Três mulheres, três histórias de paixões fulminantes
Três mulheres contaram-nos como viveram-nas e também como tudo mudou nos seus destinos. São narrativas singulares, mas inspiradoras. Exemplos que nos dizem que nos insondáveis caminhos da vida nada é impossível, pois o amor pode estar mesmo ao virar de uma página. E quando menos se espera.

Ela viu-o primeiro. Tinha os olhos habituados à penumbra densa da prisão. Mas era impossível não reparar naquele homem alto, de cabelo ondulado e impecavelmente vestido de linho cru que, num passo elástico, cruzou o corredor à sua frente. Com ela, na mesma cela escura e suja, estavam mais 12 mulheres. Sujas, esfomeadas e aterrorizadas. Eunice fora ali parar cinco dias antes e continuava com a mesma roupa com que tinha sido presa na Beira, em Moçambique, em plena guerra civil, quando estava no jardim de sua casa, onde se encontrava a construir um pequeno contentor para o cão, que tencionava levar consigo para Portugal. O marido tinha ido à frente com a filha e com os sogros. "Tu safas-te sempre melhor do que eu", disse-lhe este, "justificando" o tê-la deixado para trás. Mas os "vigilantes do bairro" detetaram nisso um crime contra a Nação. Eunice, de 26 anos, mal teve tempo de apanhar uma bolsa com documentos e uma garrafa de água, até dar por si numa penitenciária, onde quase nenhuma explicação lhe foi dada. Do cão, nunca mais soube… Agora, tudo quanto sabia é que iria ser deportada para um campo de trabalho, no Niassa, a fim de fazer uma "reeducação". Da embaixada portuguesa, nem uma visita. Absorta, seguiu com os olhos o homem imaculadamente limpo, imagem de um mundo doravante inatingível. Pouco depois, ele fez o caminho inverso e parou diante das grades. Chamou-a. Quis saber quem era ela e o que estava ali a fazer. Era adido cultural de uma embaixada europeia e fora ali resolver o problema de uma conterrânea. Apesar da roupa suja, do cabelo preso de qualquer maneira e do rosto esquálido, ela tinha-lhe chamado a atenção e ele prometeu fazer o que pudesse para a tirar dali. Menos de 48 horas depois, Eunice estava num dos melhores hotéis da cidade a tomar um longo banho de imersão e a vestir roupa nova e lavada, cortesia de um país do sul da muito velha Europa, cujo nome é, ainda, preferível não revelar. Inevitavelmente, acabaram nos braços um do outro. A atração era fortíssima e a paixão foi fulminante. Durante quase três semanas amaram-se desesperadamente. "Sentíamo-nos tão ligados que adivinhávamos os pensamentos um do outro. Não havia nome para a nossa relação, mas ele levou-me a todo o lado, a jantar em público e à sua própria embaixada. Só mais tarde percebi a coragem que isso implicou porque ele cruzou fronteiras que um diplomata não deve cruzar. Éramos ambos casados, mas não um com o outro. Ele e a mulher viviam separados, há vários anos. Os tempos, porém, eram tão loucos… tão incertos… que tudo parecia normal."
Cláudia conheceu Ahmed, há dez anos, em Berlim, durante uma manifestação. Estavam um ao lado do outro. Ela loura, alta e forte, e ele moreno, corpo seco, rastas no cabelo. Deram-se as mãos. Abraçaram-se. Saíram dali e foram petiscar num restaurante turco. Ela sem fome, ele esfaimado. Falava um Inglês excelente. Era de Esmirna, na Turquia: "Anos antes, eu teria fugido daquele homem a sete pés. Mas, na altura, com 39 anos, senti que não devia nada a ninguém e que oito anos de solidão afetiva, depois de um divórcio muito violento, me davam o direito de viver um romance, mesmo que fugaz." Os seis dias em Berlim transformaram-se em quase três semanas. Era professora e não conseguiu adiar por mais tempo o regresso a Portugal. Mas, a partir de então, nenhum deles desistiu do outro. "Ele é músico, baterista e DJ. Andava a fazer espetáculos pela Europa. Tem menos dez anos do que eu. Começámos a encontrar-nos quando podíamos e onde podia ser. Eu não ganho nenhuma fortuna e ele não nadava em dinheiro. Viajámos em low-cost e chegámos a dormir em sofás, em casa de estranhos." A distância, em vez de amenizar a paixão, acabou por transformá-la em amor. "Senti-me abençoada e pronta para enfrentar tudo com ele a meu lado."

Lucília, de 58 anos, tinha "arrumado o amor numa prateleirazinha do coração", como confessou. Estivera quase para casar por duas vezes. Uma aos 22 anos ("Felizmente tivemos uma zanga medonha, a uma semana do casamento, e eu percebi o que me esperava") e outra, aos 37, com um colega de profissão. Entretanto, um acidente de automóvel, no qual ela viajava no "lugar do morto", pôs fim a este e outros sonhos. Ele não aceitou o complicadíssimo processo de reabilitação que ela iniciou, o corpo lacerado e as marcas. "Foi muito duro, mas abriu-me muitas outras portas e hoje é com gratidão que aceito tudo o que se passou." Enfermeira com pós-graduação em instrumentista, passou a depender, durante cerca de três anos, de cuidados intensos e continuados em fisioterapia e resolveu adicionar essa ferramenta ao seu curriculum, até para se tornar parte ativa no processo da sua recuperação. Assim, com uma lesão permanente numa das pernas e um problema de coluna grave, mas controlado, Lucília aprofundou conhecimentos em várias áreas afins e, em menos de cinco anos, já estava a trabalhar nessa área. Do bloco operatório, ela passou para uma unidade de reabilitação e de fisioterapia. Entretanto, Lucília foi a Espanha aprofundar técnicas de Reiki (que alguns hospitais integram) e aromaterapia. O amor romântico tinha desaparecido da sua vida, mas ela sentia-se, cada vez mais, "cheia de amor". Pessoas que não sabiam o seu nome iam procurar "aquela senhora enfermeira que tem sempre um sorriso nos olhos". Um dia, apareceu-lhe um rapaz de 21 anos, "todo partido" devido a um desastre de mota e sem vontade de viver. Tinha perdido a locomoção e uma das pernas teve de ser amputada, abaixo do joelho. Dedicou-se-lhe de alma e coração. O pai, que o acompanhava sempre, já se ria só de a ver. "A minha alegria é contagiante", diz Lucília. "Digo tudo o que me vem à cabeça… Disparates, tolices, brincadeiras… Falo de mim, sem pudor. Conto histórias. Invento histórias. E puxo por eles até ao limite." Com Reiki e aromaterapia, em sessões complementadas em privado, os resultados são normalmente acima da média e "o mais bonito de tudo é acordar, em pessoas desesperadas, a vontade e a alegria de viver". Um dia, o pai do rapaz pediu uma consulta só para ele. Deitado na marquesa, teve uma inexplicável crise de choro. "O corpo do homem era uma ferida. Úlcera de estômago e as costas numa miséria. Mas as piores [dores] eram as da alma. Não tinha vida afetiva, há anos. O casamento dele era uma fachada. Um vazio brutal." A amizade entre ambos cresceu numa teia de cumplicidades e em pequenos gestos de carinho. O filho, entretanto, autonomizou-se, encontrou uma namorada e voltou à universidade, tornando-se o bom aluno que nunca tinha sido: "Um dia, o Abílio pegou-me nas duas mãos, virou as palmas para cima e cobriu-as de beijos. Assim, do nada. Disse-me que eu o tinha feito sentir-se homem outra vez. Disse-me que me desejava." Ela "caiu das nuvens". Pela primeira vez na vida ficou sem palavras, sem reação. Depois, pegou na mão dele e colocou-a sobre a perna tolhida que escondia sob as calças largas ou as saias compridas. Depois apontou para a sua própria cara, onde as rugas já começaram a abrir caminho. E murmurou: "Já olhaste bem para mim?" Ele disse-lhe que nunca olhara para uma mulher com uns olhos tão brilhantes e tão felizes. Que nunca se sentira tão acarinhado e tão alegre como desde que a conhecera: "E foi assim que tudo começou. Já lá vão dez anos e é tão bom, tão perfeito, tão pleno, que eu não tenho palavras para descrever. Conhecemos os limites dos nossos corpos. Aceitamos as nossas idades. Temos um sentido de humor muito semelhante. Rimo-nos de nós mesmos. É quase infantil. Mas também existe uma sensibilidade que desperta ao menor toque. Se me contassem, eu não acreditaria. É uma bênção da vida e aceitamo-la exatamente como ela é. Sem exigências. Com gratidão e alegria. Já não passamos um sem o outro e isso nem implicou mudanças drásticas. Ele vive sozinho, numa casa de férias, perto da praia. Eu vivo sozinha, num andar, esquerdo e direito, onde de um lado tenho a clínica e do outro lado a minha casa, a dois quilómetros dele. Ele é casado e nunca se irá separar, nem eu quero que o faça. A mulher dele vive na casa de família, em Lisboa. O que nós temos não passa por aí."
Eunice também não casou com o seu diplomata. Durante anos, encontraram-se nas mais diversas geografias. De Moçambique ele partiu para Roma, mas continuaram a encontrar-se. Sempre como se fosse a última vez? "Sempre como se fosse a primeira…" Nunca se arrependeu de ter vivido aquele amor que lhe deu asas e que, num momento tão duro, lhe devolveu a liberdade e a razão de viver. Depois, o silêncio definitivo. Os 30 anos de diferença e a vida pessoal de cada um deles cobraram o seu preço. Quanto a Cláudia, sabemos que está casada com o seu inesperado amante de quem nunca mais se separou. Juntos abriram um restaurante em Londres e transformaram-no num lugar de referência. Recentemente trespassaram-no e foram viver para o Norte de Portugal, onde ela tem raízes e onde pensam pôr de pé um projeto de turismo rural numa casa de família, entre serras, bosques e rio. "Abençoada a hora em que me deixei levar naquela ‘onda de paixão’", comenta, a rir. Nenhuma delas se arrependeu, por um momento que fosse, de tal vertigem. Pelo contrário, sentem-se privilegiadas pelo que viveram e, em dois dos casos, continuam a viver. Fica a nossa pergunta: se fosse consigo, como seria? Será que já viveu alguma história assim? Desejamos, de todo o coração, que a resposta seja ‘Sim!’…

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