A maldição do escorpião da Shein
Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.
A julgar pelo merchandising, a campanha presidencial de Donald Trump mais parece uma manobra de relações públicas para lançar um filme de super-herói de quinta categoria. Estilo Homer Simpson vestido de Everyman, só que em vez de uma capa encarnada de justiceiro, Trump tem uma gravata demasiado comprida. É possível que sirva para laçar imigrantes ilegais, como se fossem vacas tresmalhadas. O que é, de resto, uma excelente ideia para um reality show – O Aprendiz de Cowboy Super-Herói Que Salva Cães e Gatos do Churrasco. Certo é que o material publicitário do candidato, que começou com uns inocentes bonés com o slogan Make America Great Again bordado, acaba de atingir um nível nunca antes visto, com o lançamento de um turbilhão de ouro maciço e 122 diamantes. E por turbilhão não me estou a referir à personalidade instável do ex-presidente. É mesmo relógios aquilo que Donald Trump anda a vender. Quem estiver interessado só tem de entrar no site elegantemente designado por GetTrumpWatches.com e terá oportunidade de ver um vídeo onde o candidato apresenta o seu novo Trump Victory Tourbillon – uma edição limitada a 147 peças e que pode ser sua pela módica quantia de 100 mil dólares. Felizmente, há um vídeo porque como Trump não consegue dizer "tourbillon" o apoio visual ajuda bastante.
Jornalistas maldosos – como se houvesse outro tipo – já andaram a investigar e garantem que, apesar de o relógio dizer "Swiss Made" no mostrador, as peças do turbilhão vêm da China e são depois montadas por uma empresa chamada TheBestWatchesonEarth LLC, sediada em Sheridan, no Wyoming. O que esta gente não entende é que "Swiss Made" não significa "feito na Suíça", mas "feito por um suíço". Provavelmente um pobre relojoeiro idoso, oriundo de Basileia, que Trump pediu aos Serviços Secretos para enfiaram num porta-bagagens, da última vez que esteve na Europa. Sinal indesmentível de uma verdadeira mente empreendedora e que consegue prever o negócio que há-de vir.
Ao mesmo tempo, não deixa de ser estranho que os conservadores evangélicos estejam tão apostados em votar no vendilhão do templo, mas quem sou eu para apontar incongruências? De qualquer forma, quando entrou no Templo de Jerusalém, Jesus Cristo, certamente, não viu nenhum cascabulho dourado, tão amarelo e resplandecente que quase cega uma pessoa, ou teria pensado duas vezes antes de espatifar a banca. "Tu transformas água em vinho, ó salvador? Pois olha, aqui a nossa luminária republicana a vender relógios 'Swiss Made', feitos no Bible Belt com rodas dentadas compradas numa loja de esquina em Guangzhou. Queres mais omnipresente que isto? Toma e embrulha, ó nazareno! Mas agora desembrulha e dá cá para a gente vender que só há 147." Deve ser mais ou menos isto o que passa pela cabeça de um cristão evangélico quando vê Trump a vender bugigangas extorsionárias.
E agora, a propósito de Bible Belt, a verdade é que não é a primeira vez que Donald Trump vende coisas inusitadas. Talvez o leitor se ache uma pessoa muito erudita por ter em casa a nova tradução da Bíblia grega de autoria do professor Frederico Lourenço, mas sabe o que é que eu posso já apostar que essa sua edição não tem? Desenhos de águias, fotografias do Capitólio e uma capa estampada com a bandeira dos Estados Unidos. Quem mais do que Donald J. Trump se sairia com uma maravilha destas? E, como se não bastasse, arranjou uma maneira infalível de pôr as pessoas a ler a Bíblia do início ao fim: ao que parece, as folhas são pegajosas, portanto, é uma Bíblia que foi buscar ao camaleão a melhor forma de apanhar presas, perdão, crentes.
O que eu gostava de saber é por que razão Salazar nunca mandou fazer uma Bíblia com o Castelo de Guimarães, o Mosteiro dos Jerónimos e a Esfera Armilar. E se é uma questão de águias, o Benfica também tem uma. Até podia ser como aqueles postais de aniversário que tocam uma musiquinha. Uma pessoa abria a capa e tocava o hino nacional, e se abrisse a contracapa tocava a ronca da barra, que era para uma pessoa saber que estava a abrir pelo lado errado. Até porque qualquer bom cristão sabe que é muito mau pegar nas coisas por trás.
Enfim, é lamentável pensar em todo o dinheiro que se perdeu por falta de espírito mercantilista dos líderes políticos. Aqui, em Portugal, já não espanta ninguém, mas nos Estados Unidos, que é um país empreendedor, até custa a crer. Então, o Nixon não podia ter desenvolvido uns kits de espionagem para as crianças irem brincar ao Carnaval? O George Bush pai não podia ter vendido chapéus de cowboy com o apelido Bush bordado? E quem diz chapéus de cowboy diz cuecas de senhora. E o filho não podia ter lançado uma marca de bourbon? Make America Drunk Again – é que nem era preciso publicidade para vender uma maravilha destas.
A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.