"Para o que eu havia de estar guardada" é o que diria a avó desta jornalista sobre a moda de decorar o interior do frigorífico. Mas, na verdade, para quem gosta de casas de bonecas, o frigorífico não é assim tão diferente: tem uma porta, vários andares, pobre em janelas, mas generoso em arrumação, ainda que péssimo em climatização. Por outro lado, num tempo em que a estética é o que mais ordena, e em que organizamos as roupas e até as estantes dos livros por cores e tamanhos – para que conste, livros não são adereços e só há três formas corretas de os organizar: por autor, por título ou por tema, e quem acha que não, que explique como é que se encontra um livro nessas bibliotecas do inferno se uma pessoa não se lembrar da cor da lombada. Portanto, seria sempre de esperar que, mais cedo ou mais tarde, o espírito da Marie Kondo entrasse pelos eletrodomésticos adentro.
Se faz parte daquele grupo de pessoas que tem um sítio especial no frigorífico onde as coisas vão para morrer – iogurtes com data de validade de setembro do ano passado, compotas com bolor e queijos que já são uma arma química – é provável que esteja a pensar que este artigo é para si e fique por aí, se quiser, mas desengane-se. O "frigopaisagismo" não tem a ver com organização, mas com comprometer uma boa parte da funcionalidade do frigorífico em favor da beleza. Prático? De forma nenhuma. Engraçado? É possível. Tem qualquer coisa de criação de mundo de fantasia, onde devia criar opções de jantar. Mas, enfim, vamos conhecer esta nova trend que nasceu – onde mais? – no TikTok.
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A ideia é construir, dentro do frigorífico, um ambiente tão encantador que faça recuperar o prazer de comer, sublimando os alimentos e tornando-os aprazíveis à vista, como uma natureza morta que se pode mordiscar a meio da tarde. Jarras pequeníssimas com flores frescas, espelhos, quadros, redomas ou campânulas de vidro dentro das quais se faz um mise-en-scène de frutas e vegetais, luzinhas de Natal – eis o essencial para transformar o seu frigorífico num mundo encantado. E escusado será dizer que neste mundo não entram embalagens de plástico ou cartão.
Para além dos objetos de decoração, precisa de um tema. Aparentemente, o mais comum e que levou à expansão desta tendência é a série do Netflix, Bridgerton, com a sua estética do período britânico da Regência, e até tem um nome específico: Fridgerton. E, no entanto, ao que parece, este fridgescaping à la anglaise é apenas uma explosão recente de algo bastante mais antigo. De acordo com o Huffington Post francês, quem deu o pontapé de saída, em 2011, foi a designer de interiores norte-americana Kathy Perdue que escreveu, nessa altura, no seu blogue Good Life of Design, um texto sobre como manter o frigorífico bonito e organizado. Questionada por jornalistas, sobre os limites a que a sua ideia foi levada recentemente, a designer garante que não se reconhece. Num post que publicou no Instagram, Kathy explica que no seu blog mostrou, em tempos, como tinha tornado o frigorífico mais bonito, usando taças de cerâmica vintage para organizar os alimentos, mas que, para ela, a funcionalidade continua a ser o valor mais importante. Como tal, não vai aderir ao Fridgerton – que, subentende-se, perdeu o norte no que toca à praticabilidade –, mas, ainda assim, admira a "criatividade e engenho" de quem aderiu.
Se ficou tentada a experimentar, mas Bridgerton não é a sua cena, saiba que há muitos outros temas: gatinhos, cowboys, hobbits, Halloween, Natal – já faltou mais –, Barbie, anos 50, Wednesday… Enfim, as possibilidades são quase infinitas. O que gostaríamos de saber é como é que se consegue manter esta encenação frigorífica com marido, filhos adolescentes e os amigos destes a fazerem constantes incursões, quais soldados alemães esfomeados a bater em retirada de Leningrado. Se descobrir, conte-nos tudo.