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Dating em Lisboa. “Ser solteira aos 30 é ter mais em comum com uma mulher reformada do que com uma casada”

Foto: American Woman / IMDB
02 de abril de 2024 às 07:00 Maria Pestana

Aderi a um novo Clube de Leitura na tentativa vã de conhecer homens em ambientes de cariz sexual reduzido, álcool q.b. e horário decente. Entusiasmada pela novidade cheguei cedo. Comprei uns livros para evitar filas e dar um ar de quem tudo leu, quando na verdade não tinha lido nenhuma das obras em discussão. Sentei-me num bom lugar. Depois, troquei duas vezes só para confirmar que a minha primeira escolha tinha sido, de facto, a melhor. Servi-me de um copo de vinho e permaneci calada a observar as pessoas que iam chegando. Muitas mulheres, alguns homens. Umas quantas pessoas verdadeiramente aficionadas por livros, cujo excesso de peso e o cabelo oleoso não abonam a favor da nova onda de literários. Alguns homens, certamente divorciados, que fazem programas intelectuais entre machos acima dos 50 anos. Muitas mulheres, reformadas, algumas certamente também separadas, que fazem programas com as amigas e, claro, muitas solteiras, como eu, que não têm mais nada de interessante para fazer às sete da tarde de um corriqueiro dia de semana. Curiosamente, ou não, homens em idade ideal para consumo, de porte e intelecto interessante, nem sinal.

Dei por mim a questionar por onde andariam os jovens solteiros nesta cidade. Será que existem? E o que fazem para além de assistir a jogos de futebol, encherem o six pack no ginásio ou baterem umas bolas no padel? Continuei a observar as pessoas que chegavam. Aquietei-me. 'Ser solteira aos 30, em Lisboa, é ter mais em comum com uma mulher reformada do que com uma casada', conclui, tirando da mente a ideia de que um Clube de Literatura seria um bom local para conhecer um tipo atraente. Ponderei a eventualidade de esbarrar num sugar daddy, ou só num daddy, enquanto saboreava o vinho, mas vi-me desiludida com a ausência. grandys, daddys nem vê-los.

Dei por mim a pensar, em excesso, como é típico dos neuróticos. De manhã, vou ao ginásio, faço aulas de pilates acompanhada por uma série de outras mulheres solteiras ou aposentadas. Nunca falo com ninguém, não suporto a ideia de conversa de ocasião, nem de me emparelhar com alguém apenas por conveniência. À noite, faço de babysitter dos filhos das minhas amigas e colegas de trabalho, para que, de vez em quando, possam ter programas de adultas, recordarem-se das suas vidas pré-maternidade e colocarem o sexo em dia, entre outros afazeres. Aos sábados, vou aos jogos de futebol dos meus sobrinhos com os meus pais. A minha mãe incorpora a Dona Dolores, acho que isso faz de mim uma Elsa.

'Sou uma mulher reformada aos 30', disse para mim com espanto. Inscrevi-me num Clube de Leitura a achar que seria algo cool, estão na berra, eu também quero estar na berra e dou por mim num berreiro cerebral, mais uma vez, em crise existencial. Ao longe, uma escritora portuguesa falava sobre mulheres e literatura, debruçava-se sobre algumas das mais relevantes escritoras internacionais, Virginia Wolf, Simone de Beauvoir, Clarice Lispector. E enquanto falava sobre conceitos feministas, eu só pensava que todas elas, tal como eu, abominavam o quotidiano, todas possuíam algo de inquietante, queriam fugir à norma, ter um espaço só seu para a escrita, mas também para a luta pelos direitos das mulheres, pela liberdade de pensamento. Todas se rebelaram contra a mera condição de mulheres domésticas, mulheres mães, mulheres banais. Mas, naquele momento, eu aborrecia-me por não fazer parte desse núcleo de mulheres. Preferia imaginar-me em casa a preparar o jantar para o meu querido esposo do que num simpósio com a terceira idade. Enlouqueci!

Levantei-me para reabastecer o copo. Desligada do exterior ouço um "Tá boa? Olhe que bom encontrá-la aqui!", meio sussurrado. Virei-me sem entender. A mente ainda noutra dimensão. Era a mãe sexagenária de uma colega de trabalho. Fez-me sinal para me sentar ao seu lado. Encontrava-se acompanhada por uma amiga estrangeira, muito efusiva, excitada, tirava fotografias a tudo, fazia vídeos. O deslumbramento das pessoas a partir de uma certa idade é algo de maravilhoso. Entusiasmada por me ver, enalteceu cochichando o Clube de Leitura, a moderadora, o tema, os livros escolhidos para debate. Eu anuí, também estava a gostar muito, perguntei se era a primeira vez que participava. Não era, já tivera vindo anteriormente e fazia parte de mais uns quantos clubes por aí. Segurando um livro de Hilda Hilst comentava que "grande maluca" ela era. Comecei a entreter-me. Aos poucos, estas companheiras inusitadas começaram a retirar-me do meu estado de marasmo, mas a sessão iria terminar e eu sabia que iria para casa sozinha continuar a cismar na ideia de que a minha vida, na sua génese, tinha mais em comum com a de uma mulher de 60 ou 70 anos do que com a de alguém da minha própria idade.

A sessão terminou, ia despedir-me das minhas camaradas de leitura quando me convidaram para jantar. "Venha lá, tem alguma coisa para fazer?". Não, de facto, não tinha. Não existiam meias de homem para passar, nem jantar para fazer. Não havia nenhum trintão de barriga vincada à minha espera, nem tão pouco um magricelas que eu pudesse amar. Estava reduzida à minha própria existência: ginásio de manhã, ama dos filhos dos outros, pessoa que já não come muito ao jantar porque fica com azia, vinho branco impossível, aumenta a azia. Ainda me deito cedo durante a semana, por causa das rugas, e faço sexo ocasionalmente. 'Sou uma velha', resignei-me. Aceitei ir jantar com as outras velhas.

Diverti-me como há muito tempo não acontecia. Bebemos mais de uma garrafa de vinho. Falámos sobre sexo, sexo atrevido e atual, porque a sexualidade não tem idade e estas senhoras ainda andam aí para as curvas, desde que o lubrificante não lhes falhe. Agradeci aos céus por a minha mãe ser uma mulher mais reservada, porque este excesso de informação vindo da fonte errada ter-me-ia traumatizado mais do que deleitado. Deixei-me absorver pelas suas últimas viagens, descobri que, em breve, uma delas embarcaria para África para dar aulas de português durante três meses. De repente, não me importei absolutamente nada por a minha vida ter muito em comum com a destas mulheres, porque eram fabulosas.

A meio do jantar, o meu telemóvel vibrou. De relance, um "contatinho" tentava marcar encontro, mas deixei a mensagem por ler. Não fossem estas senhoras e, provavelmente, teria procurado uma fuga momentânea e abraçaria as minhas incongruências: as de mulher que procura o amor, mas não resiste a perder-se em paixões, em momentos ardentes, porque o decorrer da vida lhe soa a tédio, porque se aborrece de si mesma. Porém, nesse dia, reencontrei-me, alegremente, reconheci-me em duas mulheres que poderiam ser minhas avós.

Nas despedidas interpelou-me: "A minha filha já lhe falou do meu sobrinho Pedro? Isto vai parecer cliché, mas ficou solteiro para aí no mês passado. Olhe que era bom para si!". Desmanchei-me a rir, não me ocorrera que, afinal, terminaria a noite com a possibilidade de um date arranjado. O Clube de Leitura sempre tinha cumprido o seu propósito. "O sobrinho Pedro vota à direita e é do Sporting?", perguntei num tom jocoso. "O sobrinho Pedro vota à direita, mas é do Benfica", respondeu-me depois de uma boa risada. "Acho que consigo lidar com isso. Fale lá de mim ao sobrinho Pedro!". Entrei no Uber, puxei do telemóvel. "Estou em casa em 15 minutos", escrevi. O sobrinho Pedro ainda era uma miragem. A noite estava a correr-me bem. Porquê parar?

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Margarida e Sol são duas amigas com um negócio conjunto. Destacam-se pela abordagem personalizada às marcas, pela verdadeira parceria com os clientes e pela procura incessante por inovação, do branding às produções fotográficas.

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