"Tradwives": as mulheres devotas aos maridos e à família. Retrocesso ou liberdade?
Num mundo onde a luta pela igualdade de género parece ser mais importante do que nunca, surge um movimento inesperado e polémico. Estas mulheres decidem abraçar um estilo de vida doméstico e tradicional, gerando debates acesos sobre feminismo, liberdade de escolha e o verdadeiro significado da emancipação feminina.

Os vídeos de Hannah Neeleman, 34, mais conhecida nas redes sociais como Ballerina Farm, começam quase sempre com uma vista da sua cozinha. Neles, vemos Hannah a preparar algo from scratch, desde o pão até à manteiga, tudo feito no seu balcão de madeira, com o fogão Aga ao fundo - um eletrodoméstico que custa cerca de 20 mil euros. De destacar que o leite utilizado para a manteiga vem diretamente da vaca que Neeleman ordenha. Muitas vezes, vemos um bebé ao seu peito e uma ou outra criança a mover-se pela cozinha ou sentada no balcão a ajudar na preparação da refeição. Hannah tem atualmente oito filhos - Henry, 12; Charles, 10; George, 9; Frances, 7; Lois, 5; Martha, 3; Mabel, 2; e Flora, 1 - com o marido Daniel Neeleman, 35, cuja família é famosa, sendo o pai, David Neeleman, o bilionário fundador de várias companhias aéreas, incluindo a JetBlue. A família pratica a fé mórmon e vive em Utah, uma região dos Estados Unidos com uma grande população mórmon.




Os vídeos de Hannah circulam há mais de um ano, período em que se tornou uma das principais figuras do movimento tradwives, um título que lhe foi atribuido pela (e na) internet. Este termo é a abreviação de Traditional Wives (esposas tradicionais) e refere-se às mulheres que adotam papéis tradicionais de maternidade, vida doméstica e apoio ao marido. Hannah não é a única personalidade associada a este movimento: Nara Smith é outra figura importante. Nos seus vídeos, Smith aparece frequentemente vestida de forma elegante, muitas vezes em roupas de alta-costura, e realiza várias tarefas do início ao fim, desde a preparação de cereais e coca-cola até a produção de pasta de dentes e pastilhas. Casada com o modelo Lucky Blue Smith, Nara tem três filhos e também pratica a fé mórmon. No entanto, ao contrário de Neeleman, Smith não tem recebido tanta atenção negativa. Esta atenção adversa intensificou-se para Neeleman após a publicação de uma entrevista de Megan Agnew no The Times, no dia 20 de julho.
Ao ler o artigo, sentimos uma dualidade de sensações. Será Hannah uma vítima de um lar patriarcal ou estamos nós, como sociedade, pouco preparados para aceitar mulheres que escolhem este estilo de vida? Por que motivo tantas pessoas, frequentemente outras mulheres, se sentem no direito de julgar aquelas que optam por ser donas de casa em vez de terem "trabalhos de escritório"?
Agnew mencionou no seu texto a dificuldade em falar a sós com Hannah, devido às constantes interrupções do marido ou dos filhos. "Parece que não consigo obter uma resposta de Neeleman sem que ela seja corrigida, interrompida ou respondida pelo marido ou por um filho." A questão sobre se esta vida foi realmente uma escolha de Hannah - um tema que tem gerado muito debate na internet - surge quando a jornalista pergunta sobre a sua vida passada. "Bem, desisti da dança, o que foi difícil. Desiste-se de uma parte de nós próprios." Agnew não conseguiu evitar perguntar se a vida na quinta com oito filhos era algo que Hannah sempre desejou. "‘Não’, diz ela [Neeleman]. ‘Quero dizer, eu estava, tipo -’ Ela faz uma pausa. ‘O meu objetivo era Nova Iorque. Saí de casa aos 17 anos e estava tão entusiasmada por lá chegar, adorava aquela energia. E eu ia ser bailarina. Eu era uma boa bailarina.’ Ela faz outra pausa. ‘Mas sabia que, quando começasse a ter filhos, a minha vida seria diferente.’"
Com a evolução social e os avanços do movimento feminista, assistimos a mais igualdades de oportunidade no mercado de trabalho. No entanto, o movimento tradwife emerge como uma contra-corrente, rejeitando essa evolução em favor de um retorno ao que é visto como uma estrutura familiar mais tradicional. As "tradwives" são, na sua maioria, mulheres jovens que optam por abandonar ou minimizar as suas carreiras profissionais para se dedicarem à vida doméstica. Estas mulheres encontram uma sensação de propósito e satisfação na gestão da casa, no cuidado dos filhos e no apoio aos seus maridos. Ao contrário do estereótipo de submissão cega, muitas "tradwives" defendem a escolha consciente e empoderada de adotar este estilo de vida, argumentando que ele oferece uma fuga ao stress e à pressão do mundo moderno.
Este movimento reflete a complexidade e a diversidade das experiências femininas na sociedade contemporânea. Embora possa parecer um retrocesso para alguns, para outros representa uma forma de encontrar equilíbrio e propósito numa era marcada por constantes mudanças e desafios. Seja qual for a posição sobre este tema, é essencial abordar estas escolhas com empatia e compreensão, reconhecendo a importância da autonomia e da liberdade individual em moldar o próprio destino - como será o caso de Hannah ou de Nara.
