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Prazeres

O projeto português que está a ajudar a Amazónia

Pode ter em casa loiças alusivas à floresta ao mesmo tempo que contribui para preservar o património ambiental, cultural, social e científico essencial ao futuro da humanidade.

28 de agosto de 2019 às 07:00 Máxima

A irmãs gémeas brasileiras Marta e Márcia DeVito cresceram numa fazenda em Mato Grosso, estado no Centro-Oeste do Brasil coberto na sua maioria pela floresta tropical amazónica. Mudaram-se e voltaram a visitar os pais, mas não encontram a floresta que conheciam na infância. Da vontade de proteger o verde e assegurar às futuras gerações a longevidade da floresta com a qual cresceram nasceu a Ecoarts Amazonia, uma entidade sem fins lucrativos que reúne recoletores, artesãos, profissionais liberais, investigadores e outros voluntários a lutar pela mesma causa: a da sustentabilidade da floresta no seu sentido mais amplo, ou seja, humano, ambiental e económico.

O resultado é um projeto colaborativo que une arte, cultura, identidade brasileira e ecologia. "O que a gente faz é pegar o lixo da floresta e transformar em luxo, em obras de arte e peças que contam histórias", explicou à Máxima a arquiteta e designer Márcia DeVito. Esses resíduos florestais não madeireiros, como folhas e sementes, transformam-se com a intervenção dos habitantes locais. "É um projeto feminino, porque homem olha madeira, gado ou preserva ou produz. Mulher vê tudo junto. E a gente viu", conta Márcia ao explicar como a terceira geração da família – e a primeira em que as mulheres estão a tomar conta dos negócios – decidiu dar este passo sustentável. Segundo Márcia, há 15 anos foi difícil para o seu próprio pai perceber tais mudanças. Na tentativa de convencê-lo que um quilo de sementes valia mais que uma arroba de boi, tantos em termos económicos como ecológicos. Mas não foi o único. "Pouquíssimos brasileiros conhecem a Amazónia. Conhecem Paris, Nova Iorque, mas nunca foram para lá. Compram cristais Swarovski mas não sabem o que é uma semente", alertou Márcia. Na Ecoarts cocares de índio são transformados em relicários vegetais, a comprovar que sagrada é a natureza.

Da certeza que o saber popular e o luxo conseguem comunicar surgiu uma parceria com a portuguesa Vista Alegre. "Sempre um sonho. Minha avó é portuguesa, claro que quase tinha briga na família para saber quem ia ficar com a loiça que a gente ama da Vista Alegre", riu-se Márcia. Por indicação, entrou no site da marca e viu que tinha um International Design Pool, inscreveu-se pela urgência de cuidar da sua terra natal e pela paixão que tem pelo que faz. Candidatou-se, "contando essa história de identidade brasileira e o que nós estávamos fazendo. Cinco horas depois eu recebo uma mensagem falando: ‘Vocês estão aprovados, queremos você aqui.’"

A nova coleção da Vista Alegre é o resultado deste trabalho conjunto desenvolvido com a Ecoarts Amazonia, e tem por objetivo preservar o património ambiental, cultural, social e científico essencial para o futuro da humanidade. Tão importante, principalmente depois das últimas notícias a denunciar os fogos que afetam a região brasileira. Parte da receita obtida com a venda de cada peça da Coleção Amazonia reverterá para o plantio de árvores frutíferas autóctones em áreas rurais e aldeias indígenas na região onde a organização atua. Ambas as marcas fizeram questão de documentar e partilhar publicamente os resultados para que todos os que contribuíram e se associaram à iniciativa possam acompanhar o crescimento de uma causa que é de todos.

E não só a empresa de 1824 faz parte deste gama. Pela primeira vez uma coleção é comum às três marcas do grupo Visabeira, tendo ao lado das porcelanas e cristais Vista Alegre as faianças naturalistas da Bordallo Pinheiro e a cerâmica grés da Casa Alegre. O resultado é uma linda (e altamente desejável) coleção de 70 peças especialmente rica, em que cada artigo conta uma história.

Os desenhos misturam o velho e o novo. Há impressões do legado do primeiro naturalista científico do mundo, o português Alexandre Rodrigues Ferreira, que no século XVIII fez o primeiro e o mais completo levantamento científico sobre a flora, fauna e povos da Amazónia por ordem da rainha Dona Maria I. Esta expedição científica de nove anos ao interior do então desconhecido Brasil transformou-se em três mil desenhos que retratavam a riqueza local. Esta memória ganhou vida e fundiu-se com as referências de quem conhece e vive a floresta hoje, a partir dos trabalhos artísticos desenvolvidos pela Ecoarts Amazonia com os habitantes locais. Dessa maneira, vê-se, por exemplo, a ave Seriema, símbolo do Mato Grosso e o aguapé (do Tupi aguape-y), planta aquática que é conhecida como o mercúrio vegetal, de onde alguns povos nativos da Amazónia extraem o sal.

"A gente quer contar a história da floresta de quem vê de dentro. No Brasil de hoje há mais de 150 línguas indígenas que são faladas e a gente está tendo a oportunidade de falar com esse povo que está aqui", lembrou Márcia, reforçando a importância de preservar e aprender as culturas desses povos, que ao contrário da civilização maia e asteca (ainda) não foram dizimados. "A gente tem que olhar não com reverência, mas no sentido do que eles sabem que nós não sabemos", completando: "Se você for olhar hoje no mundo todas as tendências eles já estão fazendo. Minimalista? Eles são. Farm to table, orgânico, sustentabilidade, coshare… Você não vê um índio maltratar uma mulher, uma criança. Tudo é para o bem de todos. O mundo está chegando num esgotamento e a gente vê que o luxo pelo luxo não faz mais sentido. Quantas mais bolsas você quer ter? O que você precisa?", questiona DeVito. "A gente fica muito feliz de ver a Vista Alegre, uma empresa de luxo, entender que pode ter uma causa."

O projeto de plantio das árvores frutíferas nativas na floresta amazónica chama-se de Floresta de Alimentos. "Eles possuem grandes territórios – o tamanho do território kaiapó hoje é do tamanho das Islândia –, mas é muito difícil plantar na Amazónia. Se plantar trigo, vira uma árvore. Por isso fizemos uma parceria com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], identificamos o maior centro de especialidades em frutas tropicais e trouxemos 14 espécies que já estão se extinguindo hoje e plantamos em volta das aldeias indígenas para criar sustentabilidade para eles", explicou-nos Márcia e fez questão de reforçar que plantar não é "abrir a porta de um avião e arremessar sementes", é de facto plantar e certificar que irá dar frutos.

A Coleção Amazonia foi tão bem recebida que, para o seu lançamento, índios Mebêngôkre (kayapó) viajaram pela primeira vez à Europa desde a Amazónia a Portugal. Seguiram para a Fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, onde estiveram a desenvolver com a Escola de Pintura da Vista Alegre novas decorações de peças, adornadas com as tradicionais pinturas tribais dos indígenas da Amazónia, que serão lançadas brevemente numa outra coleção. Já mal podemos esperar.

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