Cat Power: "Os homens brancos não põem a cabeça de fora porque têm tudo feito para eles, estão cheios de maldade e raiva"
Vem ao Festival Jardins do Marquês, a 29 de junho, e desta vez traz a primeira guitarra elétrica de Bob Dylan. Palavras de mudança cantadas bem alto e a reverberar nos nossos corações, que foi um marco na música de intervenção e do rock dos anos 60. Ela quer fazer o mesmo agora.

Chan Marshall está do outro lado do ecrã, ligeiramente despenteada e numa t-shirt XL, pede para não reparamos no seu desalinho: “I am so ugly,” comenta. Rimo-nos juntas, nem que tentasse conseguiria. “I am hot and ugly” e pede para falar sem imagem, porque “I'm probably too sexy for your eyes”, e solta uma gargalhada. Cat Power é bela e sincera como a sua voz, tão doce como assombrada, carismática, misteriosa, sexy. Fala-nos do seu telemóvel, relaxadamente sentada no sofá, e a sua honestidade é desarmante, nada soa artificial, a facilidade com que desliza para a intimidade e a sinceridade é encantadora e invulgar.
Regressa a Portugal, a Oeiras, desta vez, e traz consigo o último disco que dedicou a Bob Dylan e mimetiza o célebre concerto do músico no Royal Albert Hall, em 1966, esse mesmo que marcou a história da música, quando a sua guitarra deixou de ser apenas acústica e passa a vestir-se, empoderada, com uma nova crueza elétrica. Como que a tentar fazer-se ouvir, e a fazer soar as palavras do trovador errante, em nome de todos.
As causas sempre estiveram no coração de Chan Marshall, e os seus discos de covers são dos mais belos de que temos memória. Acima de tudo, esta é uma banda sonora para idealistas, eterna, fundamental nestes tempos difíceis e cínicos, que necessitam dos poucos, raros, românticos, os que fazem por todos, sem pedir muito em troca. As canções que vamos ouvir, e que ela gravou no seu último e belíssimo disco ao vivo, ganham ainda mais patine com a sua belíssima voz de fumo, vivida e profunda, elas ganham asas.
Porquê o Bob Dylan?
O Bob foi-me “atirado para cima” quando eu ainda era uma criança a andar por casa em roupa interior, sabes? Toda a minha vida está ligada ao meu trabalho, e ao facto de eu estar tão em baixo, tantas vezes, na minha carreira... Porque ser uma miúda, com o 10º ano, de uma família muito pobre, sentia-me sempre sozinha, o miúdo mais novo raramente faz amigos, e a dar voltas ao mundo sozinha, só com a minha guitarra, com pouco mais de 20 anos... O Bob criou o meu trabalho. Com a sua arte, ele é o monte Everest da escrita de canções e assim tem sido durante toda a minha vida.
Como chega a esta escolha específica de canções, as primeiras elétricas de Bob Dylan?
Eu estava a terminar a tourné deste disco de covers [o Covers, saído em 2022] e o Reino Unido ia ser a minha última data, quando recebo uma chamada: “Estamos no Royal Albert Hall, no dia 5 de novembro, preciso de uma resposta rápida!” Esse era o dia da "noite de Guy Fawkes” [quando um soldado católico inglês, membro da chamada "conspiração da pólvora", tentou explodir o Parlamento inglês e matar o rei protestante Jaime I da Inglaterra, em 1605]. E eu disse: “Fuck yeah, are you kidding me? Eu gostava de fazer o Bob Dylan goes eletric”. E, do outro lado do telefone, um silêncio de morte. O meu filho tinha nascido, a minha editora discográfica abandonou-me e eu tinha pedido a um amigo para ser meu manager. Ele é mais velho do que eu, anda por aí há tempo, foi o manager de toda a gente, The Gogos, Beastie Boys, era ele ao telefone, e nem vale a pena tentares pagar a este homem para ele estar calado, sabes, mas estava calado de morte. Depois diz: “Ligo-te em dois minutos.” E eu fiquei: será que disse alguma coisa que não devia? Não, ele sabe que eu amo o Bob, e se me conhece realmente sabe que amo o Bob há muito tempo. Volta a ligar-me logo a seguir e diz: “Muito bem, está feito! Mas tens a certeza?” E eu: “Claro que tenho”. “Falamos depois, então”. Aí percebi o que me esperava. Estás a ver estes músculos que temos no pescoço e nos seguram a cabeça? Transformaram-se em pedra, cimento, pensei: “Fuck, o que é que acabei de fazer?” Ia apenas ser o último concerto da tourné, no big deal, mas eu sabia que os críticos de música masculinos, que se acham donos do mercado e das cadeias de distribuição do paternalismo, iriam ter taaaanto a dizer sobre isto. Mas eu não quis saber, que se lixe, eu sou mais eu! As pessoas que gostam da minha música, os meus amigos, o meu filho, sabem que amo o Bob. É um assunto pessoal.
E lançou-se de cabeça.
Ao mesmo tempo, estava a acontecer muito merda na América. Estavam a retirar a história negra dos livros, a retirar livros das bibliotecas, banidos aos milhares, cada vez mais mulheres sem direitos e acesso a cuidados de saúde para abortar, puff, desapareceram. E umas três semanas depois, liguei ao Andy Slater, este meu amigo e manager: “Tenho um feeling de que deveria gravar o concerto”. Ele disse que não. Na indústria da música, os artistas não fazem dinheiro; todos os outros fazem, os advogados, os agentes de booking, as editoras, menos os artistas. Andamos sempre tesos, a vida é assim: corre riscos e faz o que tens de fazer nesta vida! Eu não quero saber porque amo fazer o que faço. Mas não parava de pensar no assunto: se não for capaz de falar em breve, com toda esta violência presente, isto é muito Palestina... Adiante. Se eu tiver alguma coisa enfiada na cabeça é muito difícil dizer-me que não, sou muito teimosa e trabalho muito. Também trabalho muito para que vejam a minha perspetiva porque o sistema é feito de homens mais velhos, e eu preciso de suporte. Por isso, acabei por falar com a minha editora, a Domino, que eu adoro, e eles concordaram e pagaram tudo, a banda, é uma responsabilidade financeira grande. E gravámos o concerto.
Falou com o Dylan, em algum momento?
Aaaah, quando ia tocar o concerto, quando o ia vender Cat Power sings Dylan, comecei a receber mensagens a dizer: o Bob Dylan acaba de anunciar uma tourné, as datas serão anunciadas em breve. “Ah, isso é cool, talvez o consiga ver a tocar.” Uns meses depois eu anuncio que vou tocar a Manchester e Glasgow e logo a seguir o Dylan anuncia que vai tocar a Manchester a Glasgow nos mesmos dias! E eu pensei: Mmm, isto, se calhar, é de propósito. Eu sabia-o, in my blood, toda a minha alma estava a perceber o que se estava a passar. Enviei um e-mail ao seu manager a pedir para ir ver o seu concerto e levar a minha banda. Cheguei a Glasgow às 22.30 e já tinha resposta: “Desculpa, Chan, mas o concerto está completamente esgotado. Fica para uma próxima.” Eu chego ao hotel, é Halloween e, no dia seguinte, é o primeiro concerto de Bob Dylan em Glasgow, eu tocava na noite a seguir, mas voei mais cedo para ir vê-lo, paguei o hotel e tudo. Chegámos ao hotel à meia-noite, bebemos umas cervejas, cá fora, e às duas da manhã um amigo meu vê o Bob. Eu estava a fumar nas escadas, achei que estava alguém com uma faca atrás de mim, era o meu amigo, virámo-nos e ali estava o homem. Eu já o tinha conhecido. Foi amaaazing, como encontrar um velho amigo, um pai natal com boa pinta. Ele aproxima-se, traz uma máscara do Covid, afasta-a, eu digo: “Hey Bob!”, ele olha para as escadas todas, eu estava no quinto degrau, os meus amigos mais abaixo, começa a subir. “Sou eu, a Chan”, ele já com o pé no sexto degrau olha para mim, eu tiro o boné e digo, “a Cat Power!” Ele põe um pé no quinto degrau, abraça-me e diz [ela imita a voz]: “Good to see ya! Mas tenho de ir”, e vai. Os meus amigos, que são da banda, ficaram de boca aberta, nunca tinham visto o Bob, pediram-me logo cigarros e nem fumam, estavam em choque.
E depois?
Estavamos quase a ir para a cama, eles ficaram lá fora a conversar, a minha cabeça estava a rebentar, “temos de ir deitar-nos”. Estava um frio de rachar por isso entrei na banheira, com o telemóvel, faço muito do meu trabalho, antes das tournés e de ir para a cama, na banheira. Eu detesto e-mails, não suporto tecnologia, gosto da tech científica, mas não esta, e recebo um e-mail que diz — o Bob deve ter-lhe dito [e volta a imitar a sua voz] —: “Hey, Ann, querida, põe-na na lista!” Então fui vê-lo tocar. Até hoje acredito que ele veio ver o meu concerto, mas nunca ouvi uma palavra sobre o assunto. Não tem mal. Enviei-lhe uma carta, por e-mail, a dizer-lhe que não estava a fazer isto para ser aceite por ele, “Tu sabes que te adoro, ainda aí andas e continuas a fazer canções incríveis, só queria oferecer alguma gratidão, fazer qualquer coisa cool e para que os jovens, talvez, aprendam alguma coisa com o maior compositor de canções da América. O Timothée Chamalet [protagonista do filme de James Mangold, Um Completo Desconhecido] talvez tenha feito o meu trabalho mil vezes mais, e não tive resposta ao e-mail, mas é ok.
Como correu o concerto?
No dia a seguir era Halloween e eu e o meu amigo que não fuma, o Henry Manson, vestimo-nos de Charlie Chaplin, chapéu de coco e os nossos fatos do concerto... Eu vejo o Dylan desde que tenho 15 anos, umas 32 vezes, ao longo da minha vida toda. Este foi o melhor, eu nunca tinha ouvido a voz dele assim... Ele tinha acabado de cantar três canções, muito sinceramente, não tinha a certeza se estava num sonho, senti algo tão poderoso. Este foi provavelmente a quinta ou sexta vez que tive incidentes com ele, e é quase sempre uma experiência espiritual, quase mística. Foi a melhor experiência que tive a ouvir a sua voz, uma espécie de feitiço, criou como que um percurso tridimensional interior, não sei como descrevê-lo. Ele fez tudo tão sem esforço... Os momentos místicos que tive com ele antes, e que foram incríveis, duraram talvez 30 segundos, aqui foram três canções inteiras. A sua voz, durante as três canções, soou como se ele tivesse 23 anos de idade, nunca ouvi a entoação, a enunciação, o seu cuidado, tudo foi magia pura e total. E não estou a brincar. Se tiveres a oportunidade de voltar a vê-lo, tens de ir, e as suas últimas canções... Quer dizer, os discos dele são todos bons. Eu recomendo muito, são multidões lá dentro. Não sei se conheces a canção I contain multitudes, não sei se ouviste essa, recomendo-a, vai fazer-te perder o chão. Ele continua a ser o mestre.
Curiosamente, também acaba de sair Heart of Gold: The Songs of Neil Young com versões de diferentes artistas. Estamos a precisar de regressar aos clássicos, de saber onde estamos e para onde queremos ir?
Adoro isso, é lindo! Mesmo antes da pandemia toquei no Hyde Park, em Londres, abri para o Neil Young e o Bob Dylan. O Neil tocou ao pôr do sol e o Bob sobre uma lua cheia crescente. Toquei a semana passada com o Neil, de novo, foi a minha terceira vez, mas nunca toquei num concerto do Bob. E já o pedi, ao manager, durante toda a minha carreira. A primeira coisa que me disse quando me conheceu, em 2008, foi [imita a voz]: “So we finally meet”. A segunda foi: “Tenho todas as tuas chamadas.” Pensei que um dia me deixasses abrir para ti, mas... (risos) Isso que dizes, que os clássicos nos mostram de onde viemos e para onde queremos ir, a razão porque gravei este concerto foi por tudo o que tem estado a acontecer na América: os livros retirados, a guerra à história negra, a reversão da decisão na questão do aborto no caso Roe versus Wade [processo judicial em que o Supremo Tribunal dos EUA, em 22 de janeiro de 1973, decidiu que a regulamentação estatal indevidamente restritiva do aborto é inconstitucional — foi anulado pelo Supremo Tribunal, em 2022] E eu pensei: Fuck it, tenho de gravar, para os mais jovens de hoje! Foi o que o Bob fez nos anos 60, cantar em protesto. Como o grande humanista e humanitário que é, ele conhece bem as pessoas. Quis gravar porque muita gente que já conhece o Bob, sabe de onde vem, e mantem-se fiel ao seu destino. A juventude é quem começa a revolução, são os que fazem as maiores obras de arte, sempre foram a salvação de qualquer movimento. São as pessoas mais poderosas na Terra. Por isso pensei que talvez alguns jovens universitários consigam agarrar-se a isto, que os excite, que consigam ver o reflexo deste fascismo em ascensão e talvez consigam condená-lo e inspirar outros.
O filme que referiste, sobre a juventude de Bob Dylan, também foi bastante inspirador...
É um filme numa indústria de milhares de milhões, eu levei uma vida para vê-lo e finalmente consegui, na semana passada, e fiquei muito comovida. Óbvio que tem algumas inconsistências, mas gostei muito. Este filme, basicamente, obliterou o que eu estava a tentar fazer, o que é bom sinal. O meu filho e dois dos seus maiores amigos andam a implorar por uma guitarra elétrica, uma acústica e uma harmónica, e andam a cantar as músicas do Bob Dylan só porque viram o filme. E não estão na faculdade, são miúdos de 9 e 12 anos, por isso é importante o que o Timothée Chalamet fez, era mesmo necessário, gosto do filme, fiquei mesmo feliz que tenha estreado. Só gostava que houvesse uma segunda parte, que seja mais Don't Look Back [documentário realizado por D. A. Pennebaker, em 1967), que toda a gente devia ver e que é o Bob a exercitar a liberdade. Foi isso que mudou o rock 'n'roll e é a razão porque acredito, quando Jimmy Hendrix diz I am stone free to do as I please. Sem o Bob goes electric, não acredito que o Hendrix tivesse escrito essa letra. É poder e é cultura juvenil, creio que tinha 23 anos. Eu quis ser Presidente quando tinha 23 anos, mas sabia que ninguém iria votar em mim, não sou idiota.
Mas tem e alimenta um coração ativista, que a maioria abandona quando cresce. Ou quando lhe convém. Basta seguir a sua página no Instagram...
Sim, e o Bob sabia disso também, por isso resolveu tocar e tocar bem alto para que as pessoas o ouvissem bem.
Vivemos numa época muito estranha, percebemos a fragilidade das grandes causas humanistas e nunca, como agora, tivemos tanto a sensação de fim. O que é que a preocupa mais?
O que sempre me preocupou: o poder sobre as pessoas. Eu sou de Atlanta, na Geórgia, e fui criada no meio de uma grande diversidade de jovens, era muito nova quando aprendi sobre as palavras de Martin Luther King, e sobre agitação civil, e sobre a história de segregação brutal do sul. Lembro-me de o meu amigo ser desprezado no primeiro dia de escola, no primeiro ano... Vi como as pessoas eram destruídas, desde uma idade muito jovem, sempre esteve presente para mim, apesar de criança. O poder sobre as pessoas não é o dia anual quando votas, mas é a manifestação de uma estrutura social, é construída, é religião, que forças contra a maioria das pessoas... E os homens brancos não põem a cabeça de fora porque já têm tudo feito para eles, na sombra, por isso estão tão cheios de maldade e raiva. Claro que há homens brancos lindos também, mas a maioria tem muito medo do que o mundo possa parecer com paz e amor. É um mundo onde não terão o seu ciclo de abuso constante, onde prosperam, passam a perder o seu direito de abusar da mulher ou dos empregados. E essa narrativa nojenta é a realidade sobre a qual sempre me insurgi. Esse é o problema mais importante: o poder sobre as pessoas.
Tudo vem daí.
Exatamente. E tu, que pensas disso?
Bom, estou a fazer esta entrevista para o site da Máxima, que foi uma revista feminista, para a qual escrevo, há décadas, porque traz estas causas humanistas ao peito. Essa foi a razão porque escolhi o jornalismo feminino e de moda.
Aaah, que booom! Então conheceste o André Leon Talley [editor at large da Vogue US]? Era fabuloso! A minha figura maternal e paternal foi um designer de moda chamado Patrick Kelly [o primeiro americano a ser admitido na Chambre Syndicale, o prestigiado órgão que dirige a indústria francesa de pronto-a-vestir]. Era um homem negro e gay do Mississipi, e vivia do outro lado do corredor no prédio da minha mãe, onde eu vivia com a minha irmã mais velha. A minha mãe era uma viciada por isso parava pouco em casa, então os meus vizinhos Sidney e Halley levavam-me à creche e depois traziam-me para casa. E o Patrick batia à minha janela todos os dias, queria dizer que estava em casa, e eu ficava tardes com ele, cozinhava para mim, tocava a sua música soul, e as modelos apareciam, maquilhavam-me ao som de disco, Donna Summer, funk, gospel, r'n'b, o que fosse. Mudou-se para Nova Iorque quando eu tinha 7 anos, pensei que o voltaria a ver, mas nunca mais o voltei a ver [morreu em Paris, aos 35 anos, em 1990]. Lembro-me de ele me levar a dar uma volta de limousine e levar-me ao MacDonald's, era uma espécie de avó, sabes?
Então teve contacto com a moda muito cedo...
Quer dizer... eu era tão pobre que entrávamos na casa das pessoas à procura de comida e, idiotas que éramos, chegámos a comer do caixote lixo... O Patrick tomou conta de mim porque sabia o mundo lixado em que vivíamos. Quando conheci o Karl [Lagerfeld], no passeio, em Nova Iorque, e nos tornámos amigos, é uma longa história, mas ele chamou-me para cantar num desfile de couture, [primavera-verão 2007], não me lembro bem, e quando cheguei, era o meu aniversário e ele tinha um bolo enorme, uma guitarra e um anel lindos, e o André [Leon Talley] estava sentado na secretária do Karl, que foi sempre a secretária de Coco [Chanel]. Eu estava tão excitada de estar ali que lhe perguntei: “Hey, alguma vez conheceste o Patrick Kelly?” E ele que nem cruzava o olhar com o meu quando o Karl nos apresentou, sabes, só contava as suas histórias a outras pessoas na sala, fixou-me e disse: “Girl, como é que o conheces?” E eu disse: “Ele cuidou de mim quando eu era pequena”. Ele ficou a olhar para mim [imita a voz]: “Excuse me?” Eu disse: “Sim, foi uma espécie de mãe, de pai, de nanny, de babysitter, durante uns anos, foi o meu guardião e amigo”. E ele tinha imensas histórias e começou a derramá-las todas e repetia: “Oh shit, girl!” e blablabla (risos). Desde esse dia, sempre que via o André era um pedaço do Patrick que estava presente. Quando um amigo que amas morre, esse amor fica a fazer parte do teu amor, entendes?
Entendo, acabo de perder um grande amigo.
As pessoas que amamos criam o nosso coração, por nós e para nós, ajudam-nos a perder o medo, ensinam-nos a brilhar e a partilhar. Quando eles morrem, o nosso coração fica maior. E eu tenho saudades. Só ontem soube que a Met Gala decidiu homenagear o André, eu não sabia porque não acompanho o mundo da moda. Adoro moda, acho-a fucking amazing, o trabalho de arte, da pequena mão, da ligação entre a cabeça e as mãos. Como na música, como na escrita e na poesia, é uma dança entre a cabeça e o corpo que criam.
A moda também é uma arte muito empoderadora, para as mulheres, em primeiro lugar e naturalmente, mas para as causas de género, de raça, os corpos fora da norma, é fascinante. Hoje isso é tudo muito evidente, mas nem sempre foi assim. O que fascina na moda é a arte com que transmite essas mensagens com o poder de mudar a sociedade.
Sim!! E as conversas à volta dos detalhes, dos têxteis, das texturas, dos padrões, dos cortes. É lindo. É por isso que este último Met Gala foi, provavelmente, dos mais importantes que alguma vez vi, dedicado aos dandies, viram-se coisas lindíssimas. Também se vê o ridículo, que é o costume, sabes como é, todo aquele dinheiro a circular...
As celebridades estão a tomar conta do mundo, da moda e não só.
Resta é saber se as celebridades têm alguma noção do que se passa no mundo. Isso deixa-me muito lixada porque, obviamente, têm a maior janela de oportunidade. Para a verem, mas para aprenderem e falarem sobre qualquer coisa que queiram. Num ano de eleições, eles conseguem mudar o sentido de voto. Como se não fosse da conta de ninguém. Quando o Ryan Gosling usou uma t-shirt do Sudão, acho que foi quando se tornou famoso porque fez aquele filme Notebook, e eles beijaram-se na cerimónia dos Óscares e ele trazia essa t-shirt. Ser uma celebridade e falar! Como fez o Kris Kristofferson ou a Sinéad O'Connor, é fácil para os que têm coração falar dos temas. Quando se mantêm calados, mostram-nos quem são realmente, no seu coração, quando não falam às realidades culturais. Quando dividem as personagens para, basicamente, programar a civilização, ensinar as pessoas a comportarem-se e de pensar de determinada maneira. Mas as pessoas acagaçam-se, são cobardes, e podiam ser belas, e mais belas do que alguma vez imaginaram.
Vivemos tempos tão complexos que as pessoas vão ser chamadas a tomar uma posição. Acredito que seja, como diz a minha mãe, uma onda que ganha balanço antes de se estender na areia. A civilização sempre evoluiu como um pêndulo. Ainda acredito na humanidade, se não ficamos malucos.
Ai adoro essa analogia! Mas é que estamos a ficar malucos... E não temos nenhum super herói, já não temos o Bob Dylan. Por isso quis gravar este concerto para a juventude, os mais fortes de todas as culturas, os mais barulhentos, os mais orgulhosos e os que não têm medo. Se bem te lembras, quando és jovem não sabes bem o que estás a fazer, não fazes ideia do que o amanhã te trará, mas avanças.
Sei bem, a minha juventude foi metal e punk rock.
Vês, é isso!! É isso que o Bob Dylan me traz. Ele criou o movimento punk através das suas entrevistas escandalosas. Quando ele “enrolava” os jornalistas super literatos, rigorosos e centristas, e tornou-se super famoso por isso, criou o punk rock só com essas entrevistas.
E são as mensagens que sempre te movem, nas tuas canções?
Sim, é uma transferência, por assim dizer, uma transmissão conjunta, eu e a audiência. O público chega com as suas merdas, eu deixo as minhas fora do palco, mas elas voltam minutos depois de descer do palco. Como todos, todos trabalhamos nas nossas merdas. Mas, através das canções, rezo para a mãe universo, através do divino e da boa energia, para que essas merdas se dissolvam e nos encontremos todos. Numa outra dimensão, podemos dizer que estamos a sarar, a curar-nos, juntos. Essa comunhão é muito poderosa. Fico sempre perplexa, e um pouco preocupada, com o facto de poder estar em todo o mundo, em todas estas cidades diferentes, e olhar para todos estes rostos e saber muito bem que estas pessoas vivem na mesma cidade ou vila, as hipóteses de serem amigas umas das outras são tão grandes, mas simplesmente não são. Isso, para mim, é que é uma perversão. Porque é que não existe uma realidade onde todos se congregam? E dizem: “Hi, my name is Jane." “And my name is Bill, what's up?” “Let's get to work!” Percebes o que quero dizer? Que seja um trabalho divertido e alegre, vamos parar este comboio que está a sair fora dos carris.
Nós mulheres somos boas a criar esses laços.
Isto afecta-nos muito a nós, mulheres, o ódio contra nós é tão grande, porque representamos uma ameaça. Assim que ganhemos algum poder neste planeta, as merdas acabam. Eles sabem muito bem que nós vamos proteger tudo: o ambiente, as pessoas, todas as causas, também através da religião, por isso temos sido brutalizadas e afastadas. Eles sabem disto, não são estúpidos, são apenas cruéis e egoístas e criminosos. Mas também há muitos que apenas não são inteligentes. E depois existimos nós. Eu acredito que existem três tipos de pessoas: as cruéis, as estúpidas e, depois, nós. Como disse a Patti Smith, quando a conheci, da segunda vez que a vi, era tão jovem, não estava com vontade de levar com aquelas merdas todas, mas ela disse-me: é a nossa responsabilidade, como artistas, de continuar a fazer certas coisas através da nossa arte. Para nos conectarmos com uma energia divina e uns com os outros. Todos temos essa energia dentro de nós, temos de aprender a alimentá-la e fazê-la crescer.
(a chamada cai)

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