Líquen vulvar escleroso, a doença feminina que pode levar até 15 anos para ser diagnosticada
Para celebrar o Dia Internacional da Saúde da Mulher, a Máxima falou com uma especialista em líquen vulvar escleroso. Uma doença feminina rara, crónica e dolorosa. Os sintomas confundem-se com os da candidíase e é muito difícil de diagnosticar. Mas há esperança.
Foto: GettyImages29 de maio de 2025 às 10:41 Madalena Haderer
Hoje, dia 28 de maio, celebra-se o Dia Internacional da Saúde da Mulher. Uma efeméride instituída em 1987, durante o V Encontro Internacional Mulher e Saúde, com o objetivo de consciencializar as pessoas para questões relacionadas com o bem-estar feminino, incluindo a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, com foco nas doenças ginecológicas e oncológicas e nas condições crónicas que afetam as mulheres. A Máxima aproveitou esta data para visitar a clínica MS Medical Institutes, um espaço quase inteiramente dedicado à saúde da mulher, subdividido em diversos institutos – daí o nome – com valências nas áreas da saúde estética e regenerativa, saúde geral e sexual, e saúde mental e bem-estar, com especial enfoque nas doenças raras.
Aqui chegam, frequentemente, mulheres já no fim da linha, com doenças que nenhum médico conseguiu diagnosticar e com indicação de que devem ser seguidas em psicologia ou psiquiatria – subentendendo-se que a doença está dentro das suas cabeças, só que não está. Muitas, quando finalmente recebem um diagnóstico, choram de alívio e frustração. Se, por um lado, está ali a prova de que não estavam malucas, por outro, já podiam ter começado a ser tratadas há anos. Pelo caminho, muitas vezes, ficam casamentos e relacionamentos que não resistem, e entram em cena doenças mentais como a ansiedade e a depressão.
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Com o propósito de contribuirmos para a sensibilização e conhecimento das doenças raras femininas, conversámos com a ginecologista Mónica Gomes Ferreira sobre a sua experiência no tratamento e diagnóstico de quatro doenças em particular: líquen vulvar escleroso, lipedema, dispareunia (dor genital durante o contacto sexual) e o “lado B” do cancro da mama – ou seja, os efeitos secundários dos tratamentos oncológicos que reduzem a qualidade de vida das mulheres, em particular no que toca à saúde sexual, vulvo-vaginal e urinária. Desta conversa, resultou uma entrevista em quatro partes, cada uma focada numa destas doenças, para continuar a seguir aqui, nas próximas semanas. Hoje, falamos de líquen vulvar escleroso. Se está, sistematicamente, a ser diagnosticada com candidíase, mas nunca melhora, apesar dos tratamentos, nesta conversa pode estar a resposta que procura.
Antes de começarmos a falar sobre doenças, sintomas e tratamentos, gostaria que me explicasse o conceito desta clínica. Porque é um bocadinho diferente do normal, não é verdade?
Sim, a MS Medical Institutes não é uma daquelas clínicas tipicamente de estética, é uma clínica centrada mesmo em doenças. E é por isso que temos tanto contacto com estas doenças menos faladas. O objetivo é que uma pessoa venha cá, e que, caso precise, tenha um atendimento multidisciplinar. Por exemplo, no que toca ao líquen, eu consigo ajudar uma doente na parte ginecológica, porque o líquen afeta muito a vulva, mas se não tiver um atendimento multidisciplinar, com a parte da psicologia, porque muitas destas doentes acabam com depressões, ou mesmo da parte de nutrição, porque muitas destas doenças são afetadas por uma alimentação menos adequada, que dão fatores pró-inflamatórios que fazem com que a doença continue a avançar; sem isso, não vamos conseguir resolver o problema. E é esse o conceito aqui do MS Medical Institutes, que é formado por vários institutos, como o do Lipedema, o da Mulher & Saúde, o da Nutrição Integrativa, etc. Ou seja, todos estes institutos têm múltiplas especialidades, e as doentes vão lá porque têm problemas que devem ser tratados de forma multidisciplinar.
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Foto: DR
Fale-me, por favor, do líquen vulvar escleroso. Que doença é esta?
É uma doença que afeta a pele da vulva, especificamente, é muito mais frequente nas mulheres do que nos homens, apesar de, curiosamente, estar agora a tratar, pela primeira vez, um homem com líquen. Procurou tratamentos, porque as pessoas com a internet cada vez investigam e sabem mais, e encontrou na Flórida um colega que tratava o líquen nos homens com radiofrequência, que é a terapia que nós utilizamos aqui, continuou a pesquisar e acabou por nos encontrar. Mas, enfim, é uma doença que afeta muito mais as mulheres e é uma doença crónica, que afeta a pele da vulva.
A causa é multifatorial, está muitas vezes associada a doenças autoimunes, portanto tem uma vertente autoimune, uma vertente genética, e também pró-inflamatória. Portanto, os alimentos que produzem inflamação no organismo, favorecem também o aparecimento da doença. Geralmente, há mais incidência da doença na perimenopausa. É uma doença que pode ter muitos sintomas, mas também pode ser assintomática.O sintoma mais típico é o prurido, a comichão. As doentes queixam-se de comichão durante muitos anos, é uma doença que demora entre 5 e 15 anos para se chegar a um diagnóstico. Os médicos ginecologistas, ou de clínica geral, pensam que são candidíases, porque é a outra doença que dá este tipo de sintomas, e tratam continuamente como se fosse candidíase, mas elas não melhoram.
E há mais sintomas para além do prurido?
Sim, manchas brancas na pele da vulva e alterações na anatomia, porque os pequenos lábios ficam unidos com os grandes lábios e acabam por desaparecer. Isto porque muitas vezes as doentes têm muitas fissuras, feridas, e quando cicatrizam fica tudo unido, vê-se a linha da união, mas não há a protuberância dos pequenos lábios. Também há alterações no clitóris e na pele do capuz do clitóris. Pelo mesmo motivo. Elas coçam, fazem feridas e depois aquilo acaba por fechar; portanto, já não se vê o clitóris nestas doentes. Nós puxamos, normalmente, o capuz para ver se há mobilidade e devido a essas aderências acaba por ficar ali fechadinho e enterrado. E isso diminui a sensibilidade durante as relações.
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E isto são sintomas que vão surgindo ao longo do tempo?
Sim, é progressivo. E varia muito de doente para doente, há algumas que só têm comichão, não têm feridas, há outras que só têm muitas feridas e estas alterações anatómicas aparecem mais frequentemente, porque decorrem dessas cicatrizações. E há outras que até nem têm nenhum sintoma, só, por exemplo, as manchas brancas na pele da vulva, mais nada. Portanto, varia muito. E depois há aqueles casos que já têm tudo. O ideal seria ter um diagnóstico do “early líquen”, o líquen muito inicial, em que começa a haver pequenas alterações e que o médico consiga identificar e começar logo a tratar. Porque senão vai avançar e depois quando chegam aqui, à minha consulta, vêm já com a vulva toda alterada, com mais repercussões psicológicas, psiquiátricas. Portanto, depois implica um tratamento multidisciplinar que é, obviamente, mais difícil e mais prolongado.
O diagnóstico é feito por biópsia, certo?
Pode ser e pode não ser. Quando vemos uma vulva já muito alterada, não é 100% necessário fazer biópsia. Naqueles casos do “early líquen”, aquele estágio inicial em que só há leves alterações, sim, está indicado fazer uma biópsia.
Se as mulheres têm todas estas queixas e os ginecologistas tratam como se fosse candidíase e não resulta, por que razão não fazem uma biópsia antes de as referenciarem para a psiquiatria?
Não é tão fácil. Às vezes há ginecologistas que fazem biópsia, mas se fizer um milímetro mais ao lado, o relatório da anatomia patológica diz que está tudo bem. Então, não é assim tão fácil. Por isso, quando faço uma biópsia a um líquen retiro imensa quantidade e escrevo lá tudo muito bem, para o colega que vai analisar olhar para aquilo saber mais ou menos o que é que tem de ver porque senão é muito complicado conseguir um diagnóstico.
Tem algum caso que a tenha marcado particularmente?
Estou a tratar uma doente com líquen que a família morreu em Pedrogão, nos incêndios, e foi aí que surgiu. Ela não está ainda na menopausa, portanto, estes fatores de stress intenso alteram o organismo, e começam a surgir várias doenças. Esta é uma delas. Ela agora também já está em estudo num reumatologista e diz que tem outro síndrome, de Sjögren [“uma doença crónica que se manifesta por secura das mucosas, sobretudo boca e olhos, acompanhada frequentemente por outras manifestações de inflamação”, pode ler-se no site da CUF], tudo autoimune. E surgiu tudo a partir desse momento de stress intenso para ela. É a doente mais depressiva que eu tenho. Disse-me assim: “A doutora Mónica está a dizer-me que eu tenho que ir a muitos profissionais, parece que sou uma velha!” Porque eu disse-lhe que tem que ir ao nutricionista, porque nós vemos que ela não tem uma alimentação cuidada, tem que ir ao psicólogo para tratar essas questões que teve, que de certeza que estão lá. Ela diz que teve muito apoio, mas uma situação como a que ela viveu acaba sempre por deixar mazelas. Portanto, o acompanhamento multidisciplinar é essencial. E as pessoas não percebem, mas isto da nutrição é super importante. Não tem nada a ver com ser velha porque ela tem 30 e tal, 40 anos.
Do ponto de vista ginecológico, qual é o tratamento?
Quando há crises sintomáticas, com comichão e isso tudo, tem que ser com corticoides. Mas, de forma crónica, não deveriam aplicar corticoides locais, porque fazem com que a pele fique ainda mais atrófica. Os corticoides atrofiam a pele a longo prazo. Os dermatologistas dizem todos que só se trata com corticoides. Corticoides, todas as semanas. Mas a longo prazo, uma senhora como eu vi hoje, de 40 e tal anos, que vai durar ainda muitos anos, mais de metade do que tem agora, se aplicar corticoides o resto da vida, quando chegar aos 70, 80 anos, vai estar com a vulva toda atrófica e ainda mais sensível. Portanto, eu digo-lhe que não aplique todas as semanas, que aplique só em momentos de crise. Para evitar que tenha tantas crises, temos de utilizar tecnologias inovadoras, como a radiofrequência, o plasma rico em plaquetas, que é conhecido como PRP, os exossomas. São, sobretudo, estas três tecnologias que eu utilizo de forma regular nas mulheres com líquen.
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Foto: DR
O plasma rico em plaquetas e os exossomas são injetados?
Como a tecnologia da radiofrequência que eu utilizo já tem micro-needling, micro-agulhamento, faço primeiro essa. Depois, quando aplico os outros, só passo topicamente porque como o micro-agulhamento já foi feito, a medicação penetra. Estas medicações têm que ser feitas para ajudar a regenerar. Todas estas tecnologias são para regeneração dos tecidos e fazem com que a doente recomece a produzir elastina, colagénio, fibroblastos, vascularização. Portanto, faz com que a pele esteja mais saudável. Por isso é que também é importante uma alimentação adequada, com muitos nutrientes, hidratação, isso tudo é importante para que regenere ainda melhor e mais depressa. Depois destes tratamentos de choque, normalmente, recomendamos fazer uma manutenção. Fazemos três seguidos, uma vez por mês, uma manutenção para continuar a transmitir esse estímulo e continuar a fazer com que o tecido, neste caso a pele, continue a regenerar. E evitar então a aplicação dos corticoides de uma forma crónica.
O prurido é um sintoma que acompanha sempre ou é um sintoma que surge só realmente nos momentos de crise?
Há as duas coisas. Há pessoas que têm sempre, de forma crónica, um bocadinho de comichão, durante a vida toda vão tendo sempre, quase todos os dias, ali um desconforto, comichão, ardor. Elas usam este tipo de palavras porque se tiverem pequenas fissuras, aquilo também arde. É uma zona húmida, com urina à volta, com transpiração. Pode dar também este tipo de sintomas assim um bocadinho inespecíficos e variáveis. E depois há outras pessoas que só têm naqueles momentos de crise, quando estão mesmo muito mal, de repente têm comichão, comichão, comichão.
E isto perturba bastante a vida sexual das doentes, não?
Sim, claro. Porque elas não conseguem ter relações porque têm a vulva toda alterada. Obviamente, a penetração e o toque são dolorosos. Portanto, elas não conseguem. E isso interfere com a relação do casal. É por isso que, muitas vezes, referencio para a terapia de casal. Porque os maridos, alguns percebem, outros não. E é complicado. Depois elas acabam com depressões, há pessoas que se separam. Portanto, tem uma repercussão muito grande na vida da mulher e do casal. Há doentes que vêm com os maridos e eles acompanham e ajudam nos tratamentos. Mas muitas vêm sozinhas e sentem-se isoladas.
Na verdade, perturba muito mais que a vida sexual…
Sem dúvida. Chegam aqui muitas mulheres com depressões, a chorar, que não têm solução, que já estão assim há muitos anos, que já estão a sofrer há muito tempo, que afeta a qualidade de vida, o dia-a-dia, que andam de ginecologista em ginecologista. Muitas já me disseram que colegas meus, da minha especialidade e de outras, lhes disseram que precisavam de tratamentos psiquiátricos, porque elas queixavam-se continuamente de comichão nos genitais, eles já tinham posto de tudo: antifúngicos, tratamentos para vaginoses, hidratantes vulvares, vaginais, etc., e não havia melhorias. Portanto, já não havia nada a fazer da parte deles. Só uma consulta de psiquiatria. E depois quando eu digo, “realmente, tem líquen”, elas começam a chorar à minha frente. Dizem: “Finalmente, tenho um diagnóstico e um médico me compreende.”
(Para a semana, retomamos a conversa para falar sobre lipedema, também conhecido como a doença das pernas gordas. Não perca.)
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