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Elvira Fortunato: "As mulheres, embora existam em maior número, não chegam a posições de chefia"

Cientista, investigadora e professora catedrática, Elvira Fortunato é especialista pioneira na electrónica de papel a nível mundial e é também a nova Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Com uma voz pragmática e um discurso claro, lemos-lhe no rosto a responsabilidade dos milhões que angaria para a Ciência e a felicidade que tem no seu trabalho. Recordamos a entrevista realizada pela Máxima após ganhar o Prémio Pessoa 2020.

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22 de julho de 2019 às 07:00 Rita Silva Avelar

Natural de Almada e licenciada em Engenharia Física e dos Materiais, em 1987, Elvira Fortunato é uma das cientistas portuguesas mais premiadas. Nascida em 1964, Fortunato é atualmente vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, onde também lecciona. À frente do Centro de Investigação de Materiais pertencente ao Laboratório Associado i3N, ganhou a bolsa do Conselho Europeu de Investigação (com o valor máximo de 3,5 milhões de euros) atribuída pela primeira vez em Portugal, em abril deste ano. Trata-se de um projeto relacionado com a utilização de materiais e de tecnologias sustentáveis, um dos temas mais discutidos no mundo, na atualidade, dada a urgência da problemática ambiental. Na linha da frente da revolução eletrónica do papel, Elvira Fortunato criou com o marido, o cientista Rodrigo Martins, o primeiro transístor de papel. Em 2010 foi distinguida com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República devido às suas conquistas científicas. Entre os vários prémios que já recebeu destaca-se a Medalha Blaise Pascal para a Ciência dos Materiais, atribuída pela Academia Europeia de Ciências em 2016.

O que a levou a estudar Engenharia dos Materiais, algo pouco comum entre as mulheres?

Eu sempre quis ser engenheira, mas existiram várias coincidências. [O curso de] Engenharia de Materiais era uma engenharia nova quando eu entrei para a Universidade. Era um curso que tinha apenas um ou dois anos e simbolizava o futuro. Se pensarmos bem, os materiais são a base de tudo, hoje em dia.

O curso foi aquilo que esperava?

Surpreendeu-me pela positiva. Por isso, ainda lá estou. Há muitos tipos de materiais… Estuda-se desde os materiais poliméricos aos plásticos, metálicos, cerâmicos… Fica-se com uma abrangência grande de todos os tipos de materiais. Contudo, a minha área de especialização foi mais na parte da Microeletrónica e dos materiais semicondutores aplicados a essa área. Aprendi imenso e isso motivou-me.

O que a cativou na eletrónica de papel em que se tornou uma especialista pioneira a nível mundial?

A base do laboratório [onde investigo] é a aplicação de materiais. Trabalhávamos muito em eletrónica flexível, de baixo custo. Ora, o papel é um material flexível e que podemos adaptar. Tendo nós tecnologias amigas do ambiente e fazendo estes materiais à temperatura, o processo era compatível com a utilização de papel. Porque não utilizá-lo como um material de eletrónica? Fizemos o primeiro transístor de papel. Temos tido imensos projetos, visibilidade e o número de aplicações é muito grande, nomeadamente nas embalagens inteligentes. Podemos fazer o tracking das embalagens com um baixo custo! É muito inovador.

Qual é o maior desafio de se ser investigadora, em Portugal?

Sem dúvida, nunca desistir! E trabalhar muito. Pelo menos é o meu [desafio].

Investiga e também lecciona na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Como surgiu a paixão por ensinar e passar o seu legado?

A função de um professor universitário é transmitir o conhecimento, acima de tudo aquele que é emergente, que está neste momento a ser feito em termos internacionais. Isso é extremamente importante e, por isso, dá-me imenso prazer dar aulas, transmitir esses conhecimentos aos meus alunos e tentar cativá-los para a área da investigação.

Como são os alunos de hoje?

Muito informados. Podem, alguns deles, não vir tão bem preparados, claro... Um professor tem de chegar a todos eles e de saber ensinar os que estão preparados e os que não estão. E, acima de tudo, motivá-los. Hoje devemos tirar partido das novas tecnologias e utilizá-las cada vez mais no ensino porque não são os alunos que vão deixar de usar telemóveis ou iPads… São os professores que vão ter de se adaptar e utilizar outras metodologias de ensino.

Qual é a maior motivação que se pode dar aos jovens investigadores, seja na área da Saúde, da Ciência ou em qualquer outra área?

Nunca desistirem e seguirem sempre os seus sonhos. E, acima de tudo, fazerem sempre o que gostam. Quando fazemos uma coisa de que gostamos é sempre mais positivo do que quando se faz algo fora da nossa vocação.

No ano passado tornou-se vice-reitora da Universidade Nova. Como abraçou esta missão?

A minha área na Reitoria é na área da Investigação. Geograficamente, a Universidade Nova está em várias zonas e eu própria desconhecia um pouco a minha universidade. Estando na Reitoria, estou a conhecer muito melhor a minha "casa" e a tentar com que, dentro da investigação, áreas que não se conhecem se passem a conhecer. Hoje, cada vez mais a inovação surge do cruzamento de áreas diferentes. É importante cruzar-se a área da Economia com a da Saúde, com a das Engenharias. Pela primeira vez, realizámos o Dia da Ciência na Nova [no dia 10 de setembro deste ano], convocando todos os centros de investigação para que os investigadores falassem daquilo que fazem.

Há ainda um desequilíbrio no reconhecimento do prestígio das mulheres na investigação?

Em Portugal, há muitas mulheres a investigar. Contudo, aquilo que se verifica é que as mulheres, muito embora existam em maior número, não chegam a posições de chefia. Por acaso, a Universidade Nova foi convidada para integrar um projeto europeu sobre igualdade de género. Apresentámos soluções para que, pelo menos nas universidades, a igualdade de género seja uma realidade. Estou muito contente porque foi um dos primeiros projetos que levei a cabo como vice-reitora.

Na área da investigação, quais foram os progressos mais decisivos dos últimos 30 anos?

A internet, sem qualquer dúvida. À distância de um clique podemos estar a par do conhecimento, até em regiões menos desenvolvidas. Portanto, há uma maior democracia da Ciência com a utilização da internet. A informação é muito importante.

Foto: Pedro Ferreira
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