Histórias de quem perdeu um irmão. "Sei que não sou a mesma pessoa desde então"

No segundo testemunho da série 'Perder um irmão', Daniel Pousada Amaro fala sobre a morte de Dário após uma batalha contra um linfoma, aos 32 anos.

Foto: Unsplash
26 de agosto de 2022 às 11:39 Rita Silva Avelar

A morte é uma dor maior, que atravessa o peito, que deixa marca irreversíveis, que muda vidas. Foi assim com Daniel Pousada Amaro, que aos 28 anos perdeu o irmão Dário, de apenas 33. O que é que se sente quando há uma perda desta natureza? "É um acontecimento de uma brutalidade gigante, muda-nos para sempre, há coisas em nós que morrem nesse dia", desabafa Daniel, agora com 33 anos. "Hoje sinto que existe uma vida até à data do falecimento do meu irmão e outra vida depois dessa data. Sei que não sou a mesma pessoa desde então".

Daniel e Dário eram melhores amigos, mesmo com cinco anos de diferença entre si. "Era uma relação linda, além de ser meu irmão era o meu melhor amigo, era a minha figura, sentia-o como o meu mentor. Era a ele a quem recorria sempre que tinha dúvidas nos passos que ía trilhando", conta. "Ele via-me como o puto caçula. Ele sempre desempenhou o papel de irmão [mais velho], amigo e conselheiro. Sempre fui um miúdo mais resguardado, mas ele conhecia-me por dentro. Não sei como aconteceu, mas nos tempos de jovens-adultos sei que precisávamos um do outro para nos acompanharmos e sermos pilares um do outro."

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Quando lhe perguntamos se ficou algo por dizer, assume que não, mas que "gostava muito de lhe poder ter agarrado na mão uma última vez e de lhe ter dito que o amava." Como se lida com a ausência? "Acho que é aceitação, não há nada que possamos fazer para evitar isto. Temos que encontrar um caminho, um caminho novo, e aceitar que essa pessoa já não faz parte dele, temos que aprender a caminhar sem a presença dela." Há sempre uma espécie de desmembramento emocional permanente?, perguntamos. "Sim, há sempre essa falha emocional no dia-a-dia, e acho que é este pensamento consciente que nos torna outras pessoas. A fratura emocional é tão grande que não dá para ter a mesma leveza que tínhamos antes. Mas se aceitarmos que isto é maior que nós, sempre conseguimos retomar um pouco da nossa própria naturalidade."

Daniel passou por várias fases, pelo processo de luto, em todas as fases doloroso. "Acho que se passa por vários estágios, já senti raiva, injustiça... Mas cada pessoa tem o seu tempo e o seu próprio controlo emocional, nesta altura sinto ainda tristeza, por ele, por mim, pela minha mãe e irmã. Mas aceito todo o processo e respeito isso. Se estou triste estou triste, se estou uns dias sem pensar nisso, tudo bem."

Naturalmente, continua a ter muitas saudades de Dário. "Saudades de poder estar com ele e ouvi-lo falar", diz-nos. Recorda uma história. "Este exemplo é um pouco triste... Considerava o meu irmão um gajo com uma sensibildade gigante, e ele sempre mandou umas piadas, muitas vezes sem graça nenhuma, em que afirmava que ía morrer cedo, e dizia também: "ai de mim morrer velho, cheio de rugas e sem me reconhecer ao espelho". Ele pintava, e um dia pediu-me para ajudá-lo a tirar uma fotografia a segurá-lo ao colo, como se a segurar alguém sem vida nos braços. Na tela, pintou-se a ele mesmo a segurar o seu corpo morto (ou desmaiado) nos seus braços. Quase como se ele soubesse o que estava para vir. Tinha estas coisas que podem ser apenas um acaso para muitas pessoas, mas que para mim são sinais da sensibildade fora do comum que ele tinha."

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