Exposições a não perder em setembro
Sugestões culturais que convidam a um bom passeio. Programas perfeitos para fazer a transição entre estações.
Conheci a Patrícia num Ashram – espécie de comunidade formada com o intuito de promover a evolução espiritual, frequentemente orientada por um líder religioso hindu –, no Norte da Índia, em Rishikesh. Situado no banco dos Himalaias, este pedaço de terra é também conhecido como sendo a capital mundial do yoga. Esta última designação faz de Rishikesh o Santo Graal dos fugitivos do Ocidente. Foi o caso de Patrícia Leme, de 44 anos, originária de São Paulo, bióloga e professora do ensino superior, e do marido, Cleber Chinaglia, de 47, engenheiro de materiais, que se instalaram neste Ashram, em setembro de 2017, onde acabariam por ficar até ao final desse ano, em regime de voluntariado. Mas a história não começava aí. "Decidimos largar tudo, em 2014. Já dava aulas na universidade há 16, 17 anos, fizera doutoramentos e mestrados e o Cleber estava a terminar a bolsa de pós-doutoramento… Sentimos que estávamos a precisar de uma pausa." A decisão, porém, não surgiu de um dia para o outro. Na realidade, haviam começado a planear a viagem com um ano de antecedência e já juntavam dinheiro desde há três. "Tínhamos um feeling que alguma coisa iria acontecer." Tomada a decisão e conversas feitas com os devidos patronatos Patrícia pediu uma licença sem vencimento na Universidade, doaram metade da casa (livros, CD, roupa, sapatos…) e partiram com uma mochila de 14 quilos. A preparação da viagem foi feita à precisão: estudaram os índices de violência dos países, assim como da felicidade, aqueles que melhor recebem os turistas e outros a evitar (como países em guerra) e ainda consideraram os países onde tinham amigos para visitar. No final, ficaram cerca de 20. Ao fim da primeira semana rasgaram os planos da viagem e cadernos: "Para quê estar a planear a viagem da nossa vida?", concluíram. "Queremos liberdade, queremos viver!" Entre África, Europa e Ásia, o que estava previsto para ser um ano transformou-se em 23 meses de viagem.
Soledade Carvalho Duarte, managing partner e caçadora de talentos da Invesco Transearch, aconselha que, na partida para um período sabático e no decorrer deste, não haja preocupações com o regresso a nível profissional: "Corre-se o risco de não se aproveitar devidamente o tempo de paragem e de se viver angustiado. Se se tomou a decisão de parar, então deve-se desligar das preocupações profissionais e remeter esse tema para o regresso. Há um tempo para cada coisa e a sabedoria está em reconhecer esses tempos e aproveitá-los devidamente. Preocupe-se em absorver o máximo desse período, aprender tanto quanto possa e integrar o que experienciou", conclui. A verdade é que a maioria das pessoas que pára por um período sabático acaba por mudar de ramo. Voltar ao Brasil foi, no caso de Patrícia, uma nova adaptação: "Já não éramos os mesmos", conta. "Foi duro chegar a casa, pois não nos identificávamos com nada. Sentíamo-nos hóspedes na própria casa – para quê tudo aquilo? Tantos móveis, aquela cozinha atulhada?" Uma a duas semanas a entranhar a estranheza e acabaram por vir à superfície as grandes aprendizagens e as decisões finais. "Entendemos que o sentimento de acolhimento vem de dentro e não de fora. Se estamos bem connosco, estamos bem em qualquer parte do mundo." Porém, a vida profissional do casal mudou. Apesar de ter mantido a vida universitária, Patrícia – que durante os meses em que esteve na Índia tirou cursos e formações de yoga e meditação – começou a dar aulas em casa. Desfazendo-se do desnecessário, abriu portas a novas experiências, ensinando pessoas a encontrar um pouco da paz e tranquilidade que trouxe consigo da Índia. Cleber, por sua vez, deixou o seu antigo trabalho e enveredou pelo mundo das massagens ayurvédicas. Fazendo um balanço dos 23 meses, Patrícia põe tudo no prato positivo. Além de mais segura e confiante do que era quando saiu do Brasil, aponta a ampliação imensurável da criatividade e do espectro da visão que acredita só acontecer quando se sai da zona de conforto. Planos para o futuro? Economizar para um dia repetirem a experiência.
Tempo para pensar
Não só de viagens de sonho se fazem as paragens sabáticas e os benefícios vão muito além. Soledade Carvalho Duarte considera ser a principal vantagem de um período sabático "o facto de se poder parar para pensar o que se quer da vida e atuar em conformidade para se ter uma vida organizada e alinhada com esses objetivos". Foi o que fez Tiago Lucena, de 36 anos, ex-publicitário. Tudo começou em 2008, altura em que a crise se instalava de forma mais agressiva e o mesmo ano em que Tiago se começava a sentir à beira de um burnout, fruto das exigências profissionais do trabalho: "Comecei a ver a sociedade e o sistema com outros olhos. Estava saturado do que fazia." O burnout tardou, mas chegou, e no final de janeiro de 2010 saiu da agência com um acordo nas mãos e um valor considerável nos bolsos. "Apesar da pressão social, o desemprego é das melhores coisas que esta sociedade tem para oferecer: tempo e espaço para pensar." Escassos meses depois, Tiago fez a transição da capital do país para a vida rural. Tinha 1.200 euros por mês para viver, o que, assegura, "era mais do que suficiente", mas o que mais valorizou nessa pausa foi o facto de poder repensar a sua vida. Ou melhor, a sua nova vida no campo. Nos meses seguintes visitou quintas, tirou cursos de permacultura, leu livros relacionados com a área e fez inúmeras formações. Tal como defende, a paragem permitiu-lhe ver "outras formas e possibilidades de viver que não a sociedade clássica que nos impingiram". Em menos de um ano interrompeu o subsídio para começar um novo projeto. Manteve-se na Comunicação, mas desta vez na área sustentável, com a qual se identificava. E com o novo trabalho, um novo entusiasmo. "Já na universidade tinha esta ideia de trabalhar uns anos em grandes agências para depois capitalizar o conhecimento para coisas mais humanitárias: um mundo mais equilibrado, igualitário e justo. Com o estilo da vida no campo sinto que comecei a contribuir para esta sociedade mais justa que defendo." Hoje, Tiago sente que está sempre a trabalhar, estando, em simultâneo, sempre de férias: "Não tenho propriamente férias, mas também não vivo na rotina a que a vida na cidade obriga. Tornei-me dono da minha vida."
Ready, Set, Go!
Tomar a decisão de se fazer um período sabático (temporário ou a longo prazo) não pode – ou, pelo menos, não deve – ser assumido de ânimo leve. Preparação em vários campos é essencial. Se, por um lado, aquele casal de brasileiros teve de juntar dinheiro, ao longo de três anos, porque o objetivo da sua paragem era correr o mundo, por outro lado, no caso do ex-publicitário, foi essencial o acordo com a agência que lhe permitiu uma "almofada financeira" e o direito ao subsídio de desemprego, fulcrais para quem quer começar do zero. Para quem o regresso ao mesmo trabalho é uma hipótese, Soledade Duarte assevera que a paragem "deverá coincidir com o final de um ciclo profissional, onde idealmente os desafios foram superados e se deixou uma marca clara, através dos resultados atingidos". E alerta para o facto de que o objetivo nunca deverá ser voltar para a mesma função. Explica que dependerá muito da empresa a possibilidade de readmitir o colaborador que saia para um período sabático: "Pelo que tenho acompanhado, é a própria pessoa que não quer voltar, pois quer fazer outra coisa num enquadramento diferente e com desafios diferentes. Às empresas, recomendo abertura para acolherem quem sai para um período sabático, pois se foi um colaborador que acrescentou valor na organização, quando regressar vai, seguramente, acrescentar ainda mais valor."
Viajar e mudar de vida são bons motivos para se fazer um período sabático, mas há outras opções mais modestas e que não implicam mudanças radicais: escrever o livro que se planeia, há anos, aprender uma língua estrangeira, trabalhar em voluntariado (mesmo no próprio país, pessoas a precisar de ajuda é o que não falta), fazer investigação, estudar ou, pura e simplesmente, viver! Para quem começa a questionar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, a paragem obrigatória pode ser a hipótese de se recuperar algum tempo perdido e apenas desacelerar.
Desafiar o desconhecido
Uma coisa é certa: o ser humano é avesso à mudança e tudo o que seja tirá-lo da sua zona de conforto é um handicap. "Somos limitados no nosso próprio potencial com a rotina", garante Patrícia. E continua: "O medo é a maior limitação. Olhar para si e saber reconhecer o incómodo que está a sentir nalguma situação (na Índia a ser enganada, por exemplo) é o grande desafio." No seu caso, conta que a nova forma de ver o desconhecido fez a diferença entre transformar a viagem num filme de terror ou na experiência mais incrível e transformadora da sua vida. Tiago Lucena, por sua vez, acusa o preconceito social face a quem está "desempregado" (ou a trabalhar fora do sistema como o conhecemos) como uma das maiores dificuldades que atravessou quando decidiu tirar um período sabático. "Nas cidades, os amigos questionam estas opções de vida. Há um medo generalizado de se sair do paradigma: estudas, trabalhas, tens filhos, compras uma casa e pronto! Mas a verdade é que parar para pensar durante uma rotina é impossível. Imaginar outras formas de viver e de estar, na azáfama do dia-a-dia, é pouco realista. Para pôr as coisas em perspectiva: parar é essencial", defende. Para a caçadora de talentos da Invesco Transearch, a situação é clara: "Um período sabático não serve para não estar a fazer nada! A isso chama-se muitas outras coisas: férias, inatividade ou, eventualmente, desemprego… Um período sabático é um tempo de paragem para fazer um balanço de vida, descobrir ou redescobrir o que é o essencial, realinhar propósitos e prioridades, recarregar baterias e preparar-se para o próximo ciclo. É verdadeiramente life-changing. Um período sabático é um tempo de fazer (muitas) coisas diferentes do habitual, é certo, mas de grande ‘ocupação’. Não são férias!" Na loucura que é a vida moderna, em que os dias são "curtos" e as muitas obrigações abafam os pensamentos, parar é ver com clareza e viver com sanidade. Já dizia José Saramago: "É preciso sair da ilha para ver a ilha.
Stefan Sagmeister e Ferran Adrià: génios adeptos dos sabáticos
Austríaco, com morada em Nova Iorque, Stefan Sagmeister é um dos mais importantes designers da atualidade. A prová-lo está o seu portfólio de onde fazem parte nomes como os The Rolling Stones, os Talking Heads, Lou Reed, Jay-Z, o Museu Guggenheim ou, em Portugal, a Casa da Música. A cada sete anos, o designer tira um ano longe das pressões profissionais para se cultivar. Já elegeu Bali, na Indonésia, e, em 2017, conforme contou ao Folha de São Paulo, tirou o ano para se dedicar ao tema da beleza. Adiantou ao jornal brasileiro que, além dos períodos de um ano, vai fazendo outras microparagens: uma hora por dia ou um dia por semana.
Ferran Adrià foi considerado o melhor chef do mundo pelo seu trabalho no aclamado restaurante catalão El Bulli – o mesmo onde, para se conseguir uma mesa, podiam ser precisos largos meses. Ferran Adrià, tal como o designer nova-iorquino, incluiu no sucesso dos seus pratos os meses de períodos sabáticos. Ou seja, pausas para estudar a fundo o complexo reino dos alimentos e a arte de cozinhar. Os bons resultados provam-se e comprovam-se à mesa e na coleção de prémios que lhe foram atribuídos.