O que é a derradeira honra? Ser galardoado com os mais cobiçados prémios numa determinada área? Receber elogios e validação de um grande mentor? Honras marcantes, sem dúvida. Contudo, no verão de 2024, a maior distinção possível é conquistar o estatuto de brat - mas não concedido por qualquer amiga solidária, o status que apenas a criadora do próprio termo tem o poder de atribuir. Imagine-se um cenário de coroação, em que apenas a cabeça da Igreja ou o chefe de Estado têm a legitimidade para declarar uma mulher rainha. Bom, neste caso substitui-se a rainha por Kamala Harris, o arcebispo por Charli XCX e a abadia por um tweet.
A cantora britânica carrega nos ombros, neste momento, o peso de ter criado a tendência deste verão. Com o álbum brat, definiu tudo o que uma it girl deve querer ser durante os próximos tempos: não uma pirralha, mas uma força da natureza imparável, "aquela rapariga que é um pouco desarrumada e gosta de festas, que se sente ela própria, que também talvez tenha um esgotamento, mas diverte-se com tudo isso", segundo a messias que espalha esta palavra divina. Quiçá por soar um pouco caótico não a associemos a pessoas sérias (leia-se, eventuais governantes de potências mundiais). É essa mesma violação das expectativas que torna ainda mais surpreendente que Kamala Harris tenha assumido o termo como peça-chave da sua campanha presidencial. Após a dupla indicação - como brat, por Charli XCX, e como pretendente à nomeação de candidata pelo Partido Democrata - a página da campanha de Harris transformou-se. Ganhou uma estética essencialmente ao estilo do novo disco da britânica, com uma imagem de capa que apropria a cor e a letra utilizada no álbum. Parece que a equipa da Vice-Presidente foi à procura dos empregados mais jovens e deu uso aos seus conhecimentos fruto de milhares de horas passadas online.
Brat é, possivelmente, o disco desta silly season da internet - a canção que enceta o álbum, "360", já conta com mais de 95 milhões de streams no Spotify. Por isso, para além de se apropriar da estética, a campanha de Harris já utilizou canções de Charli XCX em vídeos do TikTok. Ainda assim, parece que o uso de músicas trendy da pop global não fica por aí:Beyoncé terá dado autorização à atual Vice-Presidente para utilizar a sua música Freedom, do álbum Lemonade, ao longo da campanha. É, no fundo, uma tentativa de chegar aos mais novos. E, se olharmos para outros políticos do mundo que assumiram a mesma missão, é fácil reconhecer que Kamala Harris está a fazer um trabalho muito melhor no que toca a evitar o cringe - mais ou menos como Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que aparece frequentemente a aderir a tendências online, como se fosse imune ao constrangimento. Até porque o cringe funciona de maneiras curiosas: quanto mais se luta para o evitar, mais ele nos persegue. Pelo contrário, se for abraçado e aceite como uma parte inevitável de ter presença online, é vencido. Afinal, não é isso que é ser brat? Reconhecer que mesmo as hot girls têm dias menos bons, mas que não é por isso que perdem o estatuto? Mais do que isso, o estilo de vida brat ensina a pegar nesses momentos potencialmente constrangedores e a virá-los do avesso. É tudo uma questão de perspetiva.
A post shared by Kamala HQ (@kamalahq)
Com a adoção da estética de Charli XCX, a campanha de Harris provocou um ressurgir de antigas piadas virais que envolvem a democrata. "Vocês acham que caíram de um coqueiro?" É apenas a mais emblemática de várias frases de uma divagação de Kamala Harris, que entregou esta expressão de coração aberto à internet. É um exemplo da "memeficação" de Harris - um processo que parece ter sido cuidadosamente calculado no contexto da candidatura à Casa Branca. Num país em que apenas 50% das pessoas entre os 18 e os 29 votou em 2020 (sendo que, nas eleições anteriores, esse valor estava nos 39%), a democrata vê que a vitória pode ser assegurada com os mais novos. E é exatamente para conquistar a geração Z que este rebrand parece surgir.
US vice-president Kamala Harris’s famous ‘coconut tree’ quote has inspired countless memes on the internet. Read six things to know about Kamala Harris @sbsnews_au (link in bio).
Um estudo lançado pela CNN esta quarta-feira revela que, desde junho até agora, o Partido Democrata tem vindo a ganhar apoio do público. Enquanto cerca de 42% dos eleitores com menos de 35 anos diziam apoiar Joe Biden em junho, esse valor está atualmente nos 47%, com Kamala Harris à frente do partido. Também os eleitores negros que apoiam os democratas passaram de 70% para 78%. Segundo a iniciativa Blueprint, dedicada a estudar o desempenho do Partido Democrata nos Estados Unidos, Harris tem, no geral, uma visão mais alinhada do que Biden com os americanos em questões como o aquecimento global, a inflação e a integridade eleitoral. Para conquistar o eleitorado mais jovem, a plataforma indica que a Vice-Presidente terá de abordar o aborto, o crime e o sistema nacional de saúde, entre outros temas, que este já grupo associa à democrata.
A post shared by Kamala HQ (@kamalahq)
Foram precisas apenas 24 horas para que a vida de Kamala Harris mudasse completamente. Se há algo que a série 24 nos deixou, é o ensinamento de que muita (mas mesmo muita) coisa pode acontecer ao longo de um dia. A potencial candidata à presidência dos Estados Unidos da América sabe, agora, o que isso é. No passado domingo, dia 21 de junho, Joe Biden anunciou que não iria concorrer novamente à Casa Branca. Ao longo das horas seguintes, Harris conseguiu angariar cerca de 100 milhões de dólares (por volta de 92 milhões de euros) para a campanha presidencial, criar toda uma nova estratégia de comunicação online e aproximar os democratas da presidência. Sondagens feitas ao longo dos últimos dias mostram que Trump está à frente de Harris por três (ou menos) pontos percentuais, sendo que a Reuters coloca a democrata a liderar. Uma luta renhida que em nada se compara aos 6% de diferença entre Biden e Trump no mês de julho.
As eleições presidenciais norte-americanas estão marcadas para 5 de novembro deste ano. Até lá, ainda faltam quatro meses durante os quais poderemos, possivelmente, assistir à primeira vitória nas eleições dos Estados Unidos ganha por meio de memes, à la geração Z.