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Amores de verão

Intensos, avassaladores e inexplicáveis – como o princípio da vida, quando ainda nada nos aconteceu. Tropeçamos neles sem querer. Juramos ser-lhes fiéis. No final, juntam-se todos numa caixinha de poemas com o mesmo nome: “E não foram felizes para sempre.”

Foto: Grease 1978 Paramount Pictures
14 de setembro de 2018 às 07:00 Maria Wallis

A culpa pode muito bem ser de Jim Jacobs e de Warren Casey, os autores da canção Summer Nights, popularizada por John Travolta e por Olivia Newton-John na adaptação cinematográfica do musical Grease. Afinal de contas, foi depois da estreia do filme, em meados 1978, que o mundo passou a repetir, em loop, o refrão  da música que relatava um "amor de verão" entre uma rapariga e um rapaz. A última estrofe era particularmente elucidativa: "It turned colder  that’s where it ends/ So I told her we’d still be friends/ Then we made our true love vow/ Wonder what she’s doing now/ Summer dreams ripped at the seams, but, oh, those summer nights/ Tell me more, tell me more." Antes desta miniópera pop, homens e mulheres já se escapavam para aventuras emocionais de curta duração, claro. No entanto, é inegável o empurrão dado pelo glamour das personagens Sandy e Danny naquele filme. Depois de ver as calças de pele hiperjustas de Newton-John, qualquer membro do sexo feminino queria correr o risco de conhecer um bad boy com a "pinta" (o corpo e o cabelo) de Travolta. No passado glorioso de Hollywood, o grande ecrã tinha-se servido de pares casualmente românticos, como Audrey Hepburn e Gregory Peck, em Férias em Roma (1953), ou Richard Beymer e Natalie Wood, em Amor sem Barreiras (1961). Foi preciso esperar algum tempo até que o Cinema voltasse a falar de "amores de verão" de forma arrepiante. E, quando o fez, transformou todos os sonhos de Shakespeare em realidade. Antes do Amanhecer (1995), o filme de Richard Linklater, com Julie Delpy (Celine) e Ethan Hawke (Jesse), que se tornou uma espécie de porta-estandarte do cinema romântico inteligente, era à partida uma daquelas histórias banais de rapaz-encontra-rapariga-no-comboio-e-separam-se-ao-final-da-noite. Contudo, tanto o argumento como as interpretações, ambos brilhantes, elevaram a obra à categoria de poema maior. Da sala escura para a realidade é apenas uma questão de perspetiva. Há uma história por contar dentro do coração e da memória de cada espectador. 

Encontros divinos. "Foi num retiro religioso que eu encontrei o meu único ‘amor de verão’. E a coisa correu tão mal ou tão bem que nunca mais me voltei a apaixonar nos meses quentes. Quem me conhece sabe que eu levo mais de duas horas a sorrir para alguém numa festa. Portanto, apaixonar-me numa semana, num retiro religioso, é obra. Levando muito a sério a ideia de amar o próximo, cheguei a Portugal e acabei com o meu namorado, com quem mantinha uma relação há três anos." Amélia tem 28 anos. É jornalista e partilha o seu testemunho com um misto de vergonha e de alívio  como se fosse uma coisa da qual não fala habitualmente e que ficou guardada no livro de recordações. Continua: "A coisa estava pegada com o outro rapaz e toca de desaparecer durante duas semanas para o Alentejo. Tudo corria muito bem, mas o facto de ele ser mais novo do que eu era uma comichão estranha na planta do pé. Tudo se confirmou quando, na hora de oficializar a coisa na horizontal, ele me confessa que nunca o tinha feito antes. A comichão na planta do pé passou para o corpo todo, mas ainda assim decidi armar-me em professora. Nada a fazer. A coisa durou uns míseros segundos e foi claro que o ‘amor de verão’, que não durou o mês de agosto, ficaria por ali. O amor não teve por onde florir, mas a amizade manteve-se. Comprometidos e solteiros, fomos falando e bebendo café, ocasionalmente, ao longo dos anos até que ficámos feridos de amor ao mesmo tempo." Porque o ser humano é, basicamente, um ser de hábitos, e a teimosia pode ser um hábito também, voltaram à casa de partida  quebraram a primeira regra do "amor de verão". "Uma noite com uns copos a mais levou-nos a questionar porque não tínhamos tentado ultrapassar aquela noite desastrosa (o ser humano tende a esquecer com facilidade). Entre copos e cigarros, lá acabámos na cama, outra vez. Não vale a pena entrar em pormenores, mas dez anos de prática valeram o mesmo que nada. Recordamos com carinho aquela semana de retiro onde fomos pouco recatados, continuamos a ir beber cafés e a ser amigos, e nunca mais nenhum de nós tocou no assunto." 

Querido diário… A conversa com Amélia faz-me pensar no meu cadastro amoroso. Eu tive alguns namorados. Ok, tive vários namorados. Nunca fui de "casos"  detesto a palavra, a primeira coisa que me vem à cabeça são os "cold cases", os casos de polícia que ficam eternamente por resolver e, se não me engano, entre um homem e uma mulher é mais ou menos a mesma coisa. Posto isto, nunca tive um "amor de verão". O mais perto que estive disso foi: a) aos 12 anos, quando eu e a minha melhor amiga ficámos fascinadas com um rapaz, quatro anos mais velho, que nos ensinava uns truques nos patins em linha. Era louro, de olhos verdes, tinha uma figuraça e, ao contrário dos outros membros do sexo masculino com quem nos dávamos, era muito simpático connosco. Nós éramos demasiado novas e inocentes para perceber que ele estava apenas a ser cordial. Teria sido uma altura perfeita para algum adulto nos explicar o conceito "He’s just not that into you"; b) aos 27 anos, depois de vários verões a frequentar a mesma praia que o Miguel, um empresário que parecia saído de uma campanha da Calvin Klein e que, ainda por cima, era do Sporting. Mas que também era um "atrasado mental" e isso, obviamente, não estava escrito no belo tronco dele. Eu posso não ter tido "amores de verão", mas sou uma enciclopédia em "amores de inverno". Já atravessei oceanos, mais do que uma vez, à procura das "borboletas" que saíram a voar da minha barriga, numa noite de passagem de ano, e dos pelinhos eriçados nos braços que eu insistia em manter porque se não fosse assim não valia a pena. Quase todos estes "filmes" acabaram em relações enormes, gigantes e felizes (a eternidade é uma coisa muito relativa) que ocupam demasiado espaço e, por isso, nunca poderiam ser de verão e só poderiam ser de inverno. São sentimentos que pedem mantas, cafés, centenas de cigarros e que se constroem aos poucos em salas de espera de aeroportos. É uma maneira de estar, disse-me uma vez a minha terapeuta. Ou, então, é o destino. Traiçoeiro, respondi-lhe eu.

Amor a qualquer hora. E hoje em dia, como é? As gerações mais novas ainda têm "amores de verão"? Ainda perdem tempo a trocar recadinhos envergonhados e a ouvir músicas que lembram o pôr do sol? Pergunto a um grupo de amigos, consideravelmente mais novos, como é que se processam, agora, as paixões que, diz o povo, se enterram na areia. A resposta é transversal: "Os ‘amores de verão’, agora, podem ser o ano inteiro." O coup de foudre que se guardava para a estação quente (e que, muitas vezes, nem obrigava a envolvimento físico e lembro-me de a minha avó me contar que esperava pelo baile de verão para dançar com o meu avô e era só mesmo isso, dançar…) foi reciclado e transformou-se no amor de fim de semana, das quintas-feiras, das matinés, dos finais de tarde na esplanada. Há um sem-fim de amores improváveis e incompreensíveis que só um entendido pode perceber. O entendido não é, claramente, a autora deste texto. Provavelmente nem será a leitora. Somos meros espectadores deste admirável mundo novo. O sexting ainda nos faz alguma confusão. "É claro que eu já tive ‘amores de verão’. Mas eu tenho aquilo a que chamo de ‘amores de todas as horas’. Estou-me sempre a apaixonar", atira-me um ex-colega de trabalho. "Quer dizer, no verão estamos sempre mais dispostos a tudo, não estamos?" Estamos. A Ciência sugere, mas não confirma, que as temperaturas altas provocam um aumento da libido. Há um neurotransmissor, a serotonina, que diminui com o stress e com o cansaço. Com a expectativa de férias e de descanso, ele aumenta, bem como a sensação de bem-estar. Tal como explicava a sexóloga Sílvia Roque à revista Notícias Magazine, de julho passado, não há estudos científicos, nem dados exatos que façam a ligação entre calor e aumento da atividade sexual. Contudo, há uma série de combinações que potenciam ou diminuem essa vontade. Corpos expostos, dias longos, mais tempo livre, praia, bebidas… O cocktail é explosivo. "No desejo sexual, nem a idade, nem o sexo, têm muita interferência, mas sim a envolvência e o bem-estar físico e psicológico", sublinhava a médica. 

Finais felizes. A Marta e o João sempre me pareceram uma dupla imbatível. Ela é uma força da Natureza. Extrovertida, bem-disposta e cheia de energia. Ele é um pacificador. Tranquilo, divertido e pensador. Dançam uma canção invisível que só eles conseguem ouvir. Eu sabia que eles estavam juntos há muito tempo, mas nunca me tinha questionado como é que se tinham conhecido. Foi este artigo que me ajudou a desvendar o mistério. "Conhecemo-nos na Turquia. Os nossos pais alugaram um barco com uns amigos e éramos, basicamente, nós e a tripulação... Acabámos por passar imenso tempo juntos, a conversar e foi até hoje... Doze anos depois [risos]." E quem é que deu o primeiro passo? "Foi o João. Parámos numa ilha grega chamada Simi, fomos passear e foi lá que aconteceu o primeiro beijo." Imagino que depois de terem regressado da Turquia que as coisas tenham mudado um pouco, pergunto a Marta. Quando é que percebeu que era mais do que um "amor de verão"?  "Percebi quando voltámos e quando ele praticamente se mudou para minha casa. Foi tudo assim super-rápido!" Marta é uma pessoa positiva, sonhadora. Vê quase sempre o lado bom das coisas. Ainda assim… Alguma vez pensou que isto lhe pudesse acontecer? "Eu não achava, de todo, mas agora acredito que há sempre uma metade para cada laranja e é mesmo quando menos esperamos que as coisas acontecem." E acontecem. Eu, que sou toda de amores de inverno, acredito que ocorrem. Sempre que entro na carruagem de um comboio penso que me chamo Celine e deixo que os deuses tomem conta da minha viagem. Que seja eterno, enquanto dure.

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