Estreia do filme "Super Natural" e entrevista ao realizador. "Os cinemas estão a perder um lugar social"
Depois da estreia mundial em Berlim, onde venceu o prémio da crítica (na Berlinale), o filme chega agora a Portugal. Falámos, em exclusivo, com o realizador Jorge Jácome.

Super Natural é a primeira longa-metragem de Jorge Jácome, realizador português, natural de Viana do Castelo, com argumento do mesmo em colaboração com André e. Teodósio e José Maria Vieira Mendes, produzido pela Ukbar Filmes. O filme é protagonizado por algumas das pessoas portadoras de deficiência que fazem parte da Dançando com a Diferença, atuando em espaços naturais e urbanos da ilha da Madeira, t
Com estreia mundial em Berlim, o filme venceu o prémio da crítica (Prémio FIPRESCI) da 72.ª Berlinale e teve antestreia nacional na competição de longas-metragens na última edição do IndieLisboa - International Film Festival. Além disso, o filme tem feito um percurso em mais de 20 festivais internacionais e mais de 15 países por todo o mundo.

A Máxima teve a oportunidade de falar com o realizador e saber um pouco mais ao pormenor como foi transformar este projeto em filme.
Como surgiu a ideia para este filme, que toca domínio tão sociais como a deficiência?O filme nasceu como um projeto da Dançando com a Diferença, que é uma companhia sediada na ilha da Madeira, que junta pessoas com e sem deficiência para a criação de objetos artísticos. Eles convidaram outra companhia, a Teatro Praga, e em conjunto iam desenvolver uma peça de teatro. Só que isto aconteceu durante a pandemia, então rapidamente [os mentores] começaram a perceber que o projeto como estava, não seria viável. Então, o Teatro Praga convidou-me a transformar este projeto num filme.

Como é que chegaram aos protagonistas?
A Dançando com a Diferença é uma companhia de dança que tem bailarinos e bailarinas profissionais a tempo inteiro a trabalhar para essa companhia. E o seu objetivo é precisamente por os seus intérpretes e bailarinos em contacto com outros criadores exteriores. Por isso, não fomos nós que escolhemos os intérpretes.
As filmagens foram todas realizadas na Madeira?

Eu nunca tinha ido à Madeira, e houve um momento prévio, onde eu estive à procura de locais, o que filmar, entre outras coisas. Tudo a partir de coisas que ia encontrando na internet, ora Google Maps, ora fotos de arquivo da Madeira. Depois, estivemos duas semanas na ilha, a filmar, e o processo foi muito rico, porque num primeiro momento demo-nos todos a conhecer - nós equipa com os bailarinos e vice-versa. Começámos por perguntar aos próprios intérpretes que sítios mais gostavam, que personagens apreciavam mais... e a partir dali fomos construindo narrativas paralelas que pudessem obedecer a esta ideia à qual chamámos de Super Natural.

E o título, foi consensual de imediato?
O título vem antes de eu existir no projeto. Depois questionámos se este título continuava a fazer sentido para o filme e todos achámos que sim. Isto, porque o filme passa ele próprio por questionar o signifcado ou as diferentes camadas daquilo a que chamamos de "natural". Só que o natural não existe, é muito mais do que isso... daí o Super Natural.
A importância que foi dada aos silêncios e sons ambiente tão variados, foi tudo pensado, com um intuito específico?
É curioso, porque quando nós estivemos na Madeira a filmar, o nosso orçamento não era muito grande e por isso, na verdade, não foi ninguém de som com a equipa. Então, a construção sonora foi posterior à rodagem. E como eu sou editor dos meus próprios filmes, esse lado sonoro é sempre um elemento que é muito importante nas narrativas que vou construindo. A importância do som é tanta quanto a da imagem. O som leva-nos para outros universos, serve para até tirar imagens fora do contexto - uma imagem com um som que não é dali, é outra coisa. E o próprio conceito do filme é esse - uma coisa que nos parece o que é, é sempre mais do que isso. O cinema que a mim me interessa fazer e pensar tem esse papel de pôr o espetador a questionar-se e a duvidar daquilo que está a ver e a ouvir, e sozinho (porque também acredito num espetador consciente daquilo que está a ver) ir tirando as suas próprias conclusões.
Estavam à espera de tamanha recetividade do público e até dos críticos?
Quando começámos o projeto não tinhamos grandes expetativas quanto ao que iria ser. O principal era não termos pressão, pois aquele tempo em que estivemos a trabalhar na Madeira, esse tempo já tinha sido muito rico para todos e o que importava era estar ali em conjunto a trabalhar. Por isso, quando fomos começando a construir o filme e a perceber o potencial daquilo que estávamos a fazer, percebemos que se calhar iriam haver mais pessoas que também teriam interesse em ver aquilo que tinhamos feito. A fase em que pudémos mostrar o filme internacionalmente, nomeadamente vencer o prémio da crítica em Berlim foi fechar em chave de ouro. Entretanto, o filme esteve também recentemente na Tate Modern, em Londres, e já esteve em mais de 20 países. E agora é a altura perfeita para estrear cá. Estamos muito entusiasmados por poder ter este filme, que é particular por várias razões, em salas comerciais.
Há que acreditar que o Cinema ainda pode mudar e quebrar preconceitos que ainda existem?
Eu espero que sim, porque acho que os cinemas estão a perder um lugar social - as pessoas estão cada vez menos a ir ao cinema... Verdade que se consome muitas séries e filmes em casa, mas o que nós defendemos é que este é um filme para ser visto na sala de cinema, porque a própria sala de cinema faz parte da narrativa do filme. Há momentos em que o filme convida o espetador a olhar à sua volta e a ver o que é que lá está. Venham ao cinema ver este filme, porque é o lugar certo para o ver.
