Adeus, princesa: a fuga de Haya da Jordânia para a Europa
Haya da Jordânia, casada com o emir do Dubai, fugiu para a Europa, onde pediu asilo político e o divórcio.
Foto: Getty Images14 de agosto de 2019 às 07:00 Helena Matos
Logo se disse estarmos perante mais uma fuga da jaula dourada protagonizada por uma princesa árabe. Talvez. Mas o mistério desta princesa em fuga com dois filhos e uma mala com 35 milhões de euros não começa em 2019. Afinal, o que levou Haya a entrar nessa jaula há 15 anos?
10 de abril de 2004. Amã, capital da Jordânia, Palácio Al-Baraka. Lado a lado estão sentados Abdullah II, rei da Jordânia, Mohammed Bin Rashid, príncipe herdeiro do Dubai, e a princesa Haya da Jordânia. Abdullah não esconde a alegria e Haya, além de feliz, mostra como os fatos tradicionais da Jordânia podem servir como belíssimos vestidos de noiva. Mohammed Bin Rashid, apesar de naturalmente pouco expressivo, aparenta um ar onde se vislumbra um sorriso. Vago, mas sorriso. Perante um rei da Jordânia exultante, a princesa Haya (sua meia-irmã) e Mohammed Bin Rashid, herdeiro do Dubai, acabavam de se tornar marido e mulher. Ele tem 55 anos. Ela 30.
22 de junho de 2019. Ascot. O Blue Point, um puro-sangue de raça irlandesa, é o grande vencedor destas corridas, uma daquelas combinações de excentricidade, conservadorismo, pessoas, animais, paisagem e rituais que só os ingleses conseguem produzir sem que o ridículo os fulmine. Valha a verdade, não foi necessário que o Blue Point ganhasse o duplo sprint e o seu proprietário, nada mais nada menos que Mohammed Bin Rashid, agora já emir do Dubai, fosse receber o prémio das mãos de Isabel II para que, em Ascot, se desse pela falta da princesa Haya. Em 2019, ao contrário do que acontecera nos anos anteriores, Haya Al Hussein não chegara a Ascot exibindo um belo vestido coordenado com chapéu (a alta-costura nestas coisas faz a diferença), joias tão discretas quanto fabulosas, o sorriso afável que a caracterizava e, acrescente-se, contrastava com o rosto fechado e cada vez mais blindado por óculo escuros com que o marido se apresenta publicamente.
Em 2019 não se viu Haya olhando orgulhosa a filha Jalila (de 11 anos) ou abraçando efusivamente Zayed, o filho nascido em 2012 e oficialmente o mais novo dos filhos do emir. Também não houve trocas de olhares com o emir, nem palavras segredadas perante o evoluir das corridas (aqui faça-se a ressalva que a troca de olhares ou a troca de palavras se traduzia, no caso de Haya e Mohammed Bin Rashid, por ela olhá-lo e sorrir, segredar, às vezes com um ar divertido, enquanto ele aliviava ligeiramente o hermetismo do rosto.) Em resumo, perante a imagem do emir, em junho passado, a recolher solitário, mas sorridente (sublinhe-se o sorridente), o prémio ganho por essa nova lenda das corridas que é o Blue Point, a ausência de Haya em Ascot vinha confirmar que algo de estranho estava a acontecer com a princesa. Desde 20 de maio que ninguém vê Haya e desde 7 de fevereiro que a princesa deixara de estar presente nas redes sociais, onde era particularmente ativa.
Dos rumores à certezaA resposta a toda esta "rumorologia" surgiu quando, a 28 de junho, vários sites começaram a dar ainda como "notícia não confirmada" a informação de que a princesa Haya teria fugido do Dubai. Nos dias seguintes chegaram mais informações: Haya Al Hussein teria contado com a ajuda de um diplomata alemão para conseguir deixar o país governado pelo marido. Teria fugido com 35 milhões de euros (há quem diga que são 40 e as dúvidas sobre a quantia explicam-se facilmente: tendo em conta que a fortuna do emir do Dubai está avaliada em 4 mil milhões de euros pode dizer-se que Haya saiu de casa com a verba equivalente a uns trocos para ir ali, num instantinho, fazer umas compras simples). Sabe-se que levou consigo os dois filhos, Jalila e Zayed. A Alemanha e depois Londres começaram a ser apresentados como o seu destino. Rapidamente se sabe que Haya viajou para a Alemanha, onde pediu asilo político (convém nunca esquecer que há um diplomata alemão nesta história), e escolheu Londres para pedir o divórcio. A Jordânia, seu país natal, e de que é rei o seu meio-irmão, Abdullah II, está fora desta rota de fuga, provavelmente para poupar aquele país às inúmeras pressões a que iria ser sujeito pelo Dubai e pelos Emirados Árabes Unidos (os Emirados Árabes Unidos são constituídos por sete reinos dos quais faz parte o Dubai). Mais provavelmente ainda, Haya não fugiu para a Jordânia porque duvidará da capacidade dos jordanos para a defender, por exemplo, de um sequestro levado a cabo por agentes do emir, prática que Haya Bent Al Hussein sabe, quase desde que nasceu, ser usada pelos regimes e famílias poderosas do Médio Oriente para resolverem os assuntos com aqueles que tentam escapar aos seus ditames.
E é aqui que chegamos ao cerne desta questão: o que levou Haya a fugir da jaula dourada onde entrou de livre vontade, em 2004? Como sempre acontece com paixões de princesas e de herdeiras multimilionárias, há que nunca subestimar o papel dos cavalos.
A amazona que saltou para a jaulaDesde os anos 90 que Haya Hussein competia e assistia a provas hípicas. A Espanha faz parte do roteiro obrigatório dessas corridas de cavalos em que se cruzam príncipes árabes, milionários europeus, herdeiros e, sobretudo, herdeiras de grandes fortunas. Tão assídua era Haya a essas provas que foi numa delas, acontecida em Espanha – o Concurso Hípico Internacional Ciudad de Oviedo –, que os jornalistas a descobriram passeando ao lado do cavaleiro Alfredo Fernández Durán. O romance (se o houve) entre Haya e Alfredo Fernández Durán acabou. Declarações não existem e fugas de informação ainda menos porque os cavalos, testemunhas e pretexto desses encontros, não prestam declarações. Cada um seguiu o seu caminho ou, melhor dizendo, os caminhos a que os levavam as diversas provas hípicas em que continuavam a participar, que no caso de Haya incluirão, em 2000, os Jogos Olímpicos de Sidney. Não admira, portanto, que ao saber-se, em 2004, que Haya casara com o príncipe herdeiro do Dubai, que teria conhecido em 2002, durante os World Equestrian Games no circuito espanhol de Jerez, fosse grande a admiração: o emir não só era muito mais velho que Haya como contava já com cinco esposas. Ou duas, dependendo esta variação de se considerarem ou não oficiais as diversas ligações mantidas por Mohammed Bin Rashid. Afinal, como é que a jovem que, nos anos 90, parecia namorar como qualquer jovem europeia e partilhara um apartamento com amigas enquanto estudava Filosofia, em Oxford, aceitara tornar-se a terceira (ou sexta) esposa do emir do Dubai? Sim, porque o facto de o emir não aparecer publicamente na Europa com a Sheikha Hind, a mulher com quem casou primeiro e a mãe do herdeiro, ou as suas outras mulheres, só quer dizer isso mesmo: Haya era a esposa ocidentalizada com que o emir se fazia acompanhar na Europa. Em casa, no Dubai, as outras esposas continuavam a sê-lo.
Contudo, nos anos seguintes, estas objeções foram ofuscadas pelo ar radiante de Haya quando surgia ao lado do marido. Vimo-los a sair da maternidade com ele carregando o bebé, assistindo a corridas de cavalos, participando em inúmeros encontros internacionais e ações de solidariedade, brincando com os dois filhos. De cada vez que Haya surgia sorridente ou publicava uma fotografia de Mohammed Bin Rashid contemplando enternecido Jalila, a filha de ambos, esbatiam-se as histórias sobre as outras esposas (que na verdade não se viam) ou sobre a repressão exercida sobre quem questionasse o poder autocrático do emir. Mas será que Haya podia ignorar o que acontecia atrás das paredes das casas por onde se estende a imensa família do marido?
O que soube Haya que a fez fugir?A imprensa internacional coincidiu rapidamente num ponto: Haya teria fugido após ter conhecimento de uma nova versão sobre o destino de Latifa, uma das filhas que o marido teve com a Sheikha Hind. Latifa é a princesa que, em 2018, protagonizou uma das mais dramáticas tentativas de fuga do Golfo Pérsico: num vídeo rapidamente partilhado por milhares de pessoas, Latifa explicava querer fugir do Dubai. Mais dramaticamente dizia que se estávamos a ver o vídeo era porque a sua tentativa de fuga, a segunda que levava a cabo, correra mal. O aviso de Latifa era certo: dentro em pouco soube-se que o barco em que Latifa fugia fora intercetado no alto-mar: "Por favor, ajudem-me. Há homens lá fora. Estou a ouvir tiros e estou escondida com a minha amiga", terão sido as palavras que, segundo alguns jornais, Latifa proferiu no telefonema desesperado que fez a amigos. Em seguida, Latifa foi obrigada a regressar ao Dubai. Nunca mais se lhe ouviu a voz. À época, Haya não só corroborou a tese do marido e pai de Latifa – a princesa fora sequestrada por pessoas que a queriam explorar – como usou os seus bons contactos internacionais para que Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fosse ao Dubai. Aí, Mary Robinson deixou-se fotografar ao lado de Latifa e desse modo credibilizou a versão do emir. Terá Haya acreditado na explicação oficial para o acontecido com Latifa? Ignorava que a jovem tinha tentado fugir antes? E, conhecendo tão bem Inglaterra, nunca ouvira falar de uma outra filha do marido, Shmasa, que se acredita ter sido sequestrada, em Londres, no ano 2000 por agentes do Dubai e desde então mantida semidrogada numa espécie de hospital-prisão? É tentador acreditar que Haya desconhecia tudo isto. Mas temos de convir que é muito improvável.
Jogo de damasNesse caso porque fugiu Haya? Não sabemos, mas não é de excluir que Haya tenha temido um endurecimento por parte das autoridades do Dubai. Estas estão preocupadas com a multiplicação dos escândalos, para mais quando vai ter ali lugar a Expo 2020: além do caso Latifa há que ter em conta as revelações sobre o consumo de drogas por parte dos filhos do emir que, convém não esquecer, perdeu o filho mais velho, em 2015, em circunstâncias nada claras. E ela, Haya, tão ocidentalizada, que o mais que concedia era cobrir parcialmente o seu cabelo, seria a vítima óbvia desse endurecimento. Outra hipótese a ponderar é a questão da educação dos filhos, nomeadamente da filha. Desconhece-se se Haya e o emir divergem nesta matéria, mas sabe-se que na família real do Dubai há divergências sobre a tolerância à influência ocidental na formação dos príncipes e muito particularmente das princesas. Ou por fim, mas não por último, será que o emir resolveu arranjar outra esposa e Haya não suportou não ser a última esposa de Mohammed Bin Rashid? Certo é que ainda há muito para saber sobre o que levou Haya a fugir. Por exemplo, quem é o diplomata alemão que colaborou nesta fuga? Tomou ela a decisão de fugir de repente? Talvez, pois, apesar de fazer sonhar a nossa imaginação, 35 milhões de euros não é muito dinheiro do ponto vista de uma princesa do Dubai. Igualmente indiscutível é que a rutura entre Haya e o emir do Dubai começou a produzir ondas de choque que atingem a própria família real britânica. Não é certamente por coincidência que Haya está a viver na casa que ela e o emir possuem em Londres (essa casa fica muito próxima do Palácio de Kensington), onde residem William e Kate. Enquanto Haya se mantiver sob a sombra protetora dos muros da residência real é mais ou menos impossível ao emir ordenar uma operação secreta para que Haya ou pelo menos os seus filhos sejam levados de Londres para o Dubai. Para cúmulo, soube-se que Isabel II recebeu a princesa Haya em Windsor. A explicação "tomar chá com os vizinhos" não chega para este caso! A prepararem-se para o que está para vir, a princesa Haya e o emir do Dubai contrataram as grandes damas dos divórcios em Inglaterra: Helen Ward e Fiona Shackleton. Pelos gabinetes destas advogadas passaram os divórcios de Madonna e Guy Ritchie, de Carlos e Diana Spencer, de Paul McCartney e Heather Mills. Nenhuma destas mulheres está habituada a perder. Mas obviamente aquela que conseguir fazer vingar a sua versão da fuga de Haya será a vencedora deste divórcio que vai fazer história.
Será já uma arma de arremesso dessa luta judicial a informação, proveniente do Dubai, de que Haya teria uma relação demasiado informal com o seu guarda-costas, um ex-oficial britânico? A tese da traição explicaria a fuga desesperada de Haya. Fundamentada ou não, tudo indica que o emir vai acusar Haya de traição. No seu Instagram escreveu: "Atraiçoaste o que há de mais sagrado. O teu jogo foi desmascarado."
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A princesa Haya Bint al-Hussein da Jordânia com a sua advogada Fiona Shackleton, em julho deste ano
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A princesa Haya em setembro de 2018
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A princesa Haya com o príncipe de Gales e a duquesa da Cornualha, em novembro de 2016
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Com seu marido, o emir do Dubai Mohammed Bin Rashid, em julho de 2013
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A princesa e o marido com a rainha Isabel II
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Nas Nações Unidas, em setembro de 2007
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A princesa no Reino Unido em junho de 2010
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Em 2008, em Petra, Jordânia
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A princesa Haya numa competição em Olympia, em dezembro