Jenni Hermoso fala pela primeira vez em tribunal sobre o beijo com Luis Rubiales

A atacante espanhola quebrou o silêncio no tribunal, descrevendo pela primeira vez o que sentiu após o beijo forçado do então presidente da Federação Espanhola de Futebol. O gesto, que deveria ter sido um momento de celebração, tornou-se numa recordação amarga que marcou o dia mais feliz da sua vida.

Jennifer Hermoso
04 de fevereiro de 2025 às 12:04 Safiya Ayoob

A final do Campeonato do Mundo Feminino de 2023 deveria ter sido um marco inesquecível na carreira de Jennifer Hermoso. A vitória da Espanha por 1-0 sobre a Inglaterra coroou anos de esforço e dedicação, simbolizando a ascensão meteórica da seleção feminina no panorama mundial. No entanto, o que deveria ser lembrado como um momento de glória ficou irremediavelmente associado a um episódio que chocou o mundo: o beijo forçado de Luis Rubiales, então presidente da Federação Espanhola de Futebol, durante a cerimónia de entrega das medalhas.

Pela primeira vez desde o incidente, Hermoso descreveu em tribunal o impacto que o gesto teve na sua vida pessoal e profissional. "Senti-me desrespeitada. Penso que foi um momento que manchou um dos dias mais felizes da minha vida", afirmou, visivelmente emocionada. O beijo, captado em vídeo e amplamente divulgado, tornou-se um símbolo do sexismo e do abuso de poder que ainda persistem no desporto.

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O episódio ocorreu num momento de euforia nacional, quando as jogadoras espanholas se alinhavam para receber as suas medalhas. Hermoso recorda: "Cumprimentei a Rainha, cumprimentei a sua filha. O próximo passo foi falar com Luis Rubiales. Abraçámo-nos. Nesse momento, disse-lhe: 'Que confusão que fizemos' e ele deu um salto e, quando voltou a descer, disse-me: 'Ganhámos um Mundial graças a ti'. E a seguir foi com as mãos às minhas orelhas e depois deu-me um beijo."

Foto: Getty Images

O gesto não foi consentido, como Hermoso fez questão de sublinhar no seu testemunho: "Senti que estava totalmente fora de contexto e sabia que o meu patrão me estava a beijar. E isto não deve acontecer em qualquer ambiente social ou de trabalho." Esta declaração foi fundamental para desmontar a narrativa inicialmente promovida pela Federação Espanhola, que tentou minimizar o incidente, alegando tratar-se de um "gesto mútuo totalmente espontâneo". Hermoso, no entanto, foi clara: nunca aprovou tal declaração.

O impacto do beijo forçado foi devastador para a jogadora. Hermoso revelou ter sofrido ameaças de morte e sentir-se insegura em espaços públicos. Além disso, relatou pressões para gravar um vídeo em que desmentisse o caráter forçado do beijo e até ameaças veladas envolvendo a sua família. "Tinha medo de sair à rua, caso alguém estivesse a perseguir-me", confessou. A sua recusa em ceder a estas pressões teve consequências diretas na sua carreira, incluindo a sua exclusão da seleção nacional pouco tempo depois do incidente.

Foto: Getty Images

O caso chegou aos tribunais, com Rubiales a enfrentar acusações que podem resultar numa pena de até dois anos e meio de prisão. Outros três homens, incluindo Jorge Vilda, ex-treinador da seleção, são acusados de coerção, podendo enfrentar até 18 meses de prisão. No tribunal, Hermoso foi questionada sobre se se sentiu violada pelo ato. A resposta foi contundente: "Senti-me desrespeitada."

Este episódio lançou um olhar crítico sobre a cultura institucional do futebol espanhol, marcada por uma resistência histórica a mudanças estruturais no que diz respeito à igualdade de género. Em 2022, 15 jogadoras protestaram contra as condições na seleção, denunciando métodos de treino ultrapassados e comportamentos controladores por parte da equipa técnica. O apoio da federação a figuras como Rubiales e Vilda revela um padrão de comportamento que vai além de um incidente isolado.

O testemunho de Hermoso não é apenas sobre um beijo não consentido; é sobre o abuso de poder, a cultura do silêncio e o impacto devastador que tais comportamentos podem ter na vida de uma pessoa.

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