Viajar é o sonho da maioria dos portugueses, sobretudo daqueles com menos de 50 anos. Mas há quem queira, pague inclusivamente o bilhete, mas não consiga partir. Sofrem de formas graves ou atenuadas de hodofobia, um medo irracional de viajar.
Teresa, 26 anos, infelizmente sabe bem o que a palavra quer dizer. Todos os anos se apaixona pelo catálogo das viagens, todos os meses jura que é desta, o ano passado chegou mesmo a comprar passagem, convencida de que seria incapaz de atirar fora o dinheiro, mas foi exatamente isso que aconteceu. "Obriguei-me a combinar partir com um grupo de amigos, decidimos ir de autocarro, paguei o bilhete, marquei os hotéis, convenci-me de que assim não teria coragem de desmarcar tudo, mas enganei-me. Enganei-me sobre mim própria, sobre o poder desta fobia", conta.
Estava mais do que entusiasmada até dois dias antes da data, mas subitamente começou a tremer dos pés à cabeça, as palmas das mãos suadas, sentindo uma ansiedade que a impedia de respirar. Fechava os olhos e via o autocarro a embater ou a cair por uma ribanceira. Inspirava fundo e dizia a si própria que era absurdo, mas a angústia não se ia embora. Pensava em acidentes, em doenças para as quais não havia hospital, em terroristas e em todas as tragédias possíveis e imaginárias. Na noite anterior, foi vinte vezes à casa de banho, a barriga às voltas, enrolou-se no edredão, escondeu a cabeça debaixo da almofada e implorou à mãe que ligasse aos amigos a dizer que estava doente, que não podia ir. Nada a dissuadiu e Teresa sentiu-se a pessoa mais infeliz do mundo. "Desprezei-me, tive raiva de mim própria, e mal soube que os outros tinham partido, começou-me de novo a apetecer ir... a sonhar com aquela praia ao sol que renegara. Foi um dos meus irmãos que insistiu comigo para que me tratasse. ‘Os doentes procuram ajuda, e ninguém pode duvidar que tens um parafuso a menos’, disse-me, sem qualquer compaixão", relata, agora a rir.
O psicoterapeuta que consultou disse-lhe pela primeira vez que sofria de hodofobia, uma palavra que vem do grego, sendo que hodo significa viajar ou estrada, e explicou-lhe que as fobias resultam de uma mistura bombástica entre experiências traumáticas, medos ancestrais que todos temos e... fatores desconhecidos, mas que o importante era conseguir desmontar este medo que a paralisava. Conversaram durante algumas sessões, confrontaram estatísticas, mas concluíram que Teresa limitava-se afinal a dar continuidade ao medo da mãe. "Não sei como é que não relacionei as duas coisas, mas não relacionei. Quando me comecei a lembrar, a procurar dentro de mim razões para este medo, recordei como a minha mãe nos enchia de recomendações sempre que íamos com o meu pai até à terra dos meus avós (nunca me perguntei porque não ia!). Ou quando começámos a sair sozinhos, adolescentes, e fazia uma fita sem fim por coisas absurdas como andar de metro ou mesmo atravessar a grande avenida próxima de casa. Sabia que ela ficava muito tempo em casa, que apontava sempre o desastre ou a tragédia na televisão, mas nem me passou pela cabeça que fosse porque tinha medo de sair à rua – quando depois destas consultas lhe perguntei diretamente, reconheceu que lhe passavam coisas más pela cabeça, que preferia o conforto do bairro conhecido. Provavelmente, sem que conscientemente entendesse o que se passava, fui contagiada por esta ideia de um perigo iminente, vindo não se sabe bem de onde, e de que só o lar doce lar nos protege."
O medo protege-nos... até certo ponto
O nosso cérebro é uma máquina de avaliar riscos e o alerta soa, habitualmente, antes sequer de racionalmente termos entendido o que está prestes a acontecer. Damos um salto para o lado, ao ouvir um sibilar de cobra, temos mais medo de uma aranha do que de pôr o pé no acelerador e congelamos perante um estrondo inesperado. São formas de reagir que foram muito úteis à sobrevivência dos nossos antepassados e que, embora de pouco nos sirvam hoje em dia, continuam a desencadear os mesmos mecanismos de alerta.
A psiquiatra Maia Szalavitz, especialista em medos, explica que o medo acorda o nosso cérebro primitivo, aquele que age rapidamente e "sem pensar", levando-nos a reagir antes mesmo de termos tomado consciência da situação. E como o medo fortalece a memória, a catástrofe, o terramoto, o ataque terrorista ficam gravados a ferro e foto, o que nos leva depois a sobrestimar a probabilidade de voltarem a acontecer. Como ainda por cima os media amplificam o efeito, mais gravado fica. "Quando mais vemos, mais banal pensamos ser, mesmo que na realidade estejamos a observar as mesmíssimas imagens, vez após vez", comenta.
E dá um exemplo: após o ataque terrorista às Torres Gémeas, um milhão e meio de pessoas alteraram os seus programas de férias, cancelando viagens de avião e preferindo deslocar-se de carro. Um estudo estimou que, naquele período, morreram mais mil pessoas na estrada. O que significa que aquela opção objetivamente irracional teve uma fatura bem pesada para mil pessoas, que teriam feito melhor em manter o meio de transporte original.
Não são as únicas armadilhas do nosso cérebro ainda pouco adaptado aos riscos modernos. Cérebro que, por exemplo, dá mais atenção ao imediato do que ao longo prazo (o que nos leva a ter medo do cancro e a não nos acautelarmos contra as doenças de coração, que matam muito mais), a petrificar-nos quando vemos um carro a vir ao nosso encontro, porque na selva permanecer imóvel é a melhor maneira de enganar o predador...
Estratégias para vencer o medo
Confrontar o que nos mete medo e perceber que lhe sobrevivemos é das terapias que funciona com mais eficácia. Mas para alguém que sofre realmente de uma fobia o consiga fazer é preciso dar-lhe umas bengalas, pelo menos para os primeiros tempos. Joana, por exemplo, tinha pânico de voar, fez um curso para vencer o pânico numa companhia de aviação e garante que resultou.
"Conhecer, perceber como é que tudo funciona, ajuda. Estes medos resultam do receio que nos provoca não termos o controlo das situações, e quando descobrimos como num cockpit está tudo previsto, que há quem já tenha pensado em como reagir a cada um dos nossos pesadelos, sentimo-nos mais seguros", explica. E depois sorri: "Embora é claro que de cada vez que há uma tragédia, como aconteceu com o piloto dos Alpes, percebemos que no limite só o nosso anjinho da guarda nos pode proteger e mesmo esse precisa de ser capaz de viajar à velocidade a que viajamos."
O que tanto Teresa como Joana garantem é que, seja como for, planear ajuda. Aconselham a que, a princípio, viaje com alguém decidido e confiante e com quem não faça cerimónia. Apesar disso, sugerem que planeie a viagem cuidadosamente – marque passagens de avião, faça o check-in de casa, reserve o hotel e dê a si mesma muito tempo para cada etapa do percurso. "Se está num stress no trânsito, quase a perder o avião, é certo que vai desencadear um ataque de pânico. Por isso, vá adiantada, e se chegar cedo sente-se já na sala de embarque, e aproveite para arrumar a carteira ou a caixa de e-mails", diz Teresa.
Saiba antecipadamente o que a espera. "Hoje já não há desculpas. Através do YouTube consegue ver o quarto de hotel, a paisagem do sítio para onde vai, e se tem medo de ficar doente e não ter um hospital por perto, porque não dá uma volta no Google Maps para saber onde fica?", sugere Joana. E recorda: "Não conseguia dormir nada nas noites antes de partir, o que significava que ia estoirada, pronta a desatar a chorar em cada situação de stress. Passei a pedir ao médico um ansiolítico leve e durmo bem antes da aventura começar. Fez toda a diferença." Teresa aconselha: "A falta de hidratação provoca stress e confusão. Dava por mim com os pensamentos todos emaranhados, não conseguia ler as placas do aeroporto, o coração batia tão depressa que não conseguia ouvir os avisos de voo. Passei a beber e a comer com cuidado nos dias anteriores e a levar comigo uma garrafa de água no dia. E a evitar o café."
É claro que cada um terá de encontrar para si mesmo os truques para vencer as suas ansiedades, mas Teresa afirma que a "visualização" aconselhada pelo psicoterapeuta ajuda muito. "Fecho os olhos e imagino-me a chegar ao hotel, a fazer o check-in, a subir para o quarto. Da primeira vez que o fiz, tremia tanto que ainda bem que foi no consultório do psicoterapeuta. Mas percebi que se o fizesse várias vezes, visualizando as situações que ia enfrentar, depois quando as confrontava era mais fácil." Mas, juram ambas, o melhor antídoto é conseguir. A vitória sobre a fobia é inebriante, alimenta a autoestima e torna a partir daí tudo mais fácil.
Viajar sozinha ou não!
Depois de tantos filmes de mulheres que partem sozinhas para a Índia, amigas que contam como foi espantosa a aventura em África, ou em busca de ondas na Austrália, não admira que as mulheres que não têm coragem de se atrever ao mesmo se sintam complexadas. E se até há pouco tempo em Portugal tínhamos a perfeita desculpa do "A minha mãe não deixa", ou os casamentos em idade jovem impediam imediatamente o sonho de partir com uma mochila às costas, a verdade é que depois do Erasmus, do contágio com a realidade mais anglo-saxónica, e de cada vez mais mulheres se assumirem solteiras e independentes, tornou-se mais apetecível a ideia de viajar por conta e risco, sem apêndices. E os números revelam, de facto, que é de 54% a percentagem de mulheres residentes em Portugal a meterem-se num avião para umas férias fora daqui.
Se lhe apetece arriscar, mas não se sente muito confortável com a modalidade solitária, a sugestão é a de que procure um curso de surf, ou de escrita criativa, um retiro de yoga, uma oportunidade de aprender alguma coisa de que gosta, com a vantagem de ser automaticamente integrada num grupo de pessoas que têm logo à partida qualquer coisa de comum consigo. A estrutura organizada ajuda-a a tornar-se mais independente e autónoma, permitindo que um dia, caso mantenha a mesma vontade, possa partir sozinha e ao correr da vontade. Mas sem a ilusão de que tudo são rosas...