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“Uma mulher tão livre como só as mulheres muito ricas e influentes podiam ser naqueles tempos”

A escritora Carmen Posadas mergulhou na corte espanhola do século XVIII para contar a história de uma distinta Duquesa de Alba que adotou uma filha mulata. Pelo meio a autora apaixonou-se por Goya e descobriu um capítulo da história da escravatura. A Filha de Caeytana é o seu novo livro.

24 de agosto de 2018 às 07:00 Carolina Carvalho

Antes da Duquesa de Alba, cuja excentricidade podíamos acompanhar na revista Hola até 2014 (ano em que faleceu), já uma antepassada sua dava que falar na alta sociedade espanhola. Maria del Pilar Teresa Cayetana de Silva Àlvarez de Toledo (1762 – 1802) foi a 13ª Duquesa de Alba e uma figura destacada na corte do rei Carlos IV. É também a personagem principal do novo livro de Carmen Posadas, A Filha de Caeytana (A Casa das Letras), que chegou às livrarias em julho e conta a história da vida da duquesa com especial destaque para o facto de ter adotado uma menina mulata, filha de uma escrava cubana a quem a bebé foi retirada à nascença, como sua filha e herdeira. O enredo segue a vida das duas mães da criança - a biológica e a adotiva - mostrando dois cenários bem contrastantes da sociedade espanhola da segunda metade do século XVIII, a alta sociedade e a escravatura.

O ponto de partida para este romance histórico foi um quadro do pintor Goya, de quem a duquesa era musa e amiga. A história desenrola-se depois ao longo de 572 páginas pela mão de Carmen Posadas, escritora uruguaia a viver em Espanha e autora traduzida em 23 línguas. À Máxima revelou alguns dos segredos por detrás da criação deste romance que até conquistou o atual Duque de Alba.

Como se deparou com esta história?

Uma amiga minha é a atual proprietária do retrato de Maria de la Luz a brincar com uma idosa, por Goya. Mas sempre pensei que fosse uma cena inventada e não verdadeira. Um dia outra pessoa minha amiga disse-me que a Duquesa de Alba não podia ter filhos e tinha adotado uma menina mulata. Depois disse para mim própria: esta história incrível esteve a olhar de frente para ti todo este tempo e não conseguias vê-la, Carmen tonta!

Fale-nos um pouco da investigação que fez para este livro tão denso e documental…

Sim, foi um trabalho muito árduo, porque eu quero que os meus romances sejam muito precisos em todos os factos históricos. Telefonei ao atual Duque de Alba, que é um velho amigo. Ele não ficou muito satisfeito ao início. A duquesa, que eu queria retratar no meu livro, morreu sem filhos e dispersou a herança por vários legalitários (um deles Maria de la Luz). Demorou muitos anos para a Casa de Alba comprar de volta alguns dos quadros e obras de arte. No entanto, quando o livro foi publicado eu enviei-o ao Duque e, felizmente, ele adorou-o. Fiquei aliviada!

Durante a investigação descobriu alguma coisa que a tivesse surpreendido particularmente (e quem sabe leve a outro livro)?

O que mais me surpreendeu foi o facto de a história da escravatura em Espanha ser totalmente desconhecida. Obviamente, todos sabemos que havia escravos nas colónias. Mas em Espanha no século XVIII 10% da população das cidades como Sevilha eram pessoas de cor. É uma história ainda por contar. Talvez um dia eu o faça.

A estrela do seu livro é a Duquesa de Alba. Explique-nos porque é que esta mulher é tão especial?

Ela era muito contraditória. Não era bonita, mas era fascinante. Ela era caprichosa, mas ao mesmo tempo, tinha um coração muito bom e solidário. Ela era frívola, mas generosa. Ela também era uma mulher tão livre como só as mulheres muito ricas e influentes podiam ser naqueles tempos.

A Carmen é uma uruguaia a viver em Espanha. Qual é o impacto ou a opinião que esta história tem no país?

Ficaram muito surpresos com esta história muito desconhecida. Teve críticas fantásticas aqui (Espanha) e na América do Sul vendeu muito bem e agora estão a fazer um filme baseado na história. Estou muito grata à Maria de la Luz!

Qual a personagem que a mais fascinou enquanto escrevia esta história?

Há muitas. Mas fiquei muito atraída por Goya. Ele sempre foi o meu pintor preferido, mas agora acho-o um ser humano fascinante. Também gosto do marido da duquesa. Um grande homem, muito atraente, uma pessoa sente que se podia apaixonar por alguém como ele!

É verdade que o pintor Goya retratou a Duquesa com a sua filha adotiva? Como era a relação dela com o pintor?

Sim. Dois retratos de Goya, na verdade. Um é a pintura que mencionei na questão número um. O outro é o desenho da duquesa e Maria de la Luz. É incrível que sendo pintada por tal mestre, a menina esteja esquecida há tanto tempo. O Goya estava apaixonado pela Cayetana. Ela gostava muito dele, passou muito tempo com ele, mas como que brincava com o pobre homem…

O que é que se sabe da vida adulta de Maria de la Luz?

Isso é um grande mistério. Não encontrei um rasto de Maria de la Luz assim que ela herdou, depois da morte de Cayetana. Recentemente recebi uma carta de um historiador cubano que me disse que está a encontrar o rasto dela em Cuba, porque, provavelmente, ela foi para lá quando cresceu.

Além da Duquesa de Alba, o seu livro também segue a vida da mãe biológica de Maria de la Luz. Podemos dizer que traça um retrato da escravatura em Espanha?

Essa foi a aparte mais difícil de escrever. Não só porque a vida de uma escrava cubana de 18 anos em Espanha está sujeita a ser muito difícil. Também porque, como disse antes, não há quase informação sobre escravos em Espanha. Mesmo que ela seja uma personagem ficcional (ninguém sabe quem foi a mãe de Maria de la Luz). Todas as aventuras e adversidades por que ela passou aconteceram a outras raparigas nas mesmas circunstâncias.

O casamento do príncipe Harry com Meghan Markle deu muito que pensar e falar no que toca à questão das raças na realeza e na aristocracia europeias. Acha que as mentalidades mudaram mesmo?

Até um certo ponto toda a gente adora a história da Cinderela e ainda mais com uma reviravolta étnica. Mas, obviamente, que ainda há muito preconceito em todo o lado.

A Carmen é uma escritora reconhecida e com uma obra vasta. Em que é que este livro é diferente na sua carreira?

Eu tento escrever sempre livros diferentes. É como se eu estivesse a contar a mim própria uma nova história. É parte da diversão!

A autora do livro A Filha de Cayetana, Carmen Posadas.
Foto: Carolina Roca
1 de 3 / A autora do livro A Filha de Cayetana, Carmen Posadas.
A Filha de Cayetana, de Carmen Posadas. Editora: Casa das Letras.
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Cayetana e a filha, de Goya.
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