O mistério Eva Green : "Eu não sou uma mulher fatal, nem uma sedutora"
Tem uma carreira fulgurante, mas revela uma contenção crónica. Possui um físico de mulher fatal, mas exala uma timidez embaraçosa. Por mais espantada que fique, esta fascinante atriz e musa dark de Tim Burton é um mistério muito cinematográfico. Conversámos com a embaixadora da Casa Bulgari, em Roma.
21 de janeiro de 2019 às 07:00 Richard Gianorio
Luminosa, mas sombria. Este não é o menor dos paradoxos de Eva Green. Um físicode estrela da década de 1950, semelhante ao de uma pin-up, a expressividade de uma diva do cinema mudo, com uns olhosenormes, uma vozgrave de mulher fatal e um nomedestarlette da década de 1960, tão improvável que pensamos que é um pseudónimo. E isto não é nada. Miss Green, uma estatueta franco-sueca, filha de uma personalidade francesa (MarlèneJobert) e de um dentista, vive em Londres e participa em filmes americanos a conta-gotas. Eva escapa a qualquer tentativa de classificação e não percorre nenhum caminho pré-estabelecido. Ela própria parece desconcertada quando tentamos montar as peças do seu puzzle. "Não sei…", diz, indefesa, antes de sublinhar aquilo que já sabemos: "Eu não gosto de falar sobre mim." Um eufemismo na boca desta jovem mulher tão doce como assustada, paralisada pelo menor elogio.
A vida de Eva Green não contradiz nenhuma destas declarações. Na época da agitaçãoobscena das instagrammers e de outras personagens que cultivam incessante e perpetuamente o Eu, ela destaca-se pela sua ausência das redessociais e das passadeirasvermelhas, por não falar a torto e a direito e por se fechar na sua vida privada – finge que não tem uma, mas recusamo-nos a acreditar. Resumindo, Eva Green, a secreta, parece inteiramente dedicada ao Cinema e ao perfeccionismo obsessivo das suas qualidades dramáticas: ela é, de facto, uma atrizextraordinária.
Como estreante, Eva fez uma entrada em cena sensacional no Cinema em Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, esse grande descobridor de talentos. Foi há 15 anos. Depois, impressionou os fãs de James Bond como Vesper Lynd, o grande amor do Agente 007 (interpretado por Daniel Craig), afogada nas águas de Veneza. De seguida, passeou o seu corpo ultrasensual de vamp involuntária em filmes independentes originais (Sedução, Pássaro Branco…) e acabou por se tornar a nova musa de Tim Burton e já fizeram três filmes juntos. No último deles, uma versão não animada de Dumbo, a estrear em março deste ano, ela desempenha o papel de uma acrobata de circo, contracenando com Colin Farrell e Michael Keaton. Embora não tenha tido sorte com Roman Polanski, no ano passado (contracenou em A Partir de Uma História Verídica), vamos vê-la como uma astronauta em Proxima, da brilhante Alice Winocour. Depois, em modo aventureiro, viajou para a Nova Zelândia, onde está a filmar The Luminaries, uma mini série britânica sobre a febre do ouro. E ninguém esqueceu a sua interpretação fabulosa de Vanessa Ives, nos 27 episódios da série de culto Penny Dreadful que a transformou num íconegóticointernacional, o que corresponde magnificamente à sua natureza profunda e taciturna. Encontrámo-nos com Eva Green em Roma, numa bela manhã de Outono. A sua pele diáfana extra clara parece atrair os mosquitos do jardim do Hotel de Russie. Ela é a embaixadora da Bulgari e, no dia anterior, apresentou algumas jóias da colecção Wild Pop: "Tal como Elizabeth Taylor, uma das mais fiéisclientes da Bulgari, eu adoro peças enormes, anéis e pendentes. Ter a oportunidade de admirar joias históricas que ela usou comoveu-me muito." Confidências.
"Tenho uma profissão possivelmente contrária à minha natureza"
"No meu trabalho, evocamos frequentemente o pretensomistério que transmitimos. Não… Eu não sou uma mulher fatal, nem uma sedutora. Tenho de admitir o meu lado gótico, mas não há nada de misterioso em mim. A realidade é menos romanceada: sofro de uma timidez extrema. Eu não saio, não me sinto à vontade em sociedade: na verdade, não me veem em lado algum. [Risos] Não tenho qualquer talento mundano e posso facilmente ficar paralisada quando sou convidada para um jantar onde não conheço ninguém. Já quando eu era criança, estava sempre de ‘péatrás’. Em contrapartida, não tenho qualquer problema em interpretar um papel, maquilhada, vestida e armada com as palavras de outras pessoas. A minha mãe disse-me, muitas vezes, que havia duas pessoas dentro de mim: uma que é reservada e outra, que nem sempre compreendo, que é capaz de extremos. O meu signo astrológico é o do Caranguejo, mas alguém me explicou, um dia, que havia sem dúvida um erro: toda eu sou uma nativa de Gémeos."
"Isto não é um cálculo, nem uma estratégia. É a minha natureza profunda. Sou um pouco old school. Por exemplo, afastei-me das redes sociais. Sei que, hoje em dia, incentivam as atrizes a exprimirem-se no Instagram e que algumas chegam, aparentemente, a ser escolhidas em função do seu número de seguidores. Eu sei que isto é geracional e que, para algumas, não é unicamente uma ferramenta de promoção, mas também de negócio, como que um ganha-pão. É-me irrelevante. Todo este narcisismo transtorna-me. Eu não sou como estas pessoas que vejo com a cara colada ao smartphone, a fotografarem-se ou a conversarem consigo próprias. Parece-me que, por vezes, eu me esqueço demasiado de mim própria. Tal como a Vanessa Ives, a minha personagem em Penny Dreadful, eu vejo-me pouco ao espelho. Pelo menos, não com frequência. Talvez devesse falar com um psicanalista? [Risos] Mas não estou a fazer terapia."
"Continuo a evocá-las: à pazinterior e à calma. [Risos] Todas as pessoas em meu redor já mo disseram: ‘Quando envelheceres, vais melhorar.’ Não só eu não estou a melhorar, como acho que nãotenhoremédio. Mesmo que, com o passar dos anos, a sabedoria se tenha insinuado em algum sítio, eu tenho a impressão de ser mais frágil e mais vulnerável do que antes. Acho esta profissão difícil e tenho sempre medo de que tudo acabe. Não construí nenhuma carapaça, não uso nenhuma armadura e nada me reconforta verdadeiramente. Não suporto a malícia, as relações de poder, a competição, os julgamentos preconcebidos, as frases feitas. Além disso, o Cinema é muito duro para as atrizes. Por exemplo, é muito difícil para nós candidatarmo-nos a um filme de ação. Ouço frequentemente nos castings: ‘Uma mulher não saberia fazer isto.’ Isto para não mencionar os salários. Recebo muito menos do que um ator. Por vezes, quatro vezes menos."
"Musa? Não sei"
"O Tim Burton e eu não estamos juntos, ao contrário do que dizem os boatos. Eu tenho muita sorte em trabalhar com ele. Se eu o inspiro, ele nunca mo disse. Não faz o género dele. Ele é tímido, pudico, extremamente sensível. Adorei os meus papéis em Sombras da Escuridão e A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, duas personagens sobrenaturais e bizarras. A próxima, a acrobata de Dumbo, é um pouco menos extravagante. Para interpretá-la, eu tive de enfrentar as minhas vertigens e o meu medo do vazio. Preparei-me durante três meses, trabalhando com pessoas do circo, gente maravilhosa, muito alegres embora trabalhem tanto. Tomei-lhe de tal forma o gosto que, quando terminei as filmagens, se tornou um hobby: continuo a frequentar a escola de artes circenses de Londres, todas as semanas. Adoro fazer esforços, transpirar, reconciliar a minha cabeça com os meus músculos. Atualmente, perdemos todo o contacto com a nossa animalidade e isso é uma pena, sobretudo para os atores."
"Não é muito difícil confessar que eu fui assediada. A coragem foi reconhecida àquelas que quebraram a lei do silêncio primeiro, não àquelas que, como eu, seguiram em frente. Cruzei-me com o Harvey Weinstein em diversas ocasiões. Acho que era sempre o mesmo estratagema: ele pedia para nos encontrarmos, sob o pretexto de nos fazer uma proposta para um filme. Estava subentendido que ele poderia mudar a nossa carreira se assim o decidisse. Eu sou tímida, mas sei defender-me e, quando chegou a altura, defendi-me. Fiqueitraumatizada. Depois, tornou-se necessário evitá-lo a todo o custo e nunca mais o encontrar. No entanto, quanto mais lhe resistíamos, mais excitado ele ficava e era um ciclovicioso. Sim, ele ficava excitado por provocar medo. Tudo o que disseram sobre ele é verdade. Sinto-me particularmente zangada contra todos os que trabalhavam para este homem e lhe prestavam homenagem. É impossível que não saibam o que se passava. Se ele prejudicou a minha carreira? Não sei… Aquilo que sei é que ele nunca me ajudou. Estou satisfeita com o resultado desta questão. Fez-se, finalmente, justiça."
Exclusivo Madame Figaro | Tradução Erica Cunha e Alves
A desigualdade salarial na União Europeia é equivalente a 59 dias de trabalho, índice que não era tão alto desde o início da década. Portugal apresenta disparidade ainda superior à média europeia, com uma diferença de 17,5%.