Mariana Mortágua: “A violência de género é o maior problema de segurança neste país e é agravado pela crise da habitação”
A Máxima perguntou aos oito líderes partidários 10 questões sobre direitos das mulheres, feminismo e igualdade. As respostas da coordenadora do Bloco de Esquerda (BE).

Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres? Considera-se feminista? O que pensa da existência de um Dia Internacional da Mulher? A Máxima pediu aos candidatos que concorrem às eleições legislativas deste domingo que respondessem a um questionário sobre temas como a interrupção voluntária da gravidez, a eutanásia, ou a necessidade de um Ministério para a Igualdade.
Sem cronómetro ou a pressão do tempo, Inês Sousa-Real, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Pedro Nuno Santos, Rui Rocha e Rui Tavares responderam, por escrito, às mesmas dez questões. Às portas das eleições legislativas, e em vésperas de celebrar o 8 de março, eis o que os líderes dos partidos com assento parlamentar têm a dizer — nas suas palavras.
Todos os líderes de partidos com assento parlamentar foram convidados e todos aceitaram receber as perguntas da Máxima. André Ventura, do partido Chega, e Luís Montenegro, da Aliança Democrática, decidiram não responder. Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres?
Sempre que na infância ouvi a expressão "maria rapaz" e via a liberdade dos meus amigos rapazes por oposição à repressão familiar das raparigas.
As mulheres continuam a receber menos do que os homens (menos 13,1%, segundo os dados mais recentes da Eurostat) e estão sub-representadas, na política e na economia, nos cargos de decisão e poder. Que proposta tem o partido para atenuar esta desigualdade?
Se olharmos para além do salário base, para outras formas de remuneração, como subsídios ou horas extra, essa disparidade ainda é maior. Propomos a revisão da lei da igualdade salarial entre homens e mulheres, criando sanções para as empresas que praticam essa desigualdade. E propomos uma nova resposta aos cuidados, da infância ao envelhecimento, com o Serviço Nacional de Cuidados. Creches, lares, apoio domiciliário e tantas respostas para apoiar cada pessoa ao longo da vida. Não é uma proposta para mulheres, mas num mundo em que cuidar fica tantas vezes ao cargo das mulheres é uma medida que equilibra o jogo.
Em 2023 foram registados 30.323 crimes de violência doméstica, e 22 vítimas mortais (17 das quais mulheres), em Portugal. No ano passado, as autoridades receberam perto de 3 mil queixas relacionadas com o crime de violência no namoro. O que falta fazer?
As estatísticas da violência de género envergonham o país. A primeira lei que o Bloco fez aprovar no Parlamento foi a classificação da violência doméstica como crime público. Tenho um enorme orgulho nas mulheres e homens do meu partido que se bateram por isso. Mas ainda está muito por fazer. Só em 2022 foram 30 mil participações por violência doméstica e a esmagadora maioria das vítimas são mulheres. Quando ouço candidatos da direita falar de insegurança, noto que permanentemente ocultam esta realidade. A violência de género é o maior problema de segurança neste país e é agravado pela crise da habitação. Quantas vezes uma mulher vítima de violência não é forçada a ficar com o agressor porque não consegue pagar uma casa? O Bloco de Esquerda apresenta um programa detalhado de combate à violência de género. Dou dois exemplos de medidas urgentes para travar este problema. Para garantir uma casa, alargar a disponibilidade pública de casas para vítimas de violência e garantir que, no caso de terem de abandonar a moradia familiar, as mulheres vítimas de violência doméstica e os seus filhos têm prioridade na atribuição de habitação pública a custos controlados. E, para proteger os filhos das vítimas, estender os mecanismos legais de proteção à vítima às crianças que presenciam situações de violência doméstica.
A interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas deve ser permitida?
A despenalização do aborto foi um avanço civilizacional, que colocou Portugal na modernidade. O Bloco empenhou-se muito na vitória do "sim" no referendo do aborto, em 2007. Mas nada pode ser dado como garantido. Primeiro, é preciso garantir que o SNS dá resposta em tempo útil às mulheres que queiram interromper a gravidez - o que, manifestamente, não está a acontecer hoje. Segundo, respeitar os alertas médicos e, sabendo que Portugal tem uma das leis mais restritivas entre os países europeus que permitem a interrupção voluntária da gravidez, alargar o prazo para interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas.
As escolas devem permitir o acesso dos alunos a casas de banho tendo em consideração o seu direito à autodeterminação de género?
As crianças transgénero são uma minoria muito incompreendida e discriminada, que vive num enorme sofrimento. O risco de suicídio nestas crianças e jovens é 10 vezes superior à da restante população da mesma idade. Temos de fazer tudo o que pudermos para as compreender e proteger, incluindo acompanhar a sua família nesta situação tão complexa. As escolas são essenciais nesse trabalho e é necessário dotá-las dos meios necessários, incluindo psicólogos. Uma parte do apoio passa por garantir que a criança ou o jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, tenha acesso a casas de banho e balneários que respeitem o bem-estar e a privacidade.
O próximo Governo deve promover a realização de um referendo à morte medicamente assistida (eutanásia)?
Devemos ao João Semedo o impulso decisivo para que tenha sido aprovada no Parlamento uma lei respeitadora da decisão de cada pessoa sobre o final da sua vida. Ao longo de décadas, debateu-se longamente em Portugal este caminho de tolerância e respeito no fim da vida e este direito é hoje defendido por uma ampla maioria social. No entanto, a última legislatura terminou sem que o Governo do PS tenha regulamentado a lei aprovada. A morte assistida não deve ser referendada, como nenhum direito individual. Deve sair do papel para respeitar a vontade de todas as pessoas no final da sua vida.
O Ministério para a Igualdade foi um departamento do Governo efémero, entre 1999 e 2000. Atualmente existe uma Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. Faria sentido a existência de um Ministério?
Mais do que um ministério, interessa-nos a política e a representação. No trabalho, a lei proíbe discriminações, mas elas permanecem. Uma fiscalização efetiva faria toda a diferença. No combate e prevenção da violência doméstica, quantas vezes os sinais de perigo são ignorados? Formação dos profissionais das forças de segurança e da justiça, mas também da escola e da saúde, faria toda a diferença. No que à representação diz respeito, defendemos que seja inscrito na lei o princípio que o Bloco já aplica nas eleições: as listas para a Assembleia da República devem ter paridade a 50%. Defendemos, igualmente, a adoção da regra da paridade na composição do Tribunal Constitucional.
Faz sentido haver um Dia Internacional da Mulher?
É um dia que homenageia as mulheres e a sua luta por direitos. E que é também um dia de luta, porque a igualdade está ainda tão distante. Enquanto a pobreza for sobretudo feminina, enquanto um quarto das jovens continuar a sofrer de pobreza menstrual, enquanto uma mulher tiver razões para ter medo quando anda sozinha na rua, ou medo dentro da própria casa, enquanto o trabalho das mulheres, o seu conhecimento, conquistas e sonhos forem menorizados, este continuará a ser um dia que deve ser assinalado. Seria até de ponderar que fosse feriado. Não é um momento fútil. É a reivindicação da dignidade das mulheres.
Considera-se feminista?
Claro que sim! Felizmente, partilho com tantas outras pessoas esta ideia radical de que a igualdade é uma condição da democracia. Feminismo é isso mesmo: igualdade de direitos.
Qual a mulher que mais admira? Porquê?
A minha mãe. E se muita gente diz isto é porque é verdade: quase sempre as nossas mães são o exemplo do esforço e dedicação de duplas e triplas jornadas de trabalho. Gostava que as filhas da minha geração fossem admiradas por outras razões.
