Jane Goodall. O percurso chega ao fim, mas a mensagem perdura

Foi primatóloga, etóloga, conservacionista, autora, oradora e ativista. Dedicou a sua vida à protecção dos chimpanzés, até ao último dia. Morreu de causas naturais durante uma tournée de palestras. Mudou para sempre a forma como olhamos para os primatas.

Jane Goodall com chimpanzé, ativista na proteção dos primatas Foto: AP
02 de outubro de 2025 às 15:04 Madalena Haderer

Um pouco à semelhança de David Attenborough – e, tal como ele, passando boa parte da vida escondida no meio de arbustos –, Jane Goodall parecia eterna. Foi primatóloga, etóloga, conservacionista, autora, oradora e ativista. Morreu ontem, de causas naturais, aos 91 anos, em Los Angeles, durante uma tournée de palestras. Goodall mudou para sempre a forma como olhamos para os primatas, em particular, os chimpanzés. Viveu uma vida plena, movida pela curiosidade, pela empatia e por uma fé quase contagiante de que cada pessoa pode fazer a diferença e contribuir para a protecção do mundo natural. Uma fé que a impulsionou até aos últimos momentos de vida.

Jane nasceu em Londres em 1934. Sentia, desde pequena, um encanto pelos animais e gostava de espiar as galinhas para perceber como punham ovos. Nasceu numa família modesta, pelo que perseguir os seus interesses na universidade estava fora de questão. Trabalhou como secretária e assistente, mas sonhava com África e, no final da década de 50, viajou para o Quénia, onde conheceu Louis Leakey, pioneiro na noção de que a evolução humana tem raízes profundas naquele continente, e que deu grande apoio a estudos sobre primatas vivos como forma de entender a evolução. Foi ele que arranjou os fundos e tirou partido de redes científicas para lançar Jane Goodall, mas isso foi mais para a frente. Primeiro, contratou-a como assistente de investigação e enviou-a para observar chimpanzés na Tanzânia. Jane, ainda sem formação científica formal em primatologia, biologia ou etologia, usava sobretudo curiosidade, paciência e uma abordagem intuitiva. Foi o início de tudo o que estava por vir.

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Goodall tinha uma ligação especial com os chimpanzés. Muitos dos seus estudos eram profundamente pessoais, tanto que ela dava nomes aos animais (como David Greybeard, Goliath, Flo, etc.) ao invés de tratá-los como meros sujeitos de estudo. Algo que provocou resistência na comunidade científica da época. Um dos momentos mais simbólicos da sua carreira foi observar o chimpanzé David Greybeard usar um galhinho para tirar térmitas do seu pêlo, um comportamento demasiado “humano” para a ciência tradicional da altura.

As observações de Jane alteraram radicalmente a visão científica sobre chimpanzés e, por extensão, sobre animais em geral, com a aceitação crescente de que eles têm vidas emocionais, personalidades e relações sociais complexas. Essa quebra de paradigma abriu portas para a ética animal, a conservação baseada em ecossistemas e o respeito pelos animais e pelo planeta.

Em 1966, Jane Goodall obteve o doutoramento em Etologia (um ramo da biologia que estuda o comportamento animal no seu ambiente natural) pela Universidade de Cambridge, algo de notável uma vez que entrou no programa sem ter graduação universitária formal. Cerca de 10 anos depois, fundou o Jane Goodall Institute, com foco na conservação de chimpanzés, educação e comunidades locais. E no início dos anos 90 criou o programa Roots & Shoots (Raízes e Brotos), para envolver jovens no ativismo ambiental, animal e social.

Durante as suas palestras, Goodall gostava de contar histórias e emocionava-se com facilidade. Diz-se que, entre factos científicos, por vezes gritava como um chimpanzé ou fazia pequenas performances (macacadas) para relembrar o público de que somos todos parte do mundo natural, algo que ajudava a humanizar a ciência. Era incansável no ativismo, usando livros, conferências, documentários, o podcast The Hopecast, programas educativos, discursos públicos… Tudo o que ajudasse a alertar as pessoas para a necessidade urgente de proteger o planeta e os seus habitantes mais frágeis.

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Casou pela primeira vez, em 1964, com Hugo van Lawick, numa cerimónia simples que teve lugar na Tanzânia. Lawick era um fotógrafo holandês de vida selvagem, enviado pela National Geographic para documentar o trabalho de Jane no Parque Nacional de Gombe Stream, na Tanzânia. Tiveram um filho, Hugo Eric Louis van Lawick, conhecido como Grub, nascido em 1967, que Jane dizia ser a “única criança no mundo que cresceu no meio da selva entre chimpanzés”. Divorciaram-se em 1974, mas mantiveram a amizade e a colaboração profissional. 

Um ano depois, Goodall casou com Derek Bryceson, que nasceu na China, mas era de origem britânica. Bryceson foi diretor dos Parques Nacionais da Tanzânia e membro do Parlamento, pelo que, durante o casamento, Jane ganhou alguma proteção contra pressões políticas e caçadores furtivos, uma vez que o marido tinha influência significativa. Goodall dizia muitas vezes que se não fosse por Derek Bryceson, “não haveria Gombe hoje”. O casamento, porém, foi de curta duração, já que o marido morreu de cancro ao fim de cinco anos.

Jane Goodall não se cansava de repetir que o futuro depende das acções e atitudes de cada pessoa, por pequenas que pareçam, e que não podemos desistir só porque os problemas são gigantes. Uma mensagem que é, ao mesmo tempo, de esperança e de responsabilização.

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