A Flor do Cacto

Crónica. Mais uns colchetes desapertados

Flor do Deserto (2009).
Flor do Deserto (2009). Foto: IMDB
04 de julho de 2023 Cláudia Lucas Chéu

Na vida de todas as raparigas há aquele momento em que têm de abdicar do estilo "em tronco nu", seja na praia ou na piscina. De repente crescem-nos umas protuberâncias, que nos parecem elevações desagradáveis à visão e ao toque, e perdemos a liberdade de andar de peito ao léu. Mesmo que ninguém nos avise que está na altura de cobrir aquela zona do corpo, começamos a sentir os olhares evasivos dos adultos ou, no pior dos casos, o mirar interessado de alguém que nos parece automaticamente um pervertido. Seja como for, sentimos claramente que está na altura de adquirir a parte superior do biquíni ou de começar a usar um fato-de-banho.

Recentemente, algumas zonas da Europa, nomeadamente Berlim e Catalunha, acabaram com a proibição discriminatória do topless feminino nas piscinas públicas. Mas no caso de Berlim a situação tem contornos anedóticos, uma vez que começaram por permitir, no ano passado, que se fizesse topless apenas aos fins-de-semana, entre o início de maio e o final de agosto. Se fosse ficção dir-me-iam que era inverosímil. No fundo, era como se as mamas das mulheres tivessem a sua própria época balnear, que só funcionava estritamente aos fins-de-semana. Durante os dias úteis da semana, as mamas tinham de continuar a picar o ponto do pudor. Felizmente esta medida berlinense já se encontra alterada e passou este ano a ser possível fazer topless durante todo o ano. E atenção que esta medida só foi implementada graças à francesa Gabrielle Lebreton, moradora da capital alemã há mais de uma década, que processou o Estado por ter sido discriminada e ganhou o caso. Há uns anos, Lebreton estava com o filho de cinco anos na piscina quando foi convidada por um grupo de policias a abandonar o recinto. Numa entrevista ao semanário Die Zeit, afirmou que "tanto para os homens como para as mulheres, os seios são uma característica sexual secundária, mas os homens têm a liberdade de tirar a roupa quando está calor e as mulheres não".

Parece absurdo que ainda tenhamos de nos bater pelo direito a igualdades básicas ao nível da expressão social. Mas a verdade é que ainda há muitos colchetes por desapertar, muitas mamas por libertar, muita tacanhez por incinerar. Desde miúda que não entendia por que raio é eu tinha de andar tapada na praia se os rapazes da minha idade continuavam a pavonear-se em tronco nu sem que lhes fosse cobrada a mesma regra. Felizmente somos muitos e muitas, cada vez mais pessoas, a questionar e a pôr em causa regras inventadas para nos discriminar. Todos os passos dados, grandes ou pequenos, são mais uns colchetes que deixam de nos apertar.

Saiba mais
Atualidade, Discussão, Crónica, Opinião, Mulheres, Feminismo, Gabrielle Lebreton
Leia também

Michelle Pozon, a stylist espiritual

Começou por ser designer de moda, mas concluiu que o mundo não precisa de mais roupa, tal como muitos armários não precisam de mais peças. Entre a consultoria e a quase terapia, Michelle Pozon separa o essencial do assessório e faz da beleza uma filosofia de vida.

As Mais Lidas