O médico especialista em fertilização que enganou e engravidou ele próprio 61 mulheres

O jornal 'The New York Times' abriu uma extensa investigação com as vítimas deste e de vários outros médicos particulares que optaram por não usar o sémen de doadores ou dos casais e sim os seus próprios.

26 de agosto de 2019 às 12:06 Aline Fernandez

Louise Brown foi a primeira bebé a nascer através da fertilização in vitro, a 25 de julho de 1978, em Inglaterra. As técnicas de reprodução assistida avançaram muito nos últimos 41 anos, permitindo que milhares de mulheres em todo o mundo que enfrentem dificuldades em engravidar – por impossibilidade sua ou do seu parceiro ou até por circunstâncias pessoais – possam ser mães. Mas os avanços da medicina não marcam apenas pelas alegrias. O jornal The New York Times divulgou uma extensa investigação que reúne testemunhos de vítimas de vários médicos particulares que há décadas decidiram não introduzir o sémen de doadores ou dos casais e optaram por usar o próprio.

Os casos acontecerem em clínicas nos Estados Unidos da América (nomeadamente em Connecticut, Vermont, Indiana, Idaho, Utah e Nevada), no Canadá, em países europeus (Inglaterra, Alemanha e Holanda), e em África do Sul. É especialmente impressionante o caso da cidade de Indianápolis, nos EUA, onde os testes de ADN verificados pelas autoridades apontam que 61 filhos de ex-pacientes são de Donald Cline. O médico declarou-se culpado, contudo a sua penalização foi apenas a perda da sua licença médica por um ano. Condenações leves justificadas pelo facto de, na maioria dos estados norte-americanos, a lei não contemplar este tipo de crime.

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Os demais casos não são menos aterradores. O médico alemão Jan Karbaat, já falecido, foi pai de pelo menos 56 pessoas. "Há trinta anos as coisas eram muito diferentes. Talvez o dr. Karbaat fosse um doador anónimo e nós não sabemos. Não há registos da época", declarou o advogado da família ao The New York Times. Em Ontário, no Canadá, um médico teria usado o seu próprio sémen em 11 casos de inseminação artificial. Com tantas ocorrências comprova-se que o que poderia ser apenas um ato isolado é na verdade uma prática mais generalizada do que pensávamos.

Infelizmente, muitos destes casos vieram à tona porque nos Estados Unidos da América tornou-se popular a realização de um teste doméstico de ADN para saber mais sobre os seus ancestrais. "Depois de fazer um teste de ADN, comprovei que era filha do médico. Quando contei à minha mãe, ela sentiu-se violada. Eu estou a tentar lidar com tudo o que aconteceu comigo. Estou a enfrentar uma crise de identidade muito forte", partilhou uma das vítimas ao The New York Times. Outra também confessou: "Constrói-se toda a sua vida com base numa identidade genética e, de repente, quando tudo isso entra em colapso e é alterado, isso pode ser devastador."

Entre as possíveis motivações dos médicos, Jody Madeira, professora de Direito da Universidade de Indiana, que tem seguido mais de duas dezenas de casos, fala na questão prática. Na época, o esperma congelado não estava tão imediatamente disponível quanto hoje e muitos especialistas poderão ter visto nesta solução um atalho. No entanto, como especula Madeira na reportagem do The New York Times, outros médicos teriam intenções menos nobres relacionadas com questões da sua própria saúde mental, narcisismo ou atração pelas pacientes.

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Então por que não considerar um sémen aplicado sem consentimento numa mulher como violação? Para dar um pouco de dignidade e justiça às vítimas, legisladores norte-americanos estão a tentar mudar as regras. No Texas já foram aprovadas leis que consideram essas práticas criminosas e as tipificam como abuso sexual. A Califórnia segue o mesmo caminho. Espera-se agora que com a divulgação desses casos haja mais investigação acerca de histórias que ainda não foram reveladas.

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