Creches para os maridos e histerectomias para todas
Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.
Vladimir Putin é um poço de boas ideias. Não é tanto um poço de água, em que uma pessoa tem de atirar um balde para tirar de lá alguma coisa, mas um poço de petróleo, daqueles que jorram quer uma pessoa queira quer não. Eis a mais recente onda cerebral luminosa do presidente russo: banir as famílias sem filhos de aparecerem em filmes, livros e anúncios publicitários. Quem transgredir esta nova lei, que acaba de ser aprovada por unanimidade no Kremlin – a única forma de aprovar as ideias do presidente russo, a menos que os deputados estejam fartos de estar vivos –, arrisca-se a pagar 400 mil rublos (3.800 euros) se for uma pessoa individual ou cinco milhões de rublos (47 mil euros) se for uma organização.
O que é que isto quer dizer, na prática? Bom, à partida, não há Novo Testamento para ninguém, afinal, o livro conta a história de um tipo a quem nunca se conheceu sequer uma namorada e que anda sempre rodeado de 12 amigos. Se isso não é esquisito, não imagino o que seja. E o Vaticano que se cuide porque há 15 dias Putin já multou a Google em 20.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000,00 dólares – aparentemente, dois undeciliões – por restringir os media russos no YouTube, portanto, nada o impede de fazer o mesmo à Santa Sé. E depois, onde é que o Papa vai ao dinheiro para pagar a conta? Em princípio, terá de cortar na ração de bombons e trufas dos cardeais. E nunca se sabe que resultados dramáticos uma medida dessas pode ter.
Em compensação, os livros de Charles Dickens, onde não faltam crianças vitorianas subnutridas, estão mais que aprovados. Afinal, onde um passa fome, passam dois ou três. Ou vinte. E o mesmo se pode dizer sobre Os Miseráveis, de Victor Hugo, contando que se mude o título para Os Afortunados. Afinal, miseráveis são os que não tem a alegria de vir ao mundo e de ser acolhidos no seio amoroso da Mãe Rússia. Já Anna Karenina, uma das grandes obras primas de Tolstoi – grande é a palavra chave – permanece uma importante história para moldar o carácter das mulheres de cabeça fraca. No fim [spoiler alert], depois de ter deixado o marido e o filho para ficar com um outro homem, mais jovem, mais bonito e mais carismático, que a abandonou, atirou-se para debaixo de um comboio, num raro lampejo de clareza mental. É bom quando elas se castigam sozinhas. Uma preocupação a menos.
No que toca à indústria cinematográfica, daqui para a frente é só histórias edificantes sobre a vida em família, ao estilo Uma Casa na Pradaria ou, para o caso, Uma Casa na Tundra. Os grandes clássicos do cinema vão ser poupados, sim, mas com pequeníssimas alterações. Por exemplo, os filmes Rocky vão ter novas versões, onde os pugilistas andam à trolha carregando, cada um, o seu marsupial com um bebé, enquanto as esposas os encorajam das bancadas. No primeiro filme da saga Alien, Jonesy deixa de ser um gato e passa a ser o filho recém-nascido da tenente Ripley. A trilogia Ocean’s passa a ter um disclaimer: "Estes vigaristas são todos pais de família e deixaram as mulheres em casa, a tomar conta dos filhos, como é sua obrigação, para poderem estar aqui a assaltar estabelecimentos." Aquele quarto filme só com mulheres, é banido, naturalmente. Já nos filmes de James Bond, vai ser usada tecnologia CGI para acrescentar uma cadeirinha de bebé – com bebé – ao Aston Martin do espião de sua majestade. O Lawrence da Arábia passa pelo mesmo processo e muda de nome para Lawrence, Laurentina e os gémeos Laurinha e Lauro Dérmio da Arábia.
Por último, os anúncios. Novos reclames televisivos da Evax vão mostrar uma ida em família ao supermercado, com as crianças testando as capacidades de absorção dos pensos higiénicos usando-os para assoar os narizes. Também o Pursennide, esse famoso medicamento para a prisão de ventre, tem já um anúncio preparado, que consiste em mostrar a família toda, no quintal, agachada e de mãos dadas, a fazer uma espécie de Kumbaya do cocó, felizes por estarem juntos e com o problema a caminho de se resolver. Já a Smirnoff vai mostrar-nos a manhã normal de um casal que prepara os filhos para a escola, alimentando-os com a versão russa das Sopas de Cavalo Cansado, que, em vez de vinho, pão, açúcar e canela, leva vodka, vodka, vodka e uma pitada de vodka. Uma receita ancestral chamada Caldos de Urso Pardo Desfalecido.
Com estas medidas, Vladimir Putin tem como objectivo aumentar a taxa de natalidade, que está no valor mais baixo dos últimos 25 anos. Como é óbvio, a solução passa por uma grande limpeza nos meios audiovisuais, conspurcados com a degenerescência ocidental das liberdades individuais, ou lá o que é. Pois que outro motivo poderá haver para as pessoas não quererem ter filhos?
A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.