Cristina Branco: “Cozinhar passou a ser a forma de (…) me ligar mais aos meus filhos”
A conhecida voz do fado aventurou-se num primeiro livro e contou-nos como descobriu a alimentação alcalina para “dias de estrada”.

Se pensarmos no nome que Cristina Branco escolheu para o seu primeiro livro, RoadCook, rapidamente o associamos ao estilo de vida de um artista e à dificuldade que é manter uma alimentação saudável. Foi nisso mesmo que Cristina Branco pensou quando decidiu escrevê-lo. A prova de que RoadCook não é só um livro de receitas começa logo no primeiro capítulo – onde a autora reaviva algumas memórias da sua infância, passada no pátio da casa dos avós. Foi aí que descobriu a comida, mas também a sua voz. O avô mostrou-lhe o fado. Entre confissões e receitas, o que Cristina quer mostrar neste livro é como a alimentação alcalina pode mudar a nossa vida. Conversámos com a autora, que ainda partilhou connosco duas receitas para experimentarmos já.
Em que altura despertou em si o gosto pela cozinha? Aprendeu a cozinhar sozinha?

Gostar assim mesmo a sério foi quando percebi que tinha mesmo de ser, ou seja, quando vieram os filhos e as responsabilidades. Como não gosto de me atirar às coisas sem paixão, fui à procura, para me divertir e encontrar amor numa tarefa que pode ser uma tortura. Num primeiro momento veio o método, depois o aperfeiçoamento e só mais tarde a imaginação, que é preciso muita para quem faz várias refeições diariamente!
Que memórias olfativas de infância tem passadas na cozinha?
A mais querida é a do alecrim com que as avós ou a minha mãe incensavam a casa, quando os pequenos ficavam doentes. Purificava o ar e afastava o mal-querer. Tenho esse cheiro até hoje entranhado na memória.

Como descobriu a alimentação alcalina e os seus benefícios?
Começou com uma simples conversa com a minha otorrino, a dr.ª Clara Capucho, em que eu lhe dizia que a água por vezes me irritava a garganta e que ficava com uma sensação de secura e grande desconforto, ao que ela respondeu que teria de começar a prestar atenção ao pH da água, que provavelmente estaria a beber águas de pH mais ácido. De imediato fiz uma alteração e foi revelador: aquela mudança tão simples acabou com o desconforto vocal. A partir daí, por curiosidade e vontade de fazer melhor, fiz aquela dedução lógica: "Então se este é o efeito com a água, significa que se deve passar o mesmo com todos os alimentos!" Depois pesquisei para perceber a dimensão do que estava à procura e dei com um tesouro. Mudou mesmo tudo, na minha vida e sobretudo na minha performance vocal!
Para quem está em tournée constantemente, quais são os segredos para uma boa alimentação? E os maiores desafios?

Para mim, o que funciona é consumir alimentos que me deem energia nos momentos-chave, que sejam de consumo lento e que não prejudiquem o organismo, porque amanhã há mais! (Tenho aquele truque gostoso do copo de água tépida com sumo de um limão, pela manhã.)
O maior desafio em tournée é conseguir alimentar-me de forma consciente, e a horas, para não trocar ritmos e foi neste espírito que nasceu o RoadCook! Viajo com alguns utensílios e alguns temperos como sumac ou cominhos, ajuda muito quando as salas de concerto têm uma pequena cozinha e procuro mercados de produtos frescos em todos os sítios onde vou.
Em que é que consiste a dieta alcalina? Quais são os seus maiores benefícios?

Preciso de começar por dizer que não sou nada ortodoxa da filosofia da dieta alcalina, talvez em tournée seja mais rigorosa, mas por norma considero importante olhar para o prato e ter um rácio de 70/30, em que os 70% são vegetais e o resto é proteína.
A dieta alcalina é basicamente seguir um regime vegetariano, sabendo de antemão que qualquer tipo de carne, produto lácteo, álcool, glúten, açúcar ou alimento processado é altamente ácido. A alimentação alcalina é o caminho mais fácil para ter uma boa saúde e bem-estar. O equilíbrio entre alimentos alcalinos e ácidos na nossa dieta pode ajudar na digestão e a elevar os níveis de energia. O excesso de alimentos ácidos cria desequilíbrios no organismo, com sintomas como dores de cabeça, musculares e articulações, inchaço e insónia.
Como é que a partir daí chegou ao livro? Qual foi a parte do processo mais divertida?

A ideia nasceu quando me mudei para a Holanda e continuou muito presente em mim quando regressei a Portugal. Na altura, as saudades e o confronto com uma nova vida começaram a minar o meu humor e a relação positiva que tenho por norma com a vida. A comida e o ato de cozinhar passaram a ser a forma de me encontrar com o que tinha deixado em Portugal e, ao mesmo tempo, de me ligar mais aos meus filhos e contrariar o velho hábito holandês de comer sanduíches montada numa bicicleta.
Divertido foi quando comecei a juntar alimentos e a criar paladares, texturas ou quando tomei consciência que tinha alcançado um método sólido e eficaz, capaz de contornar o drama das "desoras" para comer!
Ao longo do livro conta como vários momentos da sua carreira como artista ficaram marcados por lembranças de momentos à mesa ou determinados alimentos. Isso sempre lhe aconteceu?

O bom do RoadCook, além da comidinha, foi mesmo resgatar essas pequeninas coisas que vão ficando entrelaçadas noutras memórias e que nós acabamos por remeter para o quarto dos fundos do nosso cérebro. Num acerto de contas com o tempo e uma nova vida, no momento de colocar no papel as minhas notas de receitas e sugestões, começaram a aparecer farrapos, lembranças de mim, dos meus irmãos e primos, das férias, daquelas frases repetidas, dos piqueniques, das noites de consoada e constatar que a comida esteve sempre lá. No fundo, a mesa é um ponto de encontro, seja com os nossos, os do coração, seja com outros hábitos, outras culturas e isso une tudo!
Se pudesse eleger uma só receita de todo o livro qual seria e porquê?
Eu gosto tanto de todas que acho essa pergunta uma grande maldade, mas vou eleger a salada de manga e cenoura com coentros, por ser muito fácil (como todas, na verdade!) e porque vai ser o meu almoço de hoje.
É só cortar palitos de manga e duas cenouras médias e depois reservar. Depois, o segredo está na "molhanga" que se faz em dois minutos. Para uma taça raspe 1 cm de gengibre fresco e meio dente de alho, um pedacinho de erva-príncipe picadinho, sumo de meia lima e meia colher de sopa de coentros picados. Junte algumas sementes de sésamo preto que passou numa frigideira aquecida, só para abrir o aroma. Junte tudo à manga e cenouras reservadas e pronto, é só comer. Bem.
