Os livros da minha vida: A escolha de Gonçalo Cadilhe

Desafiámos alguns escritores portugueses a partilhar as suas escolhas literárias de uma vida. Conheça as de Gonçalo Cadilhe.

30 de abril de 2020 às 16:09 Rita Lúcio Martins

Poucos homens se poderão orgulhar de ter dado a volta ao mundo. Gonçalo Cadilhe deu várias: primeiro em 2002-2003, sem recorrer à boleia de aviões, depois em 2007, seguindo a rota de Fernão Magalhães e novamente em 2008, atrás das melhores ondas de surf, atividade que pratica desde cedo. Natural da Figueira da Foz, o escritor de 51 anos licenciou-se em Gestão de Empresas mas depressa percebeu que a sua vida não passava por estar encerrado entre quatro paredes. Em 1993, começou a viajar de forma profissional sendo autor de vários livros e documentários televisivos.

Catedral, de Raymond Carver (Quetzal)

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Para lá dos instantâneos de vidas banais e muitas vezes desperdiçadas que Carver nos mostra nesta recolha de pequenos contos e que, só por si, são razão mais que obrigatória para a leitura de Catedral, fiquei particularmente inspirado pelo recurso encontrado pelo autor para terminar cada conto. Tudo fica suspenso, em aberto, deixando ao leitor várias portas para transpor. Eu próprio adotaria depois esta solução nos meus contos de viagem.

A Um Deus Desconhecido, de John Steinbeck (Livros do Brasil)

Li na minha juventude este pequeno e pouco referenciado livro do início da carreira de Steinbeck, que venceria o Nobel em 1962. O tema central de A Um Deus Desconhecido fala-nos da relação espiritual de um homem com a terra que lhe pertence. E foi isso que aprendi com o livro, uma lição que tenho levado comigo pela vida fora: precisamente a de que a espiritualidade de cada um de nós não precisa nem deve recorrer à religião organizada mas sim deve exprimir-se de acordo com a nossa sensibilidade. Muito anos depois, numa viagem à California, percorri os espaços referenciados no livro, que descrevi no conto "Steinbeck na minha vida".

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Auto-retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo, de Haruki Murakami (Casa das Letras)

Importante para o meu percurso de autor, este pequeno livro que demonstra a melhor qualidade de um escritor: conseguir que o leitor se interesse por qualquer tema, desde que bem escrito. Quem diria que as técnicas e as reflexões de Murakami sobre a corrida matinal, diária, com vista à preparação de uma maratona, seriam material literário de tão alto nível? Depois de ler este livro, ganhei coragem para escrever e publicar um livro sobre a minha relação de surfista com o mar: "Passagem para o Horizonte".

A Lua e as Fogueiras, de Cesare Pavese

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Neste lindíssimo livro, Pavese aborda o tema das raízes, da ligação de um homem à terra onde nasceu e à qual regressará muitos anos depois, tentando compreender esse regresso compulsivo. O livro serviu-me para refletir sobre a minha relação com Portugal e para colocar em perspetiva as minhas andanças pelo mundo. Com o livro no bolso viajei no Piemonte e escrevi o conto "A importância de não ser de lado nenhum".

As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino (Dom Quixote)

Para mim o livro mais bonito do mundo. Eu viajo por profissão e escrevo sobre isso. Por vezes o lado profissional da viagem desgasta o estímulo de viajar e a frescura da escrita. Mas sempre que pego em "As Cidades Invisíveis" salta-me outra vez um atormentado desejo de movimento, uma vontade de viajar para escrever e de escrever sobre viajar. Nesse sentido, posso afirmar que o livro possui uma qualidade talismânica para mim.

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1 de 5 Catedral, de Raymond Carver (Quetzal)
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2 de 5 A Um Deus Desconhecido, de John Steinbeck (Livros do Brasil)
3 de 5 Auto-retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo, de Haruki Murakami (Casa das Letras)
4 de 5 A Lua e as Fogueiras, de Cesare Pavese
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5 de 5 As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino (Dom Quixote)
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