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As implicações de uma segunda presidência de Donald Trump nas vidas das mulheres

Quatro estados ainda não divulgaram os resultados, mas não faz diferença. Trump já tem 277 votos eleitorais, mais sete do que os que precisa para regressar à Casa Branca. O Senado está garantido e, para já, também tem maioria no Congresso. Uma onda vermelha que ameaça cair em cima das mulheres liberais.

Foto: Getty Images
06 de novembro de 2024 às 12:53 Madalena Haderer

Uma onda vermelha. É isso que parece ter atingido os Estados Unidos da América. Kamala Harris ainda não concedeu a vitória ao adversário, porque os resultados ainda não estão fechados, mas Donald Trump já a aceitou, às 7h30 de Portugal, 2h30 da Florida, onde estava o seu quartel-general, num discurso em que disse que vai "curar o país", para, pouco depois, louvar as capacidades do seu vice-presidente, J.D. Vance, para "obliterar" o adversário – referia-se às cadeias de televisão e meios de comunicação mais críticos do seu desempenho, mas é de supor que estes sejam compostos também por eleitores, aqueles que ele pretende unir.

De acordo com os dados mais recentes, Trump tem 277 votos eleitorais quando 270 são o que qualquer dos candidatos precisa para ser eleito. Kamala, até ao momento, tem 224. Em 2016, Hillary Clinton perdeu apesar de ter mais votos (no sistema eleitoral norte-americano, o partido que ganha em cada estado fica com a totalidade dos votos, numa lógica de "o vencedor ganha tudo" que não tem em conta a proporcionalidade), este ano, para já, não é isso que está a acontecer: de acordo com o The New York Times, Trump tem, neste momento, quase 71 milhões de votos, Kamala tem quase 66 milhões. O candidato republicano conseguiu os votos de quase todos os estados decisivos, com excepção da Califórnia. 

Para além da presidência, o Partido Republicano conseguiu a maioria no Senado, tendo já confirmados 51 dos 100 possíveis, pondo fim a três anos de controlo democrata. Para controlar o Congresso são precisos 218 lugares e, para já, os Republicanos detêm 196 face aos 176 dos Democratas. Aqui, a corrida está bastante renhida e é possível que sejam necessários vários dias até que se chegue a uma conclusão definitiva sobre quem controla esta câmara. 

Se, como os resultados indicam, o Partido Republicano vencer a presidência e o controlo do Senado e do Congresso, Trump tem carta branca para o que quiser fazer, desde abandonar a Ucrânia à sua sorte, dar mais apoio a Israel, pôr um ponto final no esforço para combater as alterações climáticas, deportar imigrantes com impunidade e ligeireza – isto, do ponto de vista da política externa que, diga-se, não é o que mais interessa ao eleitorado republicano.

Do ponto de vista da política doméstica, ao longo do seu primeiro mandato, Trump foi extremamente crítico dos meios de comunicação, fazendo uma divisão clara entre aqueles que o apoiavam e aqueles que faziam bem o seu trabalho de cão-de-guarda do poder – é possível que neste segundo mandato a liberdade de imprensa conheça novos limites e constrangimentos. Também o direito das pessoas de se manifestarem poderá estar em risco. Desde os protestos judiciais e raciais que se seguiram à morte de George Floyd, morto pela polícia em 2020, os estados republicanos expandiram as suas lei anti-protesto e Trump já prometeu enviar a Guarda Nacional para sítios onde a "lei e ordem" estejam em risco – ou seja, é possível que haja uma ampliação dos Estados Unidos enquanto estado policial. Outra preocupação será a possibilidade de aumento da violência com armas de fogo, uma vez que – apesar de ter sido vítima de uma tentativa de homicídio – Donald Trump não deu qualquer indicação de querer limitar, controlar ou regular o acesso a armas, um direito que está consagrado na Constituição e que é muito querido dos republicanos, apesar de todos os anos morrerem milhares de pessoas – e muitas crianças nas escolas – vítimas de tiroteio.

Onde é que esta vitória deixa as mulheres e as mulheres trans? À partida, as suas vidas não vão ficar mais fáceis – excepto para as que encaixem nos padrões republicanos, conservadores e evangélicos, o que põe logo de parte as trans (a boa notícia é a eleição da democrata Sarah McBride, a primeira congressista trans). No seu primeiro mandato, Donald Trump baniu as pessoas trans de se alistarem no exército e, durante a campanha, prometeu uma política ainda mais agressiva contra a comunidade LGBTQ+. O então candidato republicano fez um esforço considerável para atrair o voto dos eleitores latinos que, na sua maioria, abominam o wokismo e as questões relacionadas com a identidade de género pelo que, por uma vez, há esperança de que as promessas eleitorais tenham sido só conversa e que não se traduzam numa política concertada de perseguição e exclusão. 

Para além disso, especialistas em justiça acreditam que Trump poderá ameaçar a igualdade de homem e mulher dentro da instituição do casamento – os seus apoiantes evangélicos gostariam de ver desaparecer a figura do divórcio sem culpa, ou seja, a vontade (principalmente da mulher), sem nenhuma outra justificação ou motivo, deixaria de ser suficiente para avançar com um processo de divórcio, ficando a pessoa obrigada a provar que houve violência, traição ou abandono marital. 

Por último, há a grande questão da limitação ao acesso ao aborto. Dez estados aproveitaram esta eleição para levar a votos leis que protegem o acesso ao aborto para os seus cidadãos, independemente de quaisquer limites impostos ou sugeridos pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Em seis estados – Nevada, Arizona, Colorado, Maryland, Missouri e Nova Iorque – essas medidas foram aprovadas, em três – Florida, Dakota do Sul e Nebraska – foram repudiadas e no Montana ainda não se conhecem os resultados. Independentemente da boa vontade dos governos estaduais, isso pode não ser suficiente uma vez que a vitória de Trump – juntamente com um Congresso e um Senado republicanos e uma maioria de juízes conservadores no Supremo Tribunal – pode abrir o caminho para restrições federais, que se sobrepõem às estaduais.

Pouco antes das eleições, Melania publicou as suas memórias homónimas onde defende, abertamente, o direito de uma mulher a tomar as suas próprias decisões sobre o seu corpo, um exercício de liberdade que deve ocorrer com a ajuda do seu médico e sem qualquer intromissão do Governo. Será interessante ver, nos próximos anos, o que acontece a essas páginas da autobiografia da novamente primeira-dama.

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