Cristina Campos, escritora. "A infidelidade feminina é complicada. Somos incapazes de levar uma vida dupla."

A autora de "Histórias de Mulheres Casadas", livro que segue a vida de quatro protagonistas incluindo Gabriela (esta, fruto de um exercício de autoficção), conversa com a Máxima sobre casamentos, infidelidade e tabus.

Foto: DR
14 de fevereiro de 2024 às 07:00 Rita Silva Avelar

Nasceu em Barcelona em 1975, no ano em que Portugal se fazia a revolução, e há duas décadas que trabalha em cinema, e é casada com o realizador espanhol Jaume Balagueró. Neste exercício de autoficção, baseia-se nas histórias de mulheres casadas que procuram uma segunda vida, que mesmo felizes buscam uma segunda versão do amor, mesmo que isso implique viverem com culpa. Este não é o primeiro livro da autora espanhola: em 2016, publicou Pan de limón con semillas de amapola, com mais de 250 mil exemplares vendidos e adaptação ao cinema. Histórias de Mulheres Casadas, que é finalista do Prémio Planeta 2022 já tem um podcast no Spotify, pelo que vai pelo mesmo caminho. Conversa por e-mail com a autora.

Este romance baseia-se na ideia de que as mulheres estão presas nas suas vidas, mas querem ser livres e fazer o que lhes apetece? Procurar o desejo? Em que pensou, quando pensou neste livro?

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Oh não, em nenhum momento as minhas protagonistas querem ser livres para fazer o que lhes apetece. Essa é uma visão triste. A minha protagonista [uma das] tem uma bela família, um marido amoroso e um filho que ama muito. Apaixona-se por um homem que não é o seu marido e isso muda tudo. Dói-lhe separar a família que trabalhou tão arduamente para construir. Está casada há 20 anos e um homem tão maravilhoso como o seu marido cruza o seu caminho. Não acha que pode acontecer a qualquer pessoa? E o que é que se faz? Quebra-se o que se construiu por paixão, por novidade. 

O desejo sexual feminino desvanece mais rápido?

O desejo sexual das mulheres desvanece-se quando se está casada há 20 anos. Seria maravilhoso se pudéssemos fazer o que eles fazem e ter vontade de fazer sexo mais vezes. Quando se está casada há mais de 10 anos, já se foi mãe.... A maior parte das mulheres que conheci, as minhas amigas, o matriarcado em que nasci, o nosso desejo sexual desvanece-se. É assim. Os homens, os nossos maridos, no entanto, a maior parte dos homens a quem perguntei, continuam a querer fazer amor com as suas mulheres todas as manhãs. Que pena que não aconteça connosco! Gostava que acordássemos todas as manhãs com vontade de fazer amor. O homem sente uma necessidade física, atrevo-me a dizer biológica, de ter relações sexuais. Ele também sabe distinguir o amor do sexo. Nós temos dificuldade em separar o amor do sexo. Vai ser infiel ao seu marido por uma noite? Para quê?... em todo o caso, [as protagonistas] estão à procura de se apaixonar de novo, não de ter uma relação sexual.

O desejo sexual feminino desvanece mais rápido?

O desejo sexual das mulheres desvanece-se quando se está casada há 20 anos. Seria maravilhoso se pudéssemos fazer o que eles fazem e ter vontade de fazer sexo mais vezes. Quando se está casada há mais de 10 anos, já se foi mãe.... A maior parte das mulheres que conheci, as minhas amigas, o matriarcado em que nasci, o nosso desejo sexual desvanece-se. É assim. Os homens, os nossos maridos, no entanto, a maior parte dos homens a quem perguntei, continuam a querer fazer amor com as suas mulheres todas as manhãs. Que pena que não aconteça connosco! Gostava que acordássemos todas as manhãs com vontade de fazer amor. O homem sente uma necessidade física, atrevo-me a dizer biológica, de ter relações sexuais. Ele também sabe distinguir o amor do sexo. Nós temos dificuldade em separar o amor do sexo. Vai ser infiel ao seu marido por uma noite? Para quê?... em todo o caso, [as protagonistas] estão à procura de se apaixonar de novo, não de ter uma relação sexual.

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Ainda é difícil falar de intimidade?

As escritoras francesas estão anos à frente de nós na descoberta da intimidade feminina. Leio muito a Prémio Nobel Annie Ernaux, que se despe psiquicamente para o leitor. Ela não sente vergonha na sua escrita e eu apoiei-me muito nela. Não é difícil falar de intimidade. Cada escritor tem a sua própria forma de escrever. A minha é uma forma muito simples, sou hábil a entreter. Aprendi a escrever através de guiões de filmes. Trabalho em cinema há 20 anos. 

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A infidelidade continua a ser um tema controverso, que divide opiniões. Quis aprofundar esta realidade?

A infidelidade feminina é complicada. Somos incapazes de levar uma vida dupla. Os homens são capazes de ter uma mulher e uma amante. Nós sofremos. Agora, estamos no século XXI e, numa cidade como Barcelona, nunca senti que uma mulher fosse julgada por se apaixonar por outra pessoa. Como mãe, temos pena... [Pensamos:] 'Em que confusão é que ela se meteu!'

A sexualidade feminina é, a par de todos estes temas, também um tabu. Quis libertar-se do puritanismo ao escrever este livro?

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A ficção cinematográfica prejudicou muito, penso eu, o imaginário coletivo do prazer feminino. Quando vemos um filme em que um homem e uma mulher fazem sexo, ainda hoje, a mulher atinge o orgasmo em 30 segundos.

Será que, em algumas passagens mais explícitas, o objetivo é deixar o leitor intrigado ou sentir-se um voyeur? Ou nem sequer pensou nisso dessa forma?

Desconforto? O que eu quero é excitar. Disseco a história de um casamento contemporâneo e cosmopolita. 

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A ideia de casamento está muito bem expressa neste livro, desde o título. Porque é que a ideia de casamento está tão presente?

Porque fala de quatro casais cosmopolitas da cidade de Barcelona, quatro mulheres de idades diferentes, Gabriela, Silvia, Cosima e a sua chefe Eugénia. 

Em quem se baseou para a caracterização de Gabriela?

Em mim própria. Fiz um exercício de introspecção.

Ainda existe um estigma em torno da literatura erótica?

Fascina-me As Cinquenta Sombras de Grey... Aprendi muito com a sua leitura. A literatura erótica vende muito em Espanha. Mas não considero que "Histórias de mulheres casadas" seja literatura erótica, é literatura íntima.

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Onde é que escreve e qual é o seu método?

Neste momento, estou a escrever esta entrevista a partir da Biblioteca Pública do Barrio de Gracia, em Barcelona. Está cheia de estudantes universitários, freelancers como eu e avós que vêm ler a imprensa. Neste momento, escrever no meu "quarto", no meu estúdio, deixa-me um pouco triste. A solidão da escrita pesa-me. 

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