Namoro Tóxico ou Violento? Alertas essenciais para mulheres e adolescentes
Em entrevista à Máxima, Inês Teixeira Pinheiro, autora do livro "A Ilusão que Amei", fala do que aproxima todas as mulheres vítimas de violência nas relações amorosas, e sobre como é que os amigos e a família podem ajudar.
“Durante este relato, vão identificar inúmeras red flags por todo o lado, e estão enganados se pensam que não as vi.” Assim começa o relato que Inês Teixeira Pinheiro escreve em A Ilusão Que Amei, um livro sobre violência no namoro que conta a história do relacionamento entre a protagonista, Leonor, e um rapaz que ela não nomeia. Estão ambos no início da vida adulta. Não há violência física, mas o abuso psicológico é desgastante, opressivo e constante. Insultada, controlada e manipulada num minuto, alvo de grandiosas provas de amor no seguinte, Leonor sente-se perdida e magoada. Ao mesmo tempo, é combativa: responde, revolta-se, zanga-se, vira costas e, por isso, demora a ver-se como vítima. Mas o abuso persiste, escala, e ela, apesar de aguerrida, é mesmo uma vítima, e, aos poucos, muito lentamente, vai-se transformando numa sombra de si mesma.
A voz da protagonista, que é também a narradora, é uma voz jovem e inexperiente, o que dá um cariz de romance young adult a este livro. Por outro lado, os episódios de violência são tão específicos, tão credíveis, tão verdadeiros e bem relatados, que depressa se percebe que a história não é autoficção – durante a entrevista confirmaremos que é mesmo –, será baseada num caso que a autora terá seguido de muito perto.
A Ilusão Que Amei é quase um tratado sobre red flags. Um livro essencial para todas as jovens mulheres que estejam a viver os seus primeiros relacionamentos – para que aprendam não só a reconhecer os sinais, mas também a reagir rapidamente e a não arranjar desculpas para comportamentos abusivos. Para que entendam que o papel de uma namorada não é fazer-se pequena para que o seu parceiro se sinta grande, não é ser submissa para que ele não perca as estribeiras, não é gerir as suas emoções. Se há uma carência emocional, uma dor antiga, um problema de personalidade ou temperamento, o que cura isso é terapia, não uma namorada. Até porque uma vez enredadas no drama, na adrenalina, na montanha-russa emocional que define uma relação tumultuosa, o caminho que leva à libertação é longo e difícil. E o trauma fica para sempre.
Inês Teixeira Pinheiro escreveu este livro não só como alerta, mas para dar voz a todas as mulheres que viveram (e vivem) uma relação abusiva e que ainda não conseguem compreender totalmente o que lhes aconteceu ou por que razão aconteceu. É, na verdade, uma leitura relevante para qualquer mulher, porque mesmo que nunca venha a ser vítima, as estatísticas mostram que é muito provável que uma amiga ou uma irmã não tenham a mesma sorte. E se é verdade que quem está de fora tende a analisar o que se passa com um olhar mais objectivo, ao mesmo tempo, nem sempre consegue identificar, sem sombra de dúvida, o que está a acontecer, ou, mesmo que identifique, não sabe como apoiar. Este livro ajuda muito.
À medida que nos aproximamos do Natal, altura em que muitos novos relacionamentos são revelados à família e aos amigos, vale a pena estarmos todos atentos às dinâmicas dessas relações recentes. E também não faz mal nenhum oferecermos este livro amiúde.
O relato que apresenta neste livro é verídico, ficcional, ou inspirado numa histórica verídica com apontamentos de ficção? A Leonor existe?
É difícil classificar A ilusão que amei, já que ele é um livro de ficção, pelo menos é nessa categoria que está inserido, mas que, não obstante, funciona como uma autobiografia ficcional, já que foi escrito com base num período da minha vida. Nesse sentido, a Leonor foi criada à semelhança de uma Inês que existiu. Porém, já que o objetivo do livro é dar como exemplo a minha história para ajudar outras pessoas, eu gostaria que a personagem me transcendesse e que a Leonor possa ser a leitora que agora me lê, uma amiga sua, ou qualquer outra pessoa. É por esse motivo que lhes dediquei o livro.
Durante a escrita deste livro e com base nas investigações e pesquisas que deve ter feito, o que descobriu sobre violência no namoro que não soubesse?
O que eu aprendi ao longo desta jornada literária, desde a escrita até ao momento de publicação e promoção do livro, foi, sem dúvida, a capacidade da arte, neste caso da literatura, de nos curar e de nos fazer sentir compreendidas, mas também de nos conseguir alertar e sensibilizar para uma experiência por que nunca passámos.
O que mais a desconcerta sobre este tema da violência no namoro?
Há duas questões que me continuam a desconcertar. A primeira prende-se com a facilidade com que as pessoas menosprezam ou relativizam esta violência. Mesmo em conversas comigo, que me tornei, em certa medida, uma porta-voz do tema, as pessoas fazem-no, o que me deixa sempre surpreendida. A segunda tem que ver com a repetição e insistência desta violência na nossa sociedade. As leitoras que me lêem têm-me confiado as suas histórias e é estranho perceber como parece que todas vivemos a mesma exata experiência com a mesma exata pessoa.
Na sua opinião, qual o papel dos amigos e familiares da pessoa que exerce este tipo de violência? Pergunto porque no livro, no episódio em que o namorado apanha três voos e invade o apartamento da protagonista como espécie de prova de amor, a família e os amigos dele viram isso como um gesto bonito (pelo menos, é isso que ele diz), e não como a perseguição alucinada que era. Corremos todos o perigo de sermos permissivos e coniventes?
Quando gostamos e nos preocupamos com alguém, acredito que tenhamos a tendência de florear os seus atos. O amor, seja em que forma for, tem a capacidade de nos fazer ver uma versão melhorada das pessoas. No entanto, o espírito crítico pode tornar-se essencial neste contexto. Chamar a atenção de alguém de quem gostamos, ou avaliar as suas decisões com imparcialidade, embora seja difícil, pode ser suficiente para travar certas injustiças ou certos males.
A Inês, a determinada altura, parece sublinhar a importância do olhar distanciado. Falo do momento em que a protagonista ouve o namorado tratar mal um amigo, ao telefone, e fica incomodada e escandalizada, e quer defender aquela pessoa. No entanto, ela já tinha sido alvo de violência muito pior. Na sua opinião, por que é que, muitas vezes, temos tendência para aceitar e tolerar situações nas quais não gostaríamos de ver uma amiga, uma irmã ou uma mãe?
Infelizmente, por falta de amor-próprio ou autoestima, tendemos, por vezes, a colocar-nos num patamar inferior àquele que merecemos e, nesse sentido, aceitamos ser tratadas de forma injusta. Ao contrário, quando o protagonista não somos nós, possuímos um verdadeiro olhar crítico e somos as primeiras a partir em defesa dos nossos, face à injustiça que sofrem. Não é uma situação ideal, mas felizmente é resolúvel em terapia, que se revela essencial para percebermos o porquê de fazermos isto.
Sem querer fazer spoiler a quem ainda não leu o livro, há uma fase em que a protagonista é vítima de gaslighting por parte de alguém que tinha obrigação de a ajudar e que, em vez disso, contribui para a violência de que é alvo, desvalorizando e confundindo a Leonor, propositadamente, em relação ao que se passava. Na sua opinião, uma pessoa que faz uma coisa destas, não se apercebe da gravidade do que está a fazer?
De forma geral, quando alguém que poderia verdadeiramente ajudar quem sofre, ignora ou piora a sua situação, pode significar que essa pessoa não se apercebe da gravidade da situação. Como mencionei anteriormente, muitas pessoas desvalorizam em larga medida esta violência. Por outro lado, acredito que a maioria das pessoas não só a reconhece, como a valida [confirmando que a pessoa está, de facto, a ser alvo de violência], e tem vontade de ajudar quem precisa. Não temos culpa de ter ao nosso lado alguém que não nos quer bem, mas aconselharia cada pessoa a rodear-se, assim que disso se aperceba, de pessoas que a merecem e que se preocupam consigo.
Uma pessoa que passa por uma situação de violência no namoro, tem de sair pelo próprio pé? Ou seja, os amigos e a família não podem removê-la da situação contra a sua vontade. Passa-se isso com a protagonista, cujos amigos próximos vão tentando acompanhar de longe, à espera do momento certo para agir que acaba por ser, na prática, quando a protagonista pede ajuda. É mesmo assim? O primeiro passo tem de ser dado pela própria pessoa?
Exatamente. Acredito plenamente que tem de ser a pessoa vítima da violência a aperceber-se do que se está a passar e a ter vontade de sair. Não obstante, dada a dificuldade da decisão e de todo o processo associado, é essencial termos ao nosso lado pessoas que nos ajudem, seja a distraírem-nos com programas, a acolherem-nos em sua casa, se for o caso, ou a ajudarem-nos com mudanças.
Ao mesmo tempo, a Leonor sente-se abandonada e, de certa forma, amargurada, pelo facto de a mãe, que é a pessoa que tem obrigação de a conhecer melhor, não se ter apercebido que a filha estava a ser vítima de violência. Na sua opinião, o que é que a família e os amigos de alguém que esteja a ser vítima de violência no namoro podem e devem fazer? E, já agora, o que é que não devem fazer?
Por muito difícil que seja, o confronto agressivo ou a ordem de sair da relação não vão funcionar – fazem apenas com que a pessoa se isole. É uma situação tremendamente chata e complicada, e perdem-se muitas ligações neste processo, e lamento não ter ainda uma solução para o problema. Diria, nesse aspeto, que o tempo ajudará bastante.
Estamos a aproximar-nos do Natal, altura em que, tipicamente, muitos novos namorados tendem a conhecer as famílias e amigos uns dos outros. Esta quadra é, na sua opinião, uma boa altura para que as pessoas estejam atentas aos relacionamentos recentes tentando avaliar as suas dinâmicas? Como é que se soa o alarme quando algo parece não estar bem?
Em ligação com as duas respostas anteriores, é essencial que a pessoa não esteja totalmente isolada numa relação abusiva. Mesmo que um amigo ou familiar não a deva confrontar com a violência que sofre, pode ir fazendo-a questionar se a relação em que se vê a completa, se foi aquilo que idealizou, se se sente valorizada e ouvida, por exemplo. Acredito que estas pequenas pistas são essenciais para levarmos a pessoa vítima de violência a questionar a sua relação e pode dar azo a que se aperceba do que parece visível aos demais.
Na sua opinião, como é que uma jovem mulher pode defender-se de um relacionamento amoroso violento? Ao que é que deve estar atenta? Há algum momento ou atitude que seja um sinal indiscutível de que está na hora de fugir? A própria protagonista diz que, no caso dela, os sinais estavam todos lá…
A única maneira de nos defendermos de um relacionamento abusivo é não estarmos nele. Não adianta repetirmos os nossos limites, mesmo que o façamos dia após dia, porque quem recebe essa mensagem não a interiorizará, muito menos a respeitará. Ora, para não entrarmos numa relação abusiva, é necessário amor-próprio e autoestima suficientes para, perante uma pessoa abusiva, não sucumbirmos à vontade de a curar ou salvar de si própria. Quanto às atitudes que possam fazer soar em nós o alarme, elas podem ser variadíssimas, pelo que é perigoso estabelecer uma linha vermelha. Diria que qualquer limite nosso que esteja a ser desrespeitado deve ser suficiente para soar esse alerta, seja qualquer crítica ou proibição. O livro está cheio de situações que são indesculpáveis e que podem servir de exemplo.
Que mensagem é que gostaria que os leitores levassem deste livro?
Gostaria, por um lado, que ao lerem o que aconteceu à Leonor, não sintam a necessidade de experienciar uma relação abusiva para perceber os seus impactos e que criem em si as barreiras necessárias para não se submeterem a uma situação terrível, como a retratada. Por outro lado, gostaria que os leitores conseguissem empatizar com quem passa por uma situação semelhante e que nunca a façam sentir mal por isso.