Histórias de Amor Moderno: “Sair com o Frederico era como entrar numa aventura hollywoodesca”
“Respondeu-me que ninguém pode obrigar outra pessoa a ficar com alguém, nem sequer exigir-lhe respostas ou explicações.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Era véspera de Natal, pelas sete da tarde, e eu estava sozinha em casa. Recebi uma notificação de mensagem. "Boa tarde, Clara. Apesar de tudo o que correu menos bem entre nós, gostava de te desejar um Bom Natal." Eu nem queria acreditar no que estava a ler. Quando o telefone vibrou, achei que deveria tratar-se de alguém próximo. Não que me restem muitas pessoas próximas, mas talvez um dos filhos, sei lá. Ou alguém que pudesse ter-se lembrado de mim naquela data especial. Mas não, era o Frederico. Rematava com "beijinhos", encerrando o assunto com o grau máximo do desplante.
O que é que levará alguém como o Frederico a enviar uma mensagem destas? Conhecendo-o um pouco, diria que se tratou de uma tentativa de aligeirar a consciência naturalmente pesada. Mas suspeito que a consciência lhe pesava de uma maneira retorcida, resultando o peso não da culpa, mas antes do medo que ele tinha de que eu o achasse um perfeito patife. Não me passa pela cabeça que a sua consciência fosse capaz de contemplar a hipótese de ele ser má pessoa. Para ele, se alguma coisa correu mal - e alguma coisa correu mal, embora eu nunca tivesse percebido o quê -, terá sido ou responsabilidade minha ou por culpa das circunstâncias. Não dele, nunca dele. A mensagem que me enviou tinha como propósito aliviar a imagem que me deixara quando, sem explicação, sem aviso e sem coragem, me abandonou de novo à solidão, depois de me ter criado ilusões, esperanças e até um vislumbre fugaz de amor.

Esse final abrupto não me destruiu. Tão pouco me fragilizou o regresso à solidão. Sozinha é praticamente o meu estado natural. Desde os 18 anos que tomo conta de mim. A vida apartou-me cedo da família e a morte levou-me o pai quase de surpresa, sem tempo para despedidas nem habituação à ideia de o perder. Construí-me sozinha desde então. Lutei por mim, fiz o meu percurso, a minha carreira, a minha família. Mais tarde, o tempo, o dinheiro e o mundo desfizeram praticamente tudo o que construíra, da empresa ao casamento. Restaram-me, de tudo o que fiz, dois filhos adultos, cada um com a sua família e a sua vida. Tive de recomeçar. Fui para fora e, sozinha, recuperei a força, a energia e o ânimo para começar de novo. A nível profissional, tive a sorte de não demorar muito até recuperar. Mas tudo o resto é mais difícil de reerguer quando já se tem 50 anos e um passado com vários capítulos.
No regresso a Portugal, tentei rever amigos e amigas, retornar aos círculos que outrora frequentara. Cedo me apercebi de que é relativamente fácil marcar encontro para um café, um chá, um copo, quiçá um jantar com pessos que não vemos há muito. Contudo, é difícil passar desses encontros pontuais, diria mesmo excecionais, com pessoas de cujos grupos deixámos de fazer parte. Passamos a ser um velho conhecido, como um antigo colega de escola que gostam de rever, mas de um modo tão ocasional quanto, de preferência, acidental. Ninguém pega no telefone para convidar para ir lá a casa passar um bocado. Ninguém se lembra de nós para uma ida ao cinema, para uma viagem de fim de semana, para qualquer programa que exija um mínimo de amizade mais íntima entre as partes. E tudo isto é normal, não me queixo. É só a vida. A intimidade desaparece e da amizade passam a restar uns pedaços, pequenos destroços, reminiscências vagas, imagens cristalizadas de quando ainda nem tínhamos cabelos brancos.
Não me incomoda nem atemoriza a solidão. Não por enquanto, pelo menos. Mas entristece-me a ideia de não poder confiar nas pessoas. De não poder confiar nos homens. Quando já passámos por tudo na vida, não é exatamente a perda o que nos intimida ou enfraquece. A perda faz parte. No meu caso, sempre fez. É um ingrediente como qualquer outro na dinâmica da existência neste universo irrequieto e instável. Lavoisier diria que nada se perde, que tudo se transforma. É certo que tudo se transforma, mas pelo caminho há coisas que se perdem. Por exemplo, como aconteceu com o desfecho da minha relação com o Frederico, perdi autoestima, perdi confiança nos outros. Talvez se tenham transformado, uma e outra, em diferentes matérias do espírito. Rutter provavelmente chamaria "resiliência" a esta fuga à perda para abraçar a transformação. Há sempre um nome para estas coisas, das transformações às perdas, que afinal de contas podem ser ou não ser perdas. Mas eu só consigo chamar-lhe tristeza. Até porque detesto a outra palavra, que me soa sempre a anglicismo pós-moderno.

Não durou mais do que um ano o nosso namoro. Não fui eu que designei assim que houve entre nós. "Namoro" foi uma definição do Frederico, atribuída, para minha surpresa, ao fim do nosso terceiro encontro. É certo que os nossos primeiros encontros foram intensos. Conhecê-lo foi como entrar num mundo de sonho. Sair com o Frederico era como entrar numa aventura hollywoodesca. O programa mais simples era desenhado com contornos luxuosos, recheado com detalhes luxuriantes. Dos automóveis topo de gama às partidas inesperadas de iate, mar adentro, para dois ou três dias de sol e isolamento, qualquer pequena aventura constituía uma história para contar, uma memória digna de crónica livresca.
É pena que tanto enfeite e tanta exuberância refletissem, afinal, não uma personalidade rica e recheada, mas antes um caráter infeliz cujos vazios de substância etérea eram preenchidos pelos objetos e hábitos caros e reluzentes. Não gosto de acreditar que quem muito reluz por fora é porque tem fraca luz interior, mas neste caso foi assim mesmo que se revelou. O mais curioso é que o Frederico era um apologista convicto da comunicação e da franqueza, fazendo uso de certas máximas tão simples como certeiras. Uma delas era "não adianta as pessoas usarem máscaras, um dia elas caem". Percebo agora que essas máximas eram parte precisamente da máscara que usava. A tal que caiu.
Conversei com outras pessoas acerca do final da minha relação com o Frederico. Um dia, após demorado silêncio em que não me atendia nem retornava chamadas, e em que, pelo meio, não se dignava responder a mensagens, perante a minha insistência em saber o que se passava e se estava tudo bem, respondeu-me assim, por escrito: "Estou cansado. Um dia falamos, se tu quiseres." Só isto. Não consigo imaginar despedida mais lacónica nem mais escorregadia - porque incompreensível, enigmática, sem sentido. Cansado? Mas cansado do quê? De mim? Estava cansado fisicamente? Saturado da vida? Derreado? Atormentado pela minha presença, pela minha existência, pelo nosso "namoro"? Nunca mo explicou.

Insisti que queria falar, tal como ele sugeriu na sua insólita mensagem de despedida. De novo, após muita insistência da minha parte, lá acedeu a que nos encontrássemos. Uma vez cara-a-cara, irá explicar-me o que se passou e, mesmo que cada um siga o seu caminho, pelo menos não me deixará nas mãos um enigma. Isto, pensei eu. Mas não foi nada disso que aconteceu. Olhos nos olhos, quase não falou. E, quando o fez, limitou-se a repetir o que já antes dissera, aquela afirmação muito vaga, "estou cansado". Estou cansado, estou cansado, estou cansado, e eu, ai amiguinho, se o teu mal é cansaço, vai descansar. Peguei em mim e fui-me embora.
Depois do Frederico, conheci outra pessoa. Não tinha vontade de o fazer, mas sentia que deixar-me ficar quieta, como se fizesse o luto, seria deixar-me humilhar ainda mais por um homem que, sem que eu saiba porquê,s e fartou de mim e não teve a coragem de ser franco e honesto. Contei a essa outra pessoa o que se passara com o Frederico. Respondeu-me que era normal, "é o ghosting, ele fez-te ghosting". Eu não sabia o que era o ghosting. Aparentemente, é um fenómeno já antigo a que, como não foi erradicado dos hábitos, agora puseram um nome moderno. Dantes também acontecia. Às vezes em momentos piores - quantas raparigas não carregaram sozinhas barrigas fecundadas por homens que faziam ghosting depois de provarem o bem-bom?
Respondi que, fosse aquilo ghosting ou qualquer outra brincadeira de mau gosto, não me parecia digno nem adulto, muito menos respeitoso. E expliquei-lhe que tinha mais de 50 anos. Já não é idade para brincadeiras. E justifiquei-me que, se na juventude a frivolidade romântica tinha consequências mais ou menos passageiras, nesta idade não são as consequências que importam: é a mágoa. A tristeza amarga que fica depois de me sentir rejeitada e novamente sozinha. Respondeu-me que ninguém pode obrigar outra pessoa a ficar com alguém, nem sequer exigir-lhe respostas ou explicações. Concordámos em discordar nesse dia. E, desde então, também ele nunca mais me disse nada.

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