Andreia Vieira teve o
primeiro contacto com as constelações familiares há quase vinte anos durante um
curso de terapias complementares, ao ser convidada por um dos professores a
participar numa sessão em que várias pessoas foram apresentar os seus “temas” –
problemas. “Fui completamente às escuras, pois não sabia o que era”, nota a
terapeuta transpessoal e professora de
meditação, que trabalhou como jornalista na área da saúde.
Primeiro foi
espectadora. Mas nas dinâmicas a que assistiu, viu uma “que espelhava o que
vivia na família”. Depois foi chamada a “representar” um papel. “O insight
foi ainda maior porque senti no meu corpo as emoções dessa pessoa, como ela se
sentia, e isso foi muito esclarecedor. Percebi o quanto as constelações
podem ser poderosas, que têm um grande potencial de ajuda e de
clarificação.”
Em
2022, a terapeuta que a acompanhava aconselhou-a a procurar as constelações
para a ajudar “a lidar mais profundamente com um problema” que vivia.
“Aos 13 anos, a minha filha foi diagnosticada com um problema de saúde estando
a ser muito bem acompanhada pela medicina convencional, mas eu quis saber que
mais podia fazer para ajudar, como melhor me posicionar.” Ao dar esse passo
ajudou-se, e ao ajudar-se ajudou a filha. “Basta um elemento da família
constelar para, ainda que subtilmente, contribuir para alterar o
sistema, a dinâmica familiar. Eu reforcei o que estava a fazer e aprofundei
o que me foi sugerido, e isso trouxe apaziguamento a algumas questões.”
Os membros da família estão ligados entre si
como uma comunidade de destino
As constelações
familiares são uma abordagem criada pelo filósofo
alemão Bert Hellinger, que desenvolveu o que designou “visão
sistémica”, dado que sustenta que os membros de um sistema familiar estão
ligados entre si como uma comunidade de destino. Partilham um destino comum,
sendo que as suas ações têm consequências para todos. O método destaca o papel
das emoções e energias que vivem no nosso inconsciente e a forma como
interferem nas nossas decisões.
De acordo com
Hellinger, os sistemas apresentam três necessidades essenciais, a que chamou as “Leis
da Ordem do Amor” – também conhecidas como “Leis Sistémicas”.
A primeira, a lei do pertencimento (ou
inclusão) diz que todos os membros de um sistema têm direito a pertencer, não
podendo ser excluídos. A exclusão de alguém pode espoletar desequilíbrios no
sistema familiar, procurando uma inclusão através de doenças ou alterações do
comportamento de um dos descendentes. Por exemplo, numa família em que alguém se suicidou: “A dor de quem
ficou é tão grande, que há um sentimento de culpa por não ter visto os sinais.
Então, a família esconde, não olha porque dói, e essa pessoa é excluída. Enquanto ela não for incluída no altar do
coração da família, a pressão de exclusão vai fazer sentir-se”, explica Maria Gorjão Henriques,
professora, facilitadora de constelações há mais de vinte anos, e líder do
movimento sistémico em Portugal. A lei da
hierarquia (ou ordem) remete para a posição que cada elemento ocupa no
sistema, sendo que os que vieram (nasceram) antes têm precedência sobre os que
vieram depois. Quando a dinâmica se altera, ocorrem distorções nas relações,
trazendo sofrimento aos membros da família. Por fim, a lei do equilíbrio aponta para a simetria entre
dar e receber: tudo o que se dá exige um retorno com a mesma energia com que
foi dado. A transgressão desta lei, à semelhança das anteriores, resulta em
fracassos e doenças igualmente recorrentes de geração em geração.
Com base na visão
sistémica, o destino trágico de uns, quando rejeitado ou descurado, vai
atuar no sistema familiar “para procurar compensação e inclusão do que foi
separado”, nota Maria Gorjão Henriques, que fala de “lealdades inconscientes”
que moram dentro de nós”, aos nossos antepassados, e podem ser
“acordadas”. Quando isso acontece, “o
descendente é convocado a reparar a vida do ascendente que morreu debaixo de
uma dor que não ficou resolvida, de um trauma, que é uma energia que está
presa”.
Reconhecer o
sofrimento do antepassado e devolver-lhe a dignidade
Uma cliente, com 39
anos e meio, procurou a facilitadora com medo de ficar viúva. Já não dormia e
vivia em pânico. Era casada com um militar que fora destacado para uma comissão
num país em guerra dali a um mês e, “portanto, o trauma cósmico estava montado”.
Maria Gorjão
Henriques percebeu imediatamente que se tratava de “uma carga sistémica”, ou
seja, um trauma transmitido de uma geração para a outra. E, seguindo o
seu método, perguntou-lhe diretamente “quem é que ficou viúva com 40 anos?”
Fora uma avó que
enviuvara nessa idade, ficando com quatro filhos pequenos. Passou fome, teve de
ir trabalhar e pedir ajuda a familiares. “A identificação dela com aquela
avó era de tal maneira que, com 39 anos e meio, começa a acordar as
portas epigenéticas. E a avó, que é 25 por cento do que ela é,
transformou-se em 100 por cento do que ela era naquele momento”, conta,
lembrando que herdamos mais 50 por cento do ADN de cada progenitor e 12,5 por
cento dos bisavós. “A epigenética explica que as sensações dos nossos
antepassados ficam guardadas na memória mórfica do campo familiar, e nós temos
essa memória.”
Maria Gorjão
Henriques fala em “gatilhos” que desencadeiam o trauma:
“concomitâncias com determinadas circunstâncias”, sendo “a idade” a mais
relevante. O descendente é chamado a reparar a vida do ascendente, mesmo que
não tenha conhecimento dessa exclusão, “com a idade que este tinha” quando
viveu a situação. “O que acontece é que o trauma existe no clã mórfico
familiar, e precisa ser repetido para tentar libertar a energia que lá
está.” Diz que a tendência é repetir
permanentemente a história, até a pessoa conseguir superá-la dentro de si –
através de uma conversa sistémica ou da constelação familiar – “reconhecendo o
sofrimento” desse ascendente, “abraçando-o dentro dela e devolvendo-lhe a
dignidade”. “Enquanto a pessoa não tiver a possibilidade e a capacidade de
amar, aceitar o que foi como foi, a evolução dos seus antepassados e acolhê-los
no altar do seu coração está em choque dentro de si. É ela que não está bem na
paz do seu próprio mundo, porque estas pessoas todas moram dentro dela.”
A constelação é vista
como um renascimento, uma vez que a pessoa consegue ver as ligações que
impediam o seu equilíbrio e desenvolvimento saudável.
Como se organizam as
sessões de constelações familiares
A constelação pode
ser feita em sessão individual ou de grupo. A sessão de grupo envolve o
indivíduo (constelado), que apresenta o seu “tema” (problema ou dificuldade), o
facilitador (constelador), e participantes. A dinâmica funciona com
representações, onde alguns participantes assumem os papéis de familiares do
constelado, vivenciando no corpo as emoções dessa pessoa. Desta forma, “o
facilitador acede ao campo do constelado”, onde habitam as suas próprias
memórias, conscientes e inconscientes, e dos seus antepassados.
“O sistema através
das pessoas vai mostrar onde é que está a tensão, a dor maior que interrompeu o
fluxo do amor. Depois é atuar sobre isso”, nota Maria Gorjão Henriques. Explica
que “o roleplay é uma forma de ver na “realidade habitual” as tensões e
as dores que estão presas no campo mórfico familiar, “no próprio corpo e
consciência”, sendo absolutamente essencial nas situações traumáticas. Há
pessoas que precisam desse trabalho “para libertar a energia que está lá
presa”. Com outras, “basta uma “conversa sistémica”, isto é um diálogo onde a
perspetiva sistémica é utilizada para analisar, compreender e resolver a
questão.
Nas sessões
individuais estão apenas o facilitador e o constelado, e são usados bonecos,
objetos ou imagens para representação do sistema do constelado, sendo-lhe
perguntado “o que sente quando olha para um objeto” que, por hipótese,
representa o pai ou a avó. “A psique vai reconhecer nos objetos a nossa
projeção”, esclarece a facilitadora.
Normalmente três sessões de um ou outro tipo resolvem a vida do
constelado.
Ciclicamente, o
método de Bert Hellinger para ajudar a resolver problemas que atravessam
gerações volta à ordem do dia, separando os defensores, que reafirmam a sua
eficácia, dos que lhe apontam falta de uma base cientifica. A Ordem dos
Psicólogos Portugueses,
por exemplo, não reconhece as constelações como intervenção psicológica ou
psicoterapia “por não existirem ainda estudos científicos que permitam
compreender o que é e como funcionam, ou como se avalia a sua eficácia”.
Maria Gorjão
Henriques, dá conta que muitos ensaios científicos estão a ser desenvolvidos
pelo mundo, “por isso, será uma questão de muito pouco tempo até termos a
comprovação do método”. Para acrescentar de forma perentória: “É impossível
ignorar o impacto sistémico que todos temos uns sobre os outros. Não podemos continuar a ignorar o que não
sendo comprovado cientificamente, o nosso corpo, a nossa alma e a nossa
personalidade reconhecem como uma verdade inequívoca. Portugal ficou
numa corrente conservadora da psicologia, que já não se verifica atualmente em
muitos países”. Diz que o problema “é a falta de regulamento” do método, o que
permite que seja praticado por pessoas que “não têm preparação nem psicológica,
por equilíbrio próprio, nem de conhecimentos técnicos”.
Decidida a mudar este cenário, a
facilitadora, autora do livro O Despertar da Consciência, que liderou as
vendas por muitas semanas, vai lançar um curso de facilitadores de constelações
familiares em outubro, com duração de dois anos. “Vai haver horas de
supervisão, um código de ética, um manual de boas práticas”, e tudo o que é
preciso para garantir uma formação de excelência.