Sempre que muda o ano quase toda a gente sente necessidade de operar mudanças na sua vida. Sejam os clichês básicos, como a dieta há muito adiada ou pôr as leituras em dia, seja fazer algo há muito desejado e procrastinado. Parece que a folha do calendário onde se lê «Janeiro» funciona como uma espécie de tábua rasa e que tudo pode começar de novo. Mas, para mim, o ano começa em Setembro. Associo desde pequena o início de um novo ano ao arranque do período lectivo, porque mudava de ano escolar e de repente previa novos amigos e outros conhecimentos, além de sentir após o Verão, de uma forma mais notória, o meu crescimento e o dos outros.Se durante muito tempo embarquei nos festejos empolgados da mudança de ano, nos últimos anos resolvi deixar cair a máscara do meu Grinch de réveillon, rabugento e desencantado. Deixei de comer as doze passas, há anos que me davam vómitos, e de fazer uma lista de coisas para cumprir no novo ano. Essa lista criava-me ansiedade e fazia-me sentir frustrada quando ia verificar, no final do ano, aquilo que não tinha conseguido concretizar. Tinha um ritual quase místico (eu que provavelmente sou das pessoas menos místicas do mundo) em que fazia uma lista em papel, normalmente com dez objectivos – e só a palavra «objectivos» para começar o ano já me criava um nervoso acima da média –, que guardava debaixo do colchão e no final do ano queimava num cinzeiro e fazia uma nova lista repetindo algumas das coisas que não tinha chegado a fazer. Como sabemos, a mudança de ano em Janeiro é apenas uma data no calendário definida por alguém, e que nem todas as culturas respeitam ou cumprem. Aliás, há várias formas de contabilizar o tempo, de assinalar a mudança de ano. A minha contagem, como vos disse, começa em Setembro. Não proponho a anarquia porque temos de ter um sistema de tempo que funcione, mas proponho que a título individual se arranje uma forma que faça sentido para o próprio. Um momento no ano em que a própria pessoa tem vontade de operar mudanças na sua vida, sem a obrigação de cumprir uma data no calendário. Podemos mudar de vida em Fevereiro ou em Novembro, podemos mudar a qualquer momento. Não embarquem nessa pressão do calendário. Cada pessoa deve navegar ao seu ritmo.
*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.
Anne-Sophie Tellier mudou-se para Lisboa e foi estudar design de interiores, depois especializou-se em feng shui, em Paris. Criou a SLO e propõe uma leitura psicoemocional e terapêutica das nossas casas e dos nossos espaços de vida.