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Os clubes de leitura estão de volta (agora online)

Impulsionados por figuras públicas e em formatos digitais, os clubes do livro ganham agora diferentes contornos. O que fica da sua génese? O desejo de incentivar a leitura.

Foto: Instagram de @emmawatson
01 de junho de 2021 às 07:00 Joana Moreira

Excluídas das universidades e dos espaços intelectuais, as mulheres começaram a ler em grupo, em descoberta da literatura e do conhecimento sobre o mundo. No final do século XVIII e início do século XIX inauguravam os primeiros clubes de leitura, em que as mulheres, marginalizadas nos outros espaços, se debruçavam sobre diferentes obras para posterior discussão e análise.

Até aos dias de hoje, os grupos literários assumiram vários formatos. Em 1996, Oprah Winfrey lançava o seu clube do livro naquele que viria a ser um importante ponto de viragem na indústria livreira. Alavancado no programa de televisão com o seu nome, o clube elevava obras contemporâneas ao estatuto de best-seller, com a vasta audiência do talk show a seguir à risca as recomendações da poderosa apresentadora norte-americana.

Duas décadas depois, outras celebridades seguiram-lhe as pisadas. Reese Witherspoon, Emma Watson, Florence Welch, Kaia Gerber, Emma Roberts são algumas das personalidades que criaram espaços próprios de discussão tirando partido das suas comunidades digitais. Empurrados também pela pandemia, estes grupos literários estão a surgir online, alcançando grandes audiências e dando esperança ao mercado editorial.

Foto: Instagram de @reesewitherspoon

"Olá, a todos! Bem-vindos de volta ao clube do livro, chegou essa altura do mês", diz uma sorridente Kaia Gerber, num live no Instagram, onde é seguida por mais de seis milhões de pessoas. A modelo, filha de Cindy Crawford, faz vídeos na rede social sobre os livros que está a ler. Tudo começou no confinamento, com o livro de Sally Rooney, Normal People. Gerber até convidou os atores que protagonizaram a série da HBO baseada no romance, Daisy Edgar-Jones e Paul Mescal. Entretanto, Gerber já trouxe ao formato a modelo e atriz Emily Ratajkowskii para falar sobre Joan Didion e convidou escritoras para com ela discutirem as suas próprias obras.

Mas há mais jovens figuras públicas a entrar no universo dos clubes literários. Our Shared Shelf ("a nossa estante partilhada", em português) é o círculo criado por Emma Watson. A atriz e embaixadora da Boa Vontade da UN Women propõe a partilha e discussão de obras no Instagram, através da utilização da hashtag correspondente. A atriz Emma Roberts também começou o seu clube, Bellettrist, em 2017, com a amiga Karah Preiss. Florence Welch, vocalista da banda Florence and The Machine, também criou o seu grupo literário digital, com a página Between Two Books, também no Instagram.

Foto: Instagram de @emmaroberts

Em Portugal

Por cá, há muito que os clubes de leitura existem entre bibliotecas e outros espaços culturais. Mas, tal como lá fora, também já há exemplos de novos formatos movidos pela pujança da Internet e das novas formas de comunicação. Em janeiro de 2019, Helena Magalhães criou o HM Book Gang, tirando partido das redes sociais. "Na altura já usava uma hashtag #hmbookgang e tornar essa hashtag numa página acabou por surgir naturalmente. Nesse mês ia ser publicado em Portugal um livro muito bom e acabei por abrir o clube com o desafio de o lermos em conjunto, convidando quem quisesse a juntar-se e a debatermos. Acabou por haver um passa a palavra enorme e, subitamente, esse livro tornou-se viral", conta à Máxima, por e-mail. Com mais de 27 mil seguidores no Instagram, a escritora chegou à conclusão "que as pessoas não liam porque não sabiam que livros ler, porque não estavam incentivadas para a leitura, porque não se identificavam com os livros que viam destacados nas prateleiras e nos media ou porque tinham tido experiências erradas com livros no passado e acreditavam que não gostavam de ler".

A comunidade cresceu e permitiu-lhe até criar uma livraria independente, "que vende os livros da curadoria do Book Gang e uma subscrição mensal que procura tornar a leitura uma rotina". Helena Magalhães não tem dúvidas que hoje a forma de comprar livros se está a reinventar. "A curadoria, através do marketing de influência, mudou a forma como se comunicam livros e os clubes do livro têm hoje um peso enorme na criação de best-sellers. Acredito que Portugal também caminha para isso", sugere.

Foto: Instagram de @sarahoneypie

Quando a atriz Sara Barros Leitão criou o Heróides – Clube do livro feminista, também estava longe de imaginar o impacto que este iria ter, com livros na lista das leituras anunciadas para os meses seguintes a esgotar nas livrarias. Foi o caso de Trans Iberic Love, de Raquel Freire, que será lido por uma comunidade de leitura que discutirá a obra apenas em dezembro, via Zoom. Dizia à Máxima, em março, como a comovia esta recetividade à iniciativa, financiada com o valor obtido ao vencer o Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II: "Falava com uma amiga que trabalha com livros a semana passada sobre isto e ela dizia, na brincadeira, que na área dos livros se discute muito sobre criar estratégias para criar leitores, para vender livros, para as pessoas lerem. E já se tentou muita coisa, muitas delas com muito sucesso. Mas de facto é a pergunta para 5 mil euros: como é que nós pomos as pessoas a ler? Penso que neste projeto não há grande ciência nem grande segredo."

Para a atriz e encenadora, o que distingue "Heróides" é a proposta de uma "conversa de forma horizontal sobre os livros". "O mundo deve caminhar para uma horizontalidade nas relações e não para uma verticalidade em que há alguém que sabe e alguém que não sabe, alguém que fala e alguém que ouve. Acho mesmo que o caminho é o da escuta e do diálogo. Fico muito comovida porque não estava à espera desta recetividade. Ao mesmo tempo também acho que o facto de discutirmos os livros de um ponto de vista feminista traz uma agenda que me comove porque percebo que as pessoas estão mesmo interessadas no feminismo como uma forma de pensar o mundo e isso é muito comovente também."

Foto: Instagram de @sarahoneypie

Entretanto, contava com 600 pessoas inscritas numa sessão onde apenas 500 podiam participar. "Portanto temos 600 pessoas a ler o próximo livro", concluia. "Tenho muitos livreiros que já me contactaram com livros que esgotaram, entretanto...".

Com a crise no mercado editorial a agravar-se com a pandemia, há mais uma pergunta de 5 mil euros: poderão os clubes do livro ajudar a reverter a tendência?

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