'Mundos Paralelos', como se imagina a sucessora de 'A Guerra dos Tronos'
Para criar o guarda-roupa da série fantástica, já disponível na plataforma de streaming HBO Portugal, a designer Caroline McCall teve de embarcar numa viagem quase tão emocionante como as histórias dos livros de Philip Pullman.

Caroline McCall cruzou décadas, estilos e referências e desenhou um universo que tem tanto de surpreendente como de fiel às descrições do escritor Philip Pullman. A série fantástica, considerada uma possível sucessora de A Guerra dos Tronos, acompanha Lydia Belacqua (Dafne Keen), cuja coragem a faz destacar-se dos demais numa sociedade dominada por regras religiosas e almas partilhadas com animais. O elenco conta ainda com Ruth Wilson como Sra. Coulter, Lin-Manuel Miranda enquanto Lee Scoresby e James McAvoy no papel de Lord Asriel. Numa entrevista em exclusivo para a Máxima, Caroline McCall fala sobre o processo de criar o guarda-roupa desta série.
Quando se juntou à série, quais foram as indicações que recebeu?

Depois da entrevista, eu criei uma série de moodboards com a direção em que eu acreditava que devíamos ir, aquilo que a minha imaginação me dizia que era o mundo da Lyra e as razões do mesmo. Aconteceu que por acaso o Joel [Collins, diretor de arte] tinha as mesmas referências. Víamos as coisas da mesma maneira, por isso foi um início muito harmonioso. Olhávamos para este mundo de forma semelhante – tinha ligações aos meados do séc. XX e eu achei que os livros nos deram toda a orientação. Regresso sempre aos livros, às descrições de Philip Pullman sobre as personagens e ao que ele diz sobre o mundo. Estamos a tentar ser o mais fiéis possível aos livros, mas esta é uma visão conjunta de como todos os vemos. Toda a gente coloca as suas ideias em cima da mesa e esperamos que isso crie um mundo harmonioso e que faça sentido.
Como foi trabalhar com o Joel [Collins, diretor de arte]?
É impossível começar a desenhar um guarda-roupa sem saber o que o Joel está a fazer porque se ele vê as coisas de forma diferente nada fará sentido. Nós falamos sempre sobre tudo, temos reuniões constantes sobre o aspeto de cada um dos cenários, a lógica por detrás dos mesmos e assim garantirmos que tudo faz sentido em conjunto. O Joel escolheu um arquitetura muito direta para Londres, por isso fizemos o mesmo com os figurinos das multidões. Há uma paleta de pastéis suaves que faz contraste com a Sra. Coutler. Também não há preto em quase lado nenhum a não ser no Magisterium. O Joel tinha a ideia de Bolvanger ser da cor do betão, mas eu achei que deveria ser um tom menta ou então que os uniformes das pessoas deveriam ser naquele tom verde de hospital porque isso funcionaria bem com o cinzento do betão e com a neve, seria uma boa cor para aquele ambiente. É essencial estarmos sempre em sintonia.

Nem todos os figurinos são descritos nos livros. Como consegui imaginá-los sem essa referência?
É preciso encontrar uma lógica e tem de existir essa coerência no mundo da Lyra. Não é o nosso mundo, tem tecnologias e experiências diferentes. Não passou pelas mesmas guerras mundiais, a história foi numa direção diferente e não existiram os mesmos desenvolvimentos tecnológicos, não se viajou até ao espaço. Mas há outras tecnologias neste universo – viaja-se por Zeppelin e há certas coisas que só existem aqui. E depois temos as regras da igreja. Não podemos redesenhar a moda mas podemos olhar para trás, para uma época em que a igreja tinha uma enorme influência na Europa. Se pensarmos na igreja que conhecemos, estamos a falar de um mundo sem contraceção, em que as mulheres teriam um papel diferente e Philip Pullman indica isso nos livros. Mas continua a ser muito anos 50. Vestimos as personagens em peças não muito definidas e tentámos misturar alguns elementos. Usámos peças de roupa dos anos 40 e 50, mas sem uma silhueta concreta para não serem associadas a uma era particular.
Por exemplo, as mulheres cobrem os joelhos e a cabeça. Usamos diferentes linhas de decote para indicar aquela natureza muito abotoada que faz parte de governo da igreja. Em Oxford, por exemplo, quando as personagens estão em fase de ‘scholastic sanctuary’, os homens usam decotes mais confortáveis do que os dos homens de Londres, que usam peças mais chegadas ao pescoço, muito da viragem do século, é tentar misturar coisas que existem e criar um look intemporal e realista. A ideia é que os espetadores fiquem convencidos com os figurinos, esperamos, e uma parte disso vem da escolha dos tecidos, evitamos usar materiais que não existem.
Foi intimidante criar figurinos para personagens tão icónicas?
Sim, porque as pessoas que leram os livros imaginam-nas de forma diferente e vão visualizar as personagens e os seus figurinos de forma diferente. Mas há certas coisas nas quais Philip é muito claro e torna-se difícil desviar-nos muito (…). E eu estou sempre a tentar regressar aos fãs de forma a tentar encontrar uma solução que seja harmoniosa entre o que está escrito e o que criámos. Houve vários momentos ao longo do processo em que eu tentei pegar no que está no livro e interpretá-lo para que faça sentido no nosso mundo.
Tem algum figurino favorito? O que mais gostou de desenhar?
Adoro a roupa do John Faa. O Lucian [Msamati] foi o primeiro ator que fez provas enquanto os Gyptians evoluíam e passei duas horas com ele, uma pessoa cheia de alegria e com imensa energia, trabalhamos passo a passo. Foi ótimo poder estar com ele tão cedo porque percebi melhor quem os Gyptians poderiam ser e quem era a sua personagem. Gostei mesmo porque foi a primeira que fizemos. Construir toda a ideia do casaco e dos respetivos remendos nos ombros para os daemons, pensar na forma como eles interagem com os respetivos humanos e ainda trazer para aqui a harmonia dos Gyptians com os seus daemons. Eles celebram isso através da joalharia e alguns dos remendos que usamos na roupa e nas malhas celebram mesmo esta ligação aos daemons. Adoro o fato do Lin [Manuel Miranda], o Lee Scoresby’s, porque acho que ninguém conseguia à partida perceber como o Lin poderia ser esta personagem, e qual seria o seu look. Mas tinha esta ideia forte de como esperava que ele se parecesse, pegando no balão e ainda dando-lhe a vibe texana do livro. Quando o Lin experimentou os samples, ele adorou, começou a correr pelos corredores no seu casaco em pele. Ver a forma como ele vestiu a personagem e como tudo funcionou foi… Como designer de guarda-roupa, tentamos não desenhar figurinos mas criar roupa nas quais as pessoas acreditam. E acho que isso acontece mesmo com o Lin – ele é Lee Scoresby e o fato dele faz parte disso.
