respeitada na crítica de moda. Conta à Máxima que "em Versailles, a moda tornou-se uma ferramenta publicitária antes do tempo". E sublinha: "Hoje, a Moda é mais democrática, de certa forma, mas o perigo é que toda a gente parece igual. O luxo e o mercado de massas celebram os mesmos valores, baseados na normalidade, no streetwear dos millennials. Há menos espaço para a singularidade." A obra de Laurence Benaïm faz-nos revisitar o passado no presente e pensar no futuro.

Ainda está apaixonada pela Moda, depois de tantos anos?
Talvez não tanto como costumava estar, tal como a Moda agora é: mais um sistema do que uma comunidade de talentos. E porque hoje toda a gente é artista, torna-se muito difícil adorar todos. Talvez o meu coração não seja grande o suficiente…
Fashion and Versailles não é o seu primeiro livro. Entre outros, também escreveu uma biografia de Yves Saint Laurent. Porquê ele?

Talvez porque ele me escolheu para o fazer...
Porque é que decidiu fazer este livro, agora?
Talvez porque eu acredito que o sonho, a fantasia e a extravagância ainda importam. Eu adoro moda quando não é uma realidade imitada. Adoro interpretações.

Que história é que ele conta?
Este livro conta as ligações entre Versailles e a Moda, desde o século XVII.
No site da Rizzoli podemos ler que Versailles é o berço da Moda. Pode explicar esta ideia?

Em 1678 começou a construção do Salão dos Espelhos, em Versailles. Nunca antes um só local inspirou tantos jogos de espelhos e de reflexos (nos quais a Moda desempenhou sempre um papel de destaque) como Versailles.
Apesar de haver tantos outros palácios monumentais na Europa, porque é que Versailles é tão especial?
Em Versailles, o amarelo nunca foi simplesmente amarelo, mas sim amarelo-canário, amarelo-malmequer, amarelo-barriga de corça. A Moda era Versailles e Versailles era a Moda: exuberante, imprevisível e irrepreensível na sua determinação em seduzir. Versailles não é apenas um lugar. É uma mitologia.

Lembra-se da primeira vez que visitou Versailles?
Não.
Quais são as maiores lições de moda que aprendemos com Versailles, ao longo dos séculos?

A Moda tem de definir as regras enquanto joga. A Moda não é uma imitação. É uma reinvenção perpétua, uma forma de conhecer pessoas e de celebrar a individualidade.
A história de Versailles está recheada de muitas histórias. Há algum episódio ou personagem que tenha achado especialmente interessante?
Talvez a história de Maria Antonieta, como uma pobre menina rica, uma espécie de Madame Bovary, antes de Flaubert… Uma espécie de Blue Jasmin, vestida de rosa.

Agora que o livro Fashion and Versailles está lançado que projetos tem em mãos?
Tenho alguns livros em preparação. Primeiro, um ensaio sobre René Lacoste com documentos nunca antes vistos (cadernetas dele…) para ser publicado em maio [deste ano]. E a nova edição de Yves Saint Laurent para o 10.º aniversário da morte dele. E alguns outros…
Há um capítulo do livro que se chama Pompadours do Novo Mundo. Quem são os ícones de moda do século XXI?

Aqueles que se recusam a ser catalogados como ícones de moda.
Se a moda tiver fantasmas, há algum proveniente de Versailles?
Claro! Eu adoro fantasmas! Adoro encontrá-los lá. E fora de Versailles. O que seria a vida sem rainhas, sonhadores e fantasmas?


Think pink! Com uma exposição dedicada à cor rosa
Ao longo da história da moda, a cor rosa tem sido uma presença assídua, multiplicando-se em tonalidades e significados. O Fashion Institute of Technology, em Nova Iorque, conta este fascínio numa exposição especial.