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Inês Sousa Real: “O aborto não é uma questão de crença ou religião, mas sim de direitos humanos e de saúde pública!”

A Máxima perguntou aos oito líderes partidários 10 questões sobre direitos das mulheres, feminismo e igualdade. As respostas da Porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN)

Foto: Getty Images
06 de março de 2024 às 12:19 Joana Moreira

Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres? Considera-se feminista? O que pensa da existência de um Dia Internacional da Mulher? A Máxima pediu aos candidatos que concorrem às eleições legislativas deste domingo que respondessem a um questionário sobre temas como a interrupção voluntária da gravidez, a eutanásia, ou a necessidade de um Ministério para a Igualdade.

Sem cronómetro ou a pressão do tempo, Inês Sousa-Real, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Pedro Nuno Santos, Rui Rocha e Rui Tavares responderam, por escrito, às mesmas dez questões. Às portas das eleições legislativas, e em vésperas de celebrar o 8 de março, eis o que os líderes dos partidos com assento parlamentar têm a dizer — nas suas palavras.

Todos os líderes de partidos com assento parlamentar foram convidados e todos aceitaram receber as perguntas da Máxima. André Ventura, do partido Chega, e Luís Montenegro, da Aliança Democrática, decidiram não responder.

Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres?

Desde cedo que tenho consciência das desigualdades que persistem relativamente à igualdade de género. São múltiplos os fatores que contribuem para esta desigualdade, sociais, culturais, religiosos, entre outros, que continuam a empurrar as mulheres para a esfera da vida familiar e privada, sendo também as mulheres as mais afetadas pela pobreza e pelos fenómenos de violência.

As mulheres continuam a receber menos do que os homens (menos 13,1%, segundo os dados mais recentes da Eurostat) e estão sub-representadas, na política e na economia, nos cargos de decisão e poder. Que proposta tem o partido para atenuar esta desigualdade?

Apesar do caminho percorrido, o progresso nesta questão tem sido lento, o que se torna evidente quando, de acordo com o último Índice Europeu para a Igualdade de Género, Portugal ficou até bem abaixo da média europeia (na 15.ª posição), com as mulheres a ganharem 17% menos do que os homens. A pobreza continua a ter um rosto maioritariamente feminino e é por isso que o PAN define como um dos pilares da democracia económica a igualdade de género. Apesar de existirem quotas de género nas candidaturas à Assembleia da República, o ritmo lento a que tem aumentado o número de mulheres deputadas nos últimos anos fará com que só daqui a 13 anos possa haver um Parlamento paritário em termos de género. As quotas são uma medida transitória, mas necessária. E por isso defendemos que sejam estabelecidos incentivos fiscais para empresas que tenham mais de 40% de pessoas de cada sexo nos seus órgãos de administração, fiscalização ou gerência. E chegámos ainda a ver aprovado na última legislatura um projeto de lei do PAN que para além de enquadrar o assédio como infração disciplinar no desporto, cria canais de denúncia e institui quotas de género de 33,3% nos órgãos das federações e ligas desportivas, uma medida que acreditamos que pode servir de esfera de influência, através do desporto, para uma maior sensibilidade social para as questões da igualdade de género.

Em 2023 foram registados 30.323 crimes de violência doméstica, e 22 vítimas mortais (17 das quais mulheres), em Portugal. No ano passado, as autoridades receberam perto de três mil queixas relacionadas com o crime de violência no namoro. O que falta fazer?

A erradicação da violência doméstica tem de ser uma prioridade para a qual estamos todas e todos convocados. Para este efeito, é prioritário que se criem em todas as comarcas gabinetes de atendimento à vítima de violência doméstica e dar-lhes uma resposta habitacional célere e imediata, mas também de médio e longo prazo, apoiando os processos de autonomização, e permitindo que possam sempre manter os seus animais de companhia. Uma avaliação de risco é também fundamental em todos os casos, independentemente da idade, e tem de ser feita por equipas multidisciplinares, compostas por assistentes sociais e psicólogos especializados no atendimento a vítimas de violência doméstica, nas esquadras da PSP e postos da GNR, que possam ser acionadas 24/24h, 365 dias/ano. E também não nos podemos esquecer das crianças que precisam de estar protegidas por uma lei, que delimite os respetivos direitos e determine os procedimentos a adotar nestes casos, mas também que reforce os direitos das crianças e jovens órfãos em consequência de homicídio em contexto de violência doméstica por via da criação de uma pensão e de um fundo de garantia para assegurar as suas necessidades e direitos básicos de segurança, apoio psicológico, habitação, educação, entre outros. De fora não pode ficar a educação para a igualdade, em particular através das aulas de cidadania.

A interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas deve ser permitida?

A descriminalização para IGV não empurra ninguém para o aborto. É um direito humano fundamental, uma vez que não podemos esquecer-nos que até à sua legalização, a realização desta prática sem ser com recurso ao SNS condenava muitas mulheres à morte ou a danos na sua saúde sexual e reprodutiva irreparáveis. O PAN não aceita retrocessos nesta matéria, como pretendem e defendem forças políticas contrárias aos direitos humanos das mulheres. Não é uma questão de crença ou religião, mas sim de direitos humanos e de saúde pública! O PAN defende que, tal como sucedeu em França, deve haver uma protecção constitucional do direito à interrupção voluntária da gravidez. Queremos também que a Lei da IVG tenha uma implementação efetiva, com o pleno respeito pelos direitos nela consagrados, através da criação de uma resposta estruturada no âmbito da linha SNS 24, mas também da regulamentação clara do direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde.

As escolas devem permitir o acesso dos alunos a casas de banho tendo em consideração o seu direito à autodeterminação de género?

As escolas devem permitir o direito à identidade e expressão de género, educando desde cedo para a igualdade e para o respeito pela diversidade. O PAN defende a promoção de programas específicos na comunidade escolar que visem o empoderamento da população LGBTQI+ em idade escolar, para professores/as e estudantes do 1.º ano ao 12.º ano, tendo em consideração as distintas idades, fases de aceitação, compreensão e assunção da orientação sexual.

O próximo Governo deve promover a realização de um referendo à morte medicamente assistida (eutanásia)?

Não. A lei que tornou a morte medicamente assistida não-punível do ponto de vista penal teve um dos mais longos e participados debates políticos e parlamentares de sempre, com a intervenção da sociedade civil, com vetos presidenciais e até pronunciamentos do Tribunal Constitucional, tendo-se arrastado durante anos. Seria incompreensível a reabertura deste debate e menos ainda que depois da aprovação desta lei houvesse um referendo. Para o PAN, o essencial é que o próximo Governo regulamente esta lei aprovada pelo Parlamento, já que, de forma lamentável, o atual Governo a deixou por regulamentar. Não podemos esquecer-nos que estamos a falar de uma questão de direitos humanos de pessoas que estão em sofrimento e doença irreversíveis e da liberdade de escolha destas mesmas pessoas.

O Ministério para a Igualdade foi um departamento do Governo efémero, entre 1999 e 2000. Atualmente existe uma Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. Faria sentido a existência de um Ministério?

Não deveria ser necessário haver um Ministério para a Igualdade para que os governantes tornem a igualdade de género uma prioridade. Veja-se o caso da Islândia, que é um dos melhores exemplos a nível mundial e em que é a própria Primeira-ministra a tutelar esta área. Por isso mesmo, o essencial é que o Governo que sair das eleições do próximo dia 10 de Março faça da igualdade de género uma das suas grandes prioridades de atuação. Não obstante, o PAN vê com bons olhos a priorização destas matérias ao nível governativo, com a existência de um Ministério para Igualdade.

Faz sentido haver um Dia Internacional da Mulher?

Claro que sim. É uma data histórica que simboliza muitos anos de luta das Mulheres para a igualdade e alerta para os graves problemas de desigualdade que ainda persistem e em demasiados lugares do mundo. Claro que só haverá igualdade se todos os dias lutarmos por isso. Estando convocadas todas as pessoas e os homens não são excepção. Acresce, que na verdade, muitos dos objetivos da luta que Clara Zetkin anunciou em 1910 estão ainda por conquistar nas várias esferas.

Considera-se feminista?

Sim. Não consigo conceber um modelo de sociedade em que o nosso género determine o nível dos nossos direitos. O feminismo convoca-nos para a igualdade de todas as pessoas, quer no que respeita às suas liberdades individuais básicas, em particular a uma existência livre de violência e opressão, e em que possam decidir sobre o seu corpo e as suas expectativas de vida, quer quanto ao seu direito de participação e acesso a cargos de direção ou políticos.

Qual a mulher que mais admira? Porquê?

É difícil indicar apenas uma, pois há mulheres que nos têm deixado um legado verdadeiramente inspirador. Destaco duas que corporizam alguns dos valores do ideário de defesa das pessoas, animais e natureza que norteia o PAN. Mulheres como Malala Yousafzai ou Roya Azimi são exemplos que admiro e que me inspiram pelo modo corajoso com que, apesar da sua juventude, defenderam os direitos das mulheres e em especial o seu direito de acesso à educação – foram até abertas escolas secretas para garantir a continuidade dos estudos. Foi com o seu exemplo que, em 2022, perante a toma do poder pelos Talibãs no Afeganistão e a aprovação de um conjunto de medidas que vedava o acesso de meninas e mulheres à escola e à universidade conseguimos aprovar na Assembleia da República a criação de um programa de acolhimento e apoio a estudantes afegãs.

Numa outra dimensão, destaco igualmente Jane Goodall que corporiza a empatia para com os animais e consciência sobre o seu valor intrínseco e que tem também conseguido pôr na agenda global a questão do combate às alterações climáticas e dos impactos nefastos na vida das pessoas.

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