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Cancro do ovário. Em que consiste, como afeta as mulheres portuguesas e como melhorar o acesso ao tratamento?

Assinalou-se recentemente o Dia Mundial de Luta contra o Cancro. Conversámos com a oncologista Mafalda Casa-Nova e com Cláudia Fraga, diretora do Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos, para falar desta doença.

Foto: Freepik
04 de fevereiro de 2023 Rita Silva Avelar

O cancro do ovário é o oitavo tipo de cancro mais comum na mulher, e a quinta causa de morte por cancro no sexo feminino, sendo que em Portugal calcula-se que são diagnosticados cerca de 600 novos casos por ano. Por isso, no passado dia 25 de janeiro, a MOG (Associação Movimento Oncológico Ginecológico) foi ouvida no Parlamento para explicar a vários representantes da Comissão Parlamentar de saúde o motivo pelo qual é urgente criar maior equidade no tratamento de um cancro com uma elevada taxa de mortalidade, até porque esta é a neoplasia ginecológica associada a um maior número de mortes.

Por não haver rastreio eficaz e por ser uma doença "silenciosa", que só se manifesta por sinais e sintomas em fases avançadas, na maioria dos casos o diagnóstico é feito tardiamente, começa por explicar-nos Mafalda Casa-Nova, oncologista. "No cancro do ovário, o tratamento primário mais importante é a cirurgia, que corresponde ao principal fator de prognóstico, pelo que deve ser realizada num centro de referência para tratamento desta patologia. Após a cirurgia, habitualmente é realizada quimioterapia durante cerca de 4 a 5 meses, e na última década têm vindo a ser introduzidas as terapêuticas de manutenção, que visam o aumento da sobrevivência livre de recidiva, e consequentemente da sobrevivência global", avança a médica, sobre os tratamentos requeridos. 

Mas o problema vai mais longe. "Neste momento vivemos em Portugal uma situação de iniquidade no tratamento do cancro do ovário de primeira linha. No nosso país apenas as doentes com mutação BRCA (apenas 10-15% de todas as doentes), podem fazer tratamento de manutenção em 1º linha, o que significa que mais de 85% das doentes com cancro do ovário avançado não têm possibilidade de tratamento de manutenção, ficando apenas em vigilância, ao contrário do que se passa na maioria dos países europeus", explica Mafalda Casa-Nova. "Existe a necessidade de igualar o tratamento de 1ª linha do cancro do ovário avançado nas doentes tratadas no SNS em Portugal, relativamente às doentes tratadas em contexto privado, e às doentes tratadas nos restantes países da Europa."

Mafalda Casa-Nova, oncologista.
Mafalda Casa-Nova, oncologista. Foto: D.R

Desenvolvimento e prevenção

Este cancro resulta da proliferação não controlada das células do ovário para estruturas próximas ou à distância, explica Mafalda Casas-Novas. "Os principais sintomas associados ao cancro do ovário são o aumento do volume e/ou desconforto abdominal, alterações do transito intestinal, cansaço, falta de apetite e perda de peso. O cancro do ovário afeta principalmente mulheres em menopausa, geralmente após os 50 anos, mas o risco aumenta devido a outros fatores hormonais, ambientais e genéticos (cerca de 10% dos cancros do ovário associam-se a predisposição familiar)."

O que pode, então, ajudar na prevenção? "O uso de anticoncepcionais, a multiparidade, menarca tardia e menopausa precoce podem reduzir o risco de cancro do ovário, sendo que o principal factor de risco é a predisposição genética. Quando são detetadas mutações que conferem risco aumentado de cancro do ovário, as mulheres podem optar por seguir estratégias de vigilância apertada ou pela cirurgia profilática. Além disto, tal como acontece com outras doenças oncológicas, manter um peso corporal adequado e um estilo de vida ativo é fundamental para a prevenção."

A médica avança ainda que não existe recomendação de rastreio "por este não ser eficaz, com exceção para as portadoras de mutações que conferem risco acrescido". E acrescenta ainda que "este é um cancro difícil de diagnosticar, sendo considerado silencioso. Os sintomas podem ser confundidos com os de outras patologias e apenas a realização de exames específicos pode confirmar o diagnóstico. O diagnóstico tardio e a agressividade da doença conferem mau prognóstico e maior mortalidade."

Impacto nas mulheres portuguesas

Cláudia Fraga, presidente da Associação MOG, fala à Máxima sobre o verdadeiro 
impacto que a iniquidade no acesso está a ter nas doentes portuguesas
. "No caso do cancro do ovário, o acesso a um tratamento adequado é sinónimo de mais anos de vida e com mais qualidade. Ter cancro do ovário é viver constantemente numa corrida contra o tempo e por causa desta iniquidade, estamos a perder tempo de vida, qualidade de vida e até mesmo a perder vidas!" lembra. 

Cláudia Fraga, presidente da Associação MOG.
Cláudia Fraga, presidente da Associação MOG. Foto: D.R

Que medidas poderiam ser já tomadas? "Nos processos de avaliação supra-nacionais das tecnologias de saúde, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) confere um tratamento diferenciado aos chamados medicamentos órfãos, que se destinam ao tratamento das doenças raras, como é o caso do cancro do ovário. Já o Infarmed não considera o cancro do ovário como doença rara no seu processo de avaliação farmacoterapêutica e farmacoeconómica."

Por essa mesma razão, Portugal era dos poucos países da Europa sem uma alternativa de tratamento de manutenção de primeira linha para o cancro do ovário, explica Cláudia Fraga. "Esta realidade mudou e neste momento já existe esta opção no SNS, mas apenas financiada para 15% das mulheres, as que têm cancro do ovário com mutação sBRCA ou gBRCA. Claro que esta decisão por si só é muito positiva e representa já um grande passo. Contudo, é também discriminatória, não conferindo acesso a doentes sem estas mutações, que além de representarem aproximadamente 75% dos casos de cancro do ovário são também as que apresentam maiores necessidades médicas não atendidas, devido ao pior prognóstico existente."

CAMPANHA

A associação assinala a data com o lançamento do Guia "Cancro do Ovário, Como lidar com a doença?". "Existe ainda uma grande falta de conhecimento e literacia em saúde, sobretudo na área do cancro do ovário. As mulheres que foram diagnosticadas com este tipo de cancro sentem-se muitas vezes sozinhas e a verdade é que a informação também é escassa, o que não ajuda. Há quem recorra à internet, mas isto também pode ser enganador, uma vez que quem não se tem um bom grau de conhecimento sobre a doença, estará sujeito à desinformação que circula nas páginas online. Este manual de apoio a mulheres com cancro do ovário e aos seus cuidadores, disponível no nosso website, resulta da junção da Associação MOG e outras associações precisamente com o objetivo de contribuir para aumentar a literacia."

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Saúde, Educação, Entrevista, Dia Mundial de Luta contra o Cancro, Cancro do Ovário
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