Nos últimos tempos, tem-se falado muito sobre o squirt – termo em inglês que significa esguichar – mas ainda há muita confusão a respeito do tema. Não é exatamente ejaculação feminina, mas também não é urina. Talvez seja emitida pela vagina, talvez pela uretra. Na comunidade científica, não há pesquisas conclusivas sobre o tema. Os estudos que existem mostram resultados opostos, e não podem ser comparados uns com os outros, por usarem metodologias diferentes. Há mais perguntas que respostas, mas ainda assim tentamos entender o fenómeno.
É importante ressaltar que apenas uma minoria das mulheres já experienciou o squirt – e, de novo, os números variam. "Em 25 anos de clínica, menos de 10 mulheres relataram-me as suas vivências de squirt", diz Ana Carvalheira, professora no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), em Lisboa. "O squirt não vem necessariamente acompanhado do orgasmo. Não é de todo fundamental para o prazer". Na internet, é possível encontrar tutoriais que ajudam as mulheres a atingir esse estado através da masturbação. "Eu tinha mais facilidade em ter squirt sozinha do que com parceiros, mas de repente, parei, molhava muito a cama", diz uma das mulheres entrevistadas para essa reportagem. No entanto, se nunca conseguiu esguichar, tudo bem. Não há nada de errado com a sua vida sexual.
O squirt é uma das categorias mais populares em sites porno, daí ter-se tornado, nos últimos anos, alvo de tamanha curiosidade. O problema são as expectativas falsas que os vídeos geram. "Nós temos uma glândula que liberta líquido, mas não é tudo aquilo que vemos na internet", diz a sexóloga Vânia Beliz. "Não vejo nada de feminista nesta moda. Entre os meus pacientes, tanto homens quanto mulheres, há muita preocupação desnecessária influenciada pela pornografia", continua.
A atriz porno Tara Lynn Fox já chegou a declarar à edição norte-americana da revista Cosmopolitan: "O realizador esguichava água no meu corpo através de um enema e em seguida estimulava o meu clitóris para parecer verossímil". No entanto, a atriz diz que teve experiências de squirt, mas sempre longe da câmera.
Faz sentido que não seja tão fácil esguichar verdadeiramente num set de filmagens. O squirt exige relaxamento e desinibição total, o resto é consequência. Para isso, é preciso trabalhar as inibições que vêm da nossa cultura, como as preocupações femininas como demandas externas em relação ao corpo, padrões estéticos, performance e reputação. "É uma experiência que pode ser assustadora, principalmente se não existir uma relação de intimidade e respeito com o parceiro. É maravilhoso, mas é uma sensação de completa falta de controlo", relata outra das mulheres com quem conversámos.
"O desejo é multifatorial, não vale a pena atuar apenas nos fatores biológicos. A nossa cultura judaico-cristã é repressora do prazer feminino. Hoje, já não é tanto assim, mas corremos o risco de ir para o extremo oposto, e colocar uma pressão nas mulheres para terem orgasmos múltiplos todas as noites", diz Carvalheira. Portanto, por mais que seja sempre um ato feminista falar sobre o prazer feminino, é preciso ter cuidado para não cair em armadilhas que valorizam mais a performance que a autenticidade durante o sexo. "Cada mulher é única, não praticamos sexo da mesma maneira, não privilegiamos todos a mesma coisa, e o orgasmo de cada mulher é diferente. O importante é buscar o prazer sexual sem pressões e obrigações", acrescenta Beliz.
"O estudo da sexualidade humana sempre foi o estudo da sexualidade masculina. O que se fazia era tentar adaptar esses estudos [às mulheres], mas não tinha eficácia, porque a genitália feminina é muito mais complexa, até por ser interna, é escondida", explica Carvalheira. Por exemplo, o clitóris só foi realmente descoberto em 1998, pela urologista Helen O’Connoll. Antes, sabia-se que ele existia, mas sem informações suficientes. Coincidência ou não, foi nesse mesmo ano que as coisas começaram a mudar, com o sucesso estrondoso de vendas do Viagra. A partir daí, a indústria farmacêutica chegou a conclusão que investir na pesquisa de uma pílula rosa poderia gerar retorno.
No século XVII, os códigos de decência e obscenidade eram relativamente flexíveis. O romance As Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos, retrata bem a libertinagem comum entre aristocratas durante o período anterior à Revolução Francesa. "Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas", descreve Michel Foucault em História da Sexualidade. Na Era Vitoriana, "a sexualidade é cuidadosamente encerrada, muda-se para dentro de casa, a família conjugal confisca-a. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir."
No entanto, enquanto o prazer feminino era reprimido na Europa, na África era prioridade. Kunyaza é uma técnica cujo objetivo é proporcionar a ejaculação nas mulheres. Desde o século XVI que a Kunyaza é uma tradição na Ruanda – na verdade, em toda região dos Grande Lagos. "A colonização europeia reprimiu as culturas originais, e isso inclui a sexualidade. Acredita-se que muitas práticas sexuais podem ter sido escondidas durante esse processo", explica ainda Beliz. A boa notícia é que hoje há bastante material a respeito destes temas. Habeeb Akande, sexólogo e historiador anglo-nigeriano, publicou diversos livros sobre raça, prazer feminino, sexualidade no Islão e Kunyaza. O documentário Sacred Water, de 2016, explora as tradições milenares que cultivam o prazer feminino nos vilarejos ruandeses. Portanto, há caminhos para finalmente nos livrarmos das heranças malditas da Era Vitoriana.