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Olga Roriz: "Gosto que cada pessoa leia os meus espetáculos conforme as suas vivências"

Conversámos com a bailarina e coreógrafa Olga Roriz, uma força da natureza nas artes perfomativas e uma das mulheres que elegemos para celebrar o nosso trigésimo aniversário.

Foto: Pedro Ferreira
22 de novembro de 2018 às 07:00 Rita Silva Avelar

De todos os anos da sua vida, só não dançou quatro. Foram os primeiros. Depois, Olga Roriz deu início aos estudos de dança, em Lisboa, com Margarida de Abreu e, até hoje, nunca mais parou. É raro inspirar-se na Dança, mas sim em áreas como o Teatro ou o Cinema quando constrói criações onde o improviso é a palavra de ordem. Sentadas lado a lado, é na paixão do seu olhar ao falar de tudo isso que lhe lemos que é a Dança, de forma derradeira, a que continuará a dar corpo e alma em toda a vida.

Antes desta entrevista começar, Olga Roriz confessa que prefere falar do seu trabalho como bailarina e como coreógrafa do que da sua infância ou do sítio onde cresceu, em Viana do Castelo. É natural. É que foi na dança e na coreografia que cresceu e que se tornou mulher e artista. As duas numa só. Roriz formou-se na Escola de Dança do Teatro Nacional de São Carlos com Ana Ivanova e, mais tarde, realizou o curso da Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa. De 1976 a 1992 fez parte do elenco do Ballet Gulbenkian (onde foi primeira bailarina e coreógrafa principal) e três anos depois de sair, em 1995, fundou a Companhia Olga Roriz, da qual é diretora e coreógrafa. Uma das suas primeiras peças e uma das suas preferidas, Propriedade Privada (de 1996), inspirou-se de forma livre no centenário da história do Cinema. A última, A Meio da Noite, é uma homenagem suprema a Ingmar Bergman. Tal como o Cinema, é em Artes como a Ópera, a Literatura ou o Teatro que se tem inspirado, ao longo de três décadas sempre a criar.

Depois de estudar dança, aos 21 anos, integrou o elenco do Ballet Gulbenkian sob a direção de Jorge Salavisa, onde foi primeira bailarina e coreógrafa principal durante 16 anos. Como recorda esses tempos?

Esse foi o momento em que me tornei profissional, depois de longos anos de formação. Apesar de só ter 19 anos de idade, estava pronta para entrar numa companhia. Havia já vários bailarinos que eram meus fãs na própria Gulbenkian e eu própria era muito fascinada pela companhia de ballet daquela Casa. Enquanto fui finalista do Conservatório, fiz várias peças como estagiária [para a Companhia]. Fiz uma audição com o Jorge Salavisa e entrei. A partir dali, aquilo tanto foi um sonho como, ao mesmo tempo, foi uma selva. Já não havia professora, nem colegas. Mas como sabia muito bem o que queria e como era muito focada e disciplinada, esse foi um momento muito forte.

E o primeiro solo como bailarina na companhia?

Convidaram-me para solista quando era ainda estagiária… Foi um espetáculo no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. Nessa altura, aprendi muito com outros coreógrafos. Em todas as temporadas tínhamos três a quatro coreógrafos por mês. Foi uma aprendizagem muito importante para aprimorar a minha técnica e construir a minha assinatura como coreógrafa.

E depois começou a coreografar…

Sim. Eu tinha trinta bailarinos muito bons que foram as minhas "cobaias" e, ao mesmo tempo, os meus colegas e amigos. Foram anos muito intensos e foi um grande privilégio ter estado naquela Casa. Era um androceu para mulheres, naquela altura, nos anos 70, e mais ainda tendo eu um lugar de destaque como coreógrafa.

Isso foi difícil de aceitar para algumas pessoas?

O meu objetivo no trabalho e a minha disciplina vieram fazer com que o meu lugar fosse compreendido e aceite por toda a gente, alguns anos mais tarde. Foi um início de carreira muito forte.

Quem foram e quem são os coreógrafos que sempre a inspiraram? E a sua grande referência feminina?

As minhas influências, salvo raras exceções, não têm a ver com a Dança. São referências da Literatura, como a Marguerite Duras, e também do Cinema e do Teatro. Os meus pais levavam-me muito ao teatro e ao cinema. Claro que também via Dança, toda a temporada de dança e de ópera no São Carlos me inspirou… As minhas referências são mulheres da Ópera como a Montserrat Caballé. Depois, conheci os DV8 [Physical Theatre] e a Pina Bausch, anos mais tarde depois de começar a coreografar. Quando eu vi, pela primeira vez, A Sagração da Primavera [num espetáculo criado, em 1975, a partir da música de Igor Stravinsky] foi num vídeo e senti uma cumplicidade muito grande, uma sensação nova e próxima de mim ao mesmo tempo.

O seu reportório nas áreas da Dança, do Teatro e do vídeo é constituído por mais de 90 obras. Quais foram os projetos que mais a marcaram?

No Ballet Gulbenkian, Treze Gestos de um Corpo [de 1987], Isolda [de 1990] e Terra do Norte [de 1985] que foi a minha verdadeira Sagração da Primavera (e não quando fiz a peça, em 2010). Depois, a obra Propriedade Privada [de 1996], já com a minha companhia, foi um espetáculo especial. Pedro e Inês [de 2003], para a Companhia Nacional de Bailado, foi uma peça consensual, pois toda a gente gosta, mas foi difícil por ser uma história que toda a gente sabe e logo a expectativa é maior.

Em 1992, assumiu a direção artística da Companhia de Dança de Lisboa e, três anos depois, fundou a Companhia Olga Roriz, da qual é diretora e coreógrafa. Era algo muito desejado ou aconteceu naturalmente?

Não era algo com que eu sonhava. A partir do final dos anos 80, quando começo a fazer solos e a ser coreógrafa e bailarina da [Fundação] Gulbenkian, descubro um novo método de trabalho que tem a ver com a câmara e com a improvisação. Começo a pensar que gostaria muito de trabalhar com as pessoas com esse método, o que na Gulbenkian não dava porque a improvisação leva três ou quatro meses a trabalhar. Comecei a pensar nisso, mas nunca pensei em sair da Companhia. Depois convidam-me para ser diretora da Companhia de Dança de Lisboa, onde comecei a fazer esse trabalho. Um ano e meio depois demiti-me e abri a minha Companhia.

Qual é a mensagem na Dança que é mais importante a passar aos seus bailarinos?

Em relação a cada projeto há uma ideia, como agora é o caso da peça sobre Ingmar Bergman [A Meio da Noite]. É preciso pesquisar muito, ver muitos filmes. Depois há muito trabalho de improvisação, uma grande pesquisa para que cada um dos bailarinos chegue a sítios que a mim me interessam ou não. Eu vou fazendo com que eles façam aquilo que eu quero, conduzo-os e dirijo-os, e depois o importante é aquilo que eu escolho daquilo que eles me dão para o alinhamento da peça. E esse alinhamento vai delineando uma dramaturgia que tem o conceito que tem e que tem as mensagens que tem.

E qual é a mensagem derradeira de uma peça para quem assiste, seja que peça for?

O mais interessante e o que eu quero nos espetáculos é que cada pessoa do público possa ler a sua mensagem, sentir aquilo que tem de sentir, sem ser algo preciso. Gosto que cada pessoa leia uma coisa conforme as suas vivências.

No que respeita à Dança, há ainda um desequilíbrio no reconhecimento do prestígio das mulheres nesta área?

A igualdade nunca vai existir, não querendo ser pessimista. Infelizmente, [nós mulheres] temos de trabalhar eventualmente mais do que eles, os homens, para chegarmos aos mesmos sítios. Depois, há ainda o conceito de que a mulher é que tem de ficar em casa e que tem de cuidar e criar os filhos, o que muitas vezes nos retira o foco. Precisamos de nos manter focadas na mesma e perceber as prioridades.

Prioridade, essa, que é a felicidade?

Sim, a prioridade não são unicamente os filhos, mas sim a felicidade e o equilíbrio de uma família. E isso não se faz com uma mulher infeliz. As minhas filhas dizem-me, muitas vezes: "Ainda bem, mãe, que nos deixaste de parte, um bocadinho, e és a pessoa que és porque nós somos mais ricas e felizes contigo assim do que se tivesses ficado em casa a tratar de nós e fosses infeliz." A mulher precisa de se libertar da culpa permanente com que vive.

Foto: Pedro Ferreira
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