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A primeira vez, outra vez: o sexo após uma separação

Que medos, inseguranças e preconceitos podem surgir quando se volta a ter sexo após uma separação, um divórcio ou uma viuvez? A situação é mais difícil para as mulheres por estarem mais forçadas a ditames culturais sobre a juventude, a idade madura e o corpo.

Foto: Andrea Piacquadio / Pexels
30 de abril de 2020 às 16:12 Pureza Fleming

É possível que a maioria das mulheres se lembre da sua primeira vez. Da sua primeira experiência sexual, digamos assim. Afinal é nesse preciso momento que a candura que caracteriza a idade da inocência fica para trás. Tal como a ingenuidade que tão bem retrata a infância e que em tudo difere da idade adulta. E então uma nova etapa começa, garantindo ser uma viagem com bilhete de ida e que se estende para o resto da vida. Sim, é provável que também qualquer pessoa se recorde, com ternura e com carinho, da sua primeira vez como se tivesse sido ontem. O "nervoso miudinho" que antecede o grande momento, misto de excitação e, claro, de medo – o medo de não se corresponder às expectativas do parceiro, o medo de não se perceber muito bem o que é preciso fazer, não fazer ou como fazer –, não entendendo que tudo flui naturalmente. E é tudo normal. Afinal, não é todos os dias que se ganha o carimbo de "sexualmente ativa". E, numa primeira vez, está tudo certo. Aquilo que ninguém nos diz é que pode acontecer ter de se passar por essa primeira vez, outra vez. Após um divórcio, uma separação, uma viuvez, uma operação cirúrgica… O problema é que nessa segunda vez, que é como se fosse a primeira, já não se tem 18 anos. Nem um corpo de 18 anos. Nem a rebeldia dos 18 anos. Nessa segunda vez, que pode assumir contornos como se fosse a primeira, já se carrega uma enorme bagagem, vários vícios e incontáveis traumas, hábitos e manias. Ou, por outras palavras, já se carrega uma vida.

Sara tem 49 anos e, neste momento, fala comigo com um invulgar sorriso no rosto, daqueles em que até os olhos sorriem. Está apaixonada. Está, finalmente, apaixonada. Mas apressa-se a passar uma borracha nessa alegria desmedida como se o racional fosse chamado à conversa e diz-me, enquanto conversamos acerca da sua mais recente relação: "Está a ser bom. Diria que está a ser maravilhoso. Mas [aquele mas que irrompe da razão só para colocar as emoções no seu devido lugar] procuro viver um dia de cada vez e apenas aproveitar o lado bom disto." Estamos perante as ressalvas… As famosas cláusulas que impõem quem vai numa segunda volta da vida amorosa e sexual. E explica-me tudo. Sara esteve a viver com a mesma pessoa ao longo de 15 largos anos. Conheceram-se na faculdade e foi a partir desta que juntaram os trapos e que fizeram tudo aquilo que se faz com 23 e 24 anos: compraram uma casa a meias, compraram um carro a meias e fizeram tudo a meias – menos filhos. E tiveram, assegura-me, "uma relação saudável e feliz". Nunca precisaram de ir procurar conforto, nem emocional nem sexual, a terceiras ou a quartas pessoas. Até que a vida se começou a impor. Sara conta-me que no decorrer dos últimos três ou quatro anos da relação as coisas começaram a desabar. "Eu encontrava-me num processo de autoconhecimento. Sentia-me mais segura, firme e alinhada. Ele, por sua vez, estava cada vez mais desvairado. Não tinha horários para nada… As nossas vidas deixaram de se cruzar e o tempo que passávamos juntos não tinha qualidade nenhuma." Elucida-me que descobriu, posteriormente, que o seu parceiro andava a consumir cocaína. Irrompem, então, as devidas consequências: "Foi a degradação total. Ele estava totalmente tresloucado e a primeira coisa a ser afetada foi, naturalmente, a nossa vida sexual. Ele não tinha interesse, nem sequer capacidade, para nada." Este foi o fim da relação, a par do início de um grande drama. É que ao the end de uma relação de 15 anos, Sara ainda teve de assistir, cerca de um ano depois, à morte da mãe: "Não fiz nem o luto da relação, nem o luto da morte da minha mãe. Foi um período de grande sofrimento e que eu não conseguia suportar." Revela-me que, literalmente, adiou o luto: "Foi tudo adiado. Eu não queria sofrer mais. E assim se passaram três anos em que vivi em autogestão: trabalhava, ia para casa, de vez em quando estava com amigos e chorava muito. Não fazia nada por mim. Vivi arrastada pela rotina e sentia-me completamente isolada." Até que Sara resolve começar a reequilibrar-se. Decidiu estudar design de moda e, com este curso, um novo alento e um objetivo que a faz melhorar a sua autoestima. Com o fim do isolamento, novos rostos: "É então que começam a surgir uns ‘namoricos’, mas nada de especial. Na verdade, estive com três pessoas desde que me separei [em 2007], até ao dia de hoje." Então e o sexo? O sexo como se fosse a primeira vez é a questão que lhe coloco. Confessa-me que com os primeiros dois "namoricos" não se sentiu insegura. "Porque não era nada sério" [ri-se]. Agora [com o novo amor], sim, é a grande dificuldade." Vamos definir o que significa ‘agora’: relembro a leitora do sorriso no rosto de Sara que descrevi inicialmente. A frente de um rosto apaixonado e a acompanhar uma pesada carga de medos e de inseguranças típicos de quem já amou, já chorou e já sofreu à custa disso.

Vânia Beliz, sexóloga, psicóloga clínica e da saúde, confirma estes medos: "Quando se está afastada por muito tempo, a mulher habitua-se a muita coisa. Habitua-se a estar sozinha e, muitas vezes, mete na cabeça que nunca mais vai encontrar alguém. Quando encontra, é natural que surjam imensos medos: medo de não dar certo, medo de ser deixada, medo de se apaixonar. Quando acontece algo de mau temos receio que isso aconteça novamente. E a ansiedade que surge pode bloquear e refletir-se principalmente na vida sexual." Sara consente, relembrando as primeiras vezes com este seu novo amor: "Quando chegámos à parte da cama foi um horror. Eu tremia dos pés à cabeça. Tudo corria mal. O princípio foi realmente drástico [risos]." A sexóloga clarifica que qualquer novidade traz diferenças na relação. E acrescenta: "A adaptação à nova pessoa demora o seu tempo. É importante que se evite as comparações, pois existe sempre um período de conhecimento e de ajustamento ao novo parceiro."

Catarina Mexia, terapeuta de casal, adianta que quer nos homens, quer nas mulheres, o medo da rejeição é aquele que está mais presente no âmbito de uma relação pós-divórcio ou do luto. E clarifica: "O final de uma relação acarreta, frequentemente, questões relacionadas com a autoestima e envolve sofrimento. Em simultâneo, existe também a questão de a mulher se ver como interessante. Ou seja, depois de tanto tempo dedicada a um só homem, a uma família em que, muitas vezes, o papel de mãe se sobrepõe a todos os outros e sendo que também tem como referencial uma época em que era mais jovem, as questões da aceitação, de não se ver como pessoa desejável, influenciam a forma como a mulher se disponibiliza para novas relações." A sexóloga Vânia Beliz solidifica esta questão: "No caso da sexualidade da mulher, a autoestima é o mais importante. Sentir-se desejável é diferente do que sentir-se desejada. A mulher sentir-se desejável é saber que é excitante aos olhos do outro. Quando a autoestima é baixa isto não se sucede. E, acima de tudo, vai ser sempre diferente se for aos 30 anos ou aos 50." Além das consideráveis mil e uma questões da autoestima, surge o peso psicossociológico acerca do que deve ser o comportamento de uma mulher e que ainda se faz sentir de forma acentuada – ou assim assegura a terapeuta de casal acima citada. "É frequente as mulheres conseguirem aceitar que podem ter mais do que um homem na sua vida e que a opinião de terceiros não pode ditar a sua disponibilidade. Já os homens expressam menos dificuldades. Socialmente é esperado que rapidamente reiniciem a sua vida sexual, o que funciona como motivador interno. Contudo, o medo da rejeição e a insegurança podem condicionar a performance sexual." No caso de um luto por morte de um cônjuge, acrescenta-se ainda a sensação de traição à dificuldade em voltar para um relacionamento. Vânia Beliz assegura: "Há quem não consiga voltar a ter um parceiro devido a crenças e à sociedade em que a mulher está inserida. O luto numa aldeia é diferente de um luto feito pela mulher que vive na cidade. E depende também da família em que a mulher está inserida que, muitas vezes, pode não aceitar que a mulher tenha um novo parceiro." E remata: "Muitas vezes, são os próprios filhos os grandes impeditivos das novas relações. Algumas mulheres só assumem uma nova relação depois do aval dos filhos. Existe, inclusive, um tipo de mulher que não consegue manter relações sexuais porque acredita que ‘está a ser vista literalmente pelo falecido parceiro’."

Tanto aquela sexóloga como a terapeuta de casal enfatizam a importância do período de luto. Se a pessoa não faz o luto pode entrar em depressão e é então que a coisa se complica. À falta de apetite sexual acresce, muitas vezes, a necessidade de se tomar medicação para uma possível depressão. Esta, por sua vez, inibe o desejo. A resposta sexual sofre ainda mais alterações e o modelo trifásico – desejo, excitação e orgasmo – é fortemente afetado. Enveredar por uma primeira vez, outra vez, pode e deve ser encarada como uma "oportunidade de se redescobrir o que dá prazer no sexo", garante aquela terapeuta. E mantém: "Se a anterior relação já estava muito marcada por estereótipos, vícios de relacionamento e automatismos, em que muitas vezes a mulher se queixa de ter perdido o prazer no sexo, esta é uma oportunidade para perceber o que lhe dá prazer." A recém-enamorada Sara garante que, apesar dos medos das primeiras vezes, a ‘coisa’ agora tem melhorado substancialmente: "Está bom. Ótimo. Maravilhoso!" E os olhos quase lhe saem das órbitas de tanto luzirem. Os chineses têm na palavra "crise’’ o significado de "oportunidade" e de "ponto de mudança’. É que após a tempestade vem sempre a bonança. E nestes casos específicos, uma bonança abonada de libido e de excitação. Qual primeira vez…

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