Três dias num retiro, contados na primeira pessoa
Sou agnóstica, céptica e desconfiada. Fiz um retiro e sobrevivi. Perdão: vivi. Um testemunho de como é fundamental parar, verdadeiramente, quando o mundo nos impele a compactuar com o seu ritmo exacerbado e intenso, ao mesmo tempo que a sociedade nos “pressiona” para estarmos sempre felizes.

Entrou um e-mail em janela pop-up com a palavra "retiro". Foi assim que tudo começou. Preparo-me para apagar, antes mesmo de ler (shame on me), mas o dedo indicador sobre o rato do computador ficou em suspenso por uns segundos. Abri o e-mail. Acabei por lê-lo com atenção, depois com curiosidade, até que parei na frase: "mulheres que sentem estar a viver em modo piloto automático e a precisar de uma pausa para se reconectarem". Não somos um bocadinho todas nós? Serei eu? Pensei. Incluí-me na equação sem esforço, na verdade. (Ainda) não sou mãe, não tenho responsabilidades ditas "acrescidas", tenho, afortunadamente, uma saúde estável e sinto-me bem fisicamente (neste nível até me sinto melhor que em muitas outras fases da minha vida). Além disso, estou quase sempre rodeada de pessoas positivas, de amigos a familiares, a colegas de trabalho. Mas já me senti melhor a nível mental, já me senti mais saudável psicologicamente, já vivi fases de maior equilíbrio neste campo.
Alia-se a minha curiosidade nata à minha predisposição para deixar o cepticismo de lado pelo menos por três dias, ao meu gosto pela natureza (o local recorda-me os verões da minha infância, passados em Sesimbra). Sem fixar as datas, aceito. Vou. Penso com ironia dos timings, porque me encontro a ler um ensaio do médico e cientista italiano Lamberto Maffei, que defende que é urgente "voltar a falar". Dar uso à palavra e ao raciocínio. Estava longe de imaginar que a experiência que estava prestes a viver assentaria mais sobre isso do que sobre pura introspecção.

À medida que os dias se aproximam, não leio o programa ao pormenor. Confio, descontraio, relativizo. Mesmo à última da hora, faço a malas e marco as coordenadas de GPS em direção ao destino, o Convento da Arrábida, na serra da Arrábida. Não consigo evitar sentir um pouco de ansiedade e relutância. De quê? Não sei bem. Entre as curvas da serra, vou fazendo um exercício de introspecção à medida que oiço as letras de Gaudí, bonita música do novo disco da Capicua, que soa no rádio do meu carro, à medida que aprecio o místico pôr-do-sol desta baía banhada pelo Atlântico. Quem serão as outras mulheres que se juntam neste retiro da lua nova, e o que procuram? Mas a lua não afecta só as marés? E se for necessário expor-me (claro que seria, dou-me conta, agora, que escrevo estas palavras), falar sobre mim e, pior, falar sobre mim a pessoas desconhecidas? No meu dia a dia escuto pessoas durante largos minutos e horas, faço eu as perguntas, salvo raras excepções, nunca o contrário.
Ao entrar pelas portadas deste convento, que é de facto um lugar singular, estas perguntas parecem evaporar-se em direção a algum lugar fora de mim, e a serenidade do local (que é pura natureza e tranquilidade) absorve-me de imediato. Inspiro fundo. Quando pego nas minhas malas e me junto ao grupo que me espera já estou completamente (e estranhamente) serena. É sexta-feira, penso, fica uma semana de trabalho para trás caótica. Apresentações tímidas, sorrisos ligeiramente embaraçados, descubro que vou dormir num quarto partilhado com outra pessoa. Não será embaraçoso estar em silêncio com outra pessoa, durante estes dias? Penso. Muito pelo contrário, não foi (obrigada, Ana Luisa!). Dirijo-me à sala comum onde são feitas as apresentações. Este é o meu primeiro retiro. Que faço eu aqui? Penso, pela milésima vez no dia. Nós, jornalistas, questionamo-nos muito antes de questionar os outros, para chegar às verdadeiras questões. Quais são as perguntas que me quero por a mim mesma nesta experiência? Não sei, reflito sobre isso depois. Chega o momento de falarmos um pouco sobre cada uma de nós. Surpreendo-me. Há pessoas de todas as idades, de distintas áreas profissionais, tão diferentes como enfermagem, relações internacionais, ensino, banca, fotografia, engenharia alimentar. O quê, são pessoas ditas normais, estas que se juntam a mim num retiro? Espanto-me: são. E dou conta da minha limitação (preconceito) sobre uma coisa que ainda nem começou.
À medida que estas mulheres partilham um pouco sobre si, penso no que vou dizer. Não digo nada do que penso antecipadamente, e surpreende-me que a minha própria voz soe tranquila, pausada, até algo loquaz, e com uma honestidade que me desarma. Começamos por ouvir um testemunho, Fluir com os Ciclos, sobre numerologia, área na qual sou completamente leiga, dado pela Farah Sultanali. Formada em Gestão de Empresas, e após alguns anos a trabalhar nesta área, a Farah confrontou-se com um cancro da mama que mudou a sua forma de pensar a vida. Conversamos sobre o ano de 2020, sobre os significados dos números na numerologia. Cada um colhe o que quer desta partilha, penso. E assim foi.

Vamos jantar, a comida é vegetariana todos os dias (e por sinal deliciosa). Dormi profundamente até às 7h30 do dia seguinte. Pausa para descansar o leitor: não vou detalhar a experiência ao ínfimo pormenor, até porque não seria possível explicar muitas das coisas que se vivi nestas 48 horas. Entre a meditação ativa guiada com a professora Anna Svizunova, às 8h de ambos os dias, e o ritual indígena de celebração da fertilidade que fizemos para encerrar o retiro, foram imesas as oportunidades de partilha, amizade e reflexão. Mas destaco alguns que me foram muito úteis e que me surpreenderam. Entre as atividades e workshops, fomos desafiadas pela Joana Froes, coach e mentora deste retiro, a escrever sobre um acontecimento que sucedeu há uma semana, e outro que aconteceu há um mês. Chama-se escrita expressiva, e é um conceito que parte dos estudos da psicóloga Susan David, especializada em inteligência emocional. Como assim: escrever sem deadline, sem número de caracteres, sem tema, e ainda por cima sobre mim? Partilho essa intriga, mais tarde, com as mulheres deste retiro e agora com o leitor. Eu, que escrevo todos os dias, bloqueei ao olhar para a folha em branco do meu bloco de notas. Com algum esforço, escrevi as minhas experiências, algo estranho mas revitalizante. Outra das abordagens que fizemos no retiro foi a da nutrição integrativa. A partir de doze elementos – relacionamentos, vida social, ambiente da "nossa casa", comida feita por nós, atividade física, saúde, educação, carreira, finanças, criatividade, espiritualidade e alegria – a Joana desafiou-nos a atribuir uma fatia da roda a cada um destes elementos, assim como uma percentagem que pintamos com cores distintas. Quão satisfeitas estamos nestas áreas da nossa vida? Pintámos, conversámos, questionámo-nos e partilhámos. Já disse que a partilha é uma constante neste retiro? A este ponto já nada receava. Entre outras coisas, construímos uma mandala menstrual, que a ideia é ir preenchendo conforme as fases da lua e os nossos estados de humor ao longo de todo esse ciclo, durante um mês. Recomendo ao leitor que "google" a experiência e teste, não me alongando mais aqui. Pelo meio: uma experiência de meditação guiada na noite de lua nova, com a Joana, uma oficina de dança e consciência corporal com a Gabriela Gonçalves, e um passeio pela serra onde experimentamos o silêncio total na natureza, durante longos minutos.
Toda a gente devia fazer um retiro, pelo menos uma vez na vida. Conectarmo-nos com a natureza é essencial, caminhar descalços, sentir o chão, e a energia que vem do chão. Refletir sobre o que sentimos também. Quantas vezes adiamos essa reflexão, quantas vezes camuflamos as perguntas, deixamos para "mais tarde", porque a vida tem que continuar e precisamos de agir? Como mulheres, quantas responsabilidades diárias nos consomem e quanto tempo dispomos, efetivamente, para nos dedicarmos a nós próprias? Recorrendo aos números revelados pelo estudo As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem, levado a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos no ano passado, o tempo de que as mulheres dispõem para si próprias fica reduzido a 54 minutos por dia, em média.
Sobre a parte mais metafísica da experiência, ficou-me uma reflexão em particular. Podemos ser as pessoas mais científicas e pragmáticas, mas há uma (incalculável) fatia da nossa existência que não se explica. Se pensarmos que somos um ser num universo infinito, tem que existir alguma parte que desconhecemos, e podemos permitir-nos abraçar algum tipo de espiritualidade, seja ela qual for. Segundo a roda do auto-cuidado (Self-Care Wheel criada por Olga Phoenix), que a Joana gentilmente nos forneceu, essa espiritualidade pode estar nas coisas mais simples como sentir a natureza, dançar, brincar, mergulhar no mar, parar para ver o sol nascer, meditar por cinco minutos. É um dos pensamentos que levo da experiência. Além disso e acima de tudo, a certeza de que como mulheres nunca estamos sozinhas, sejam quais forem as nossas batalhas, pessoais ou profissionais (e tantas que são), idades, inspirações e aspirações, sonhos e desafios. Que somos seres excepcionais enquanto mulheres, e que é de facto uma alegria podermos desfrutar desse estado celestial durante toda a nossa vida.

Joana Froes
Mentora dos Retiros da Lua, Joana Froes é coach certificada em Programação Neurolinguística, Life Coaching e Integrative Nutrition Health Coaching com enfoque no perfil feminino. Tem mais de 10 anos de experiência em gestão de projetos, voluntariado dirigente e ativismo no setor não lucrativo. Tem ainda experiência de 9 anos no setor lucrativo, em gestão operacional e representação institucional. Geriu, entre 2017 e 2019, o projeto Funkybio: uma loja biológica de produtos alimentares e não-alimentares e espaço de consciencialização ambiental e promoção de estilos de vida saudáveis. Os retiros da lua acontecem cerca de quatro vezes por ano, com datas anunciadas aqui. Mais informação: info@joanafroes.com.

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