Quinta da Comporta: em estado de graça no meio dos arrozais

Se existe hospitalidade autêntica e de qualidade, que respira o lugar onde nasceu, da Natureza, das pessoas e da herança cultural, é a Quinta da Comporta. Um sonho ao ar livre de onde não apetece acordar.

Quinta da Comporta oferece hospitalidade autêntica num cenário natural Foto: DR
01 de julho de 2025 às 18:11 Patrícia Barnabé

Nascida de um amor de longa data do arquiteto e designer Miguel Câncio Martins pelo lugar onde cresceu todos os verões, é o projeto de uma vida. Bem longe dos grandes grupos hoteleiros que varrem as paisagens sem alma. “A Comporta é como se fosse uma paragem no tempo”, diz à Máxima. “Apaixonei-me, desde logo, pela integridade do local. E a cada visita, passava aqui e parava, simplesmente, para apreciar a beleza da Natureza. Esta localização única, de frente para o arrozal, é para mim o que melhor representa a Comporta.” Este terreno foi propriedade privada da família Espírito Santo e dantes era campo aberto até ao mar, atravessava-se o pinhal e a aldeia até à “quietude que a conexão com a natureza nos traz, essa qualidade de estar, de forma simples”, que inspirou o arquitecto. “A conjugação desta paisagem, da vivência que aqui fui tendo, e a identificação com o estilo de vida característico desta região, foi o que me manteve 'por perto' e despertou a vontade de, um dia, aqui fazer um projecto”.

Estadia na Quinta da Comporta, um local que respira a natureza e herança cultural Foto: DR
PUB

Formado na escola de arquitetura ESA Saint-Luc, em Bruxelas, Miguel pensou em espaços como o Bar Fly ou o icónico Buddha Bar, em Paris, também desenhou lojas, residências e hotéis como o Conrad Algarve, o Heritage, na Avenida da Liberdade, ou o W Montreal. Na Quinta da Comporta, vemos uma arquitectura local sofisticada, feita de linhas tradicionais e uma perfeita imersão na natureza. A aldeia do Carvalhal é uma das sete que compõem a grande herdade da Comporta e dela o arquitecto quis preservar as tradições locais, que ajudaram a construir o adulto que é hoje, e quer que respirem no futuro. Este é o seu primeiro projeto de assinatura em Portugal, para o qual também desenhou os móveis, escolheu os atoalhados made in Portugal, para que seja uma casa portuguesa: “Sonhei, imaginei e desenhei, durante muitos anos, um lugar onde as pessoas se pudessem reunir e sentir que aqui pertencem, que estão em casa. É isso que a Comporta representa para mim: o espaço e o tempo para desconectar, de forma a, genuinamente, me poder reconectar com os valores mais fundamentais da vida”.

Quinta da Comporta: local com hospitalidade autêntica perto dos arrozais Foto: DR

Manter a memória intacta

Sempre que aqui chegava, Miguel Câncio Martins sentava-se debaixo do grande chorão, junto ao que é hoje o spa, a imaginar o que seria. Quando conseguiu o aval para começar, o ponto de partida era uma eira e um lamaçal, e os edifícios originais, que eram granjas agrícolas e armazéns, onde se tratava e guardava o arroz. As obras arrancaram em 2017 e, no essencial, demoraram dois anos. O arquitecto projetou cada edifício para comunicar com o ambiente envolvente, manteve a eira original, um espaço amplo onde dantes se trabalhavam as colheitas, se secava e debulhava o arroz. É o coração da propriedade, que nasce a partir dela, uma grande praça para todos os encontros, o chão de tijolo original, sofás e zonas de massagem ao ar livre. Cruzamos a eira para ir dos quartos ao restaurante, da shala ao spa. O restaurante e o spa recriam os grandes armazéns da propriedade original, a vontade primeira foi “manter a herança das estruturas, na Arquitetura e Design, mas também do estilo de vida”. Algum material foi salvo e usado nas novas construções, feitas com madeira recuperada de grande qualidade, trazida do Canadá por uma empresa belga.

PUB
Experiência autêntica na Quinta da Comporta, projeto de Miguel Câncio Martins perto dos arrozais Foto: DR

À entrada o logotipo desenhado pelo arquitecto, onde um Q abraça uma cegonha, avisa ao que vamos. Passada um primeira recepção, deslizamos pelos caminhos de terra até à eira, ladeados por uma horta colorida de vegetais, frutos e ervas aromáticas que emana uma grande frescura, levada depois para os nossos pratos, no restaurante Inari. O perfume a jasmim ajuda à magia natural deste lugar, como os gatos com que nos cruzamos, aqui e ali, cuidados pela equipa. Vemos um pequeno campo de petanca, uma zona de recreio infantil, há programa de baby sitting, e uma loja com roupa, acessórios e peças de decoração criteriosamente escolhidas. Logo a seguir, fica a recepção principal que deixa entrar, suavemente, os elementos, o que a torna muito confortável. Ali pode recostar-se a ler, há livros e revistas disponíveis, a trabalhar ou a tocar piano.

Foto: DR 1 de 2 / Uma ceifeira esculpida por Vhils
PUB
Foto: DR 2 de 2 / Um painel Viúva Lamego, inspirado no mar, de André Saraiva

Nas traseiras descobrem-se peças de artistas como Bordallo II, Bela Silva, um painel Viúva Lamego, inspirado no mar, de André Saraiva e uma ceifeira esculpida por Vhils. Pende agora do tecto do restaurante uma das vistosas e coloridas peças de Joana Vasconcelos. Nas mesmas traseiras, um frondoso corredor verde leva-nos ao edifício principal de alojamento. Os quartos são espaçosos, despojados, iluminados, com vistas sobre a Natureza. Lá dentro, a simplicidade da qualidade é evidente em peças de design e mobiliário, muitas desenhadas pelo arquitecto e produzidos por artesãos locais em materiais como o bunho e o vime. As camas são grandes nuvens, e as sanitas são umas supresa que recosta e refresca. Quatro magníficas villas em madeira e telhados de colmo, que mimetizam as casas tradicionais da Comporta, elevam a oferta de hospitalidade. Com serviço próprio, cozinha, vários quartos e piscina privada, olha-se em volta, com os pés dentro de água e é só areia e cactos, como no deserto da Califórnia.

PUB
Quinta da Comporta: refúgio de sonho em harmonia com a Natureza Foto: DR

A arte de bem receber e cuidar

O restaurante Inari e o spa Oryza estão mesmo em cima dos arrozais, e recebem todos os visitantes. “São, desde o início, os 'pulmões' do projeto; a hospitalidade, na visão holística como a vemos e trabalhamos, não se limita a criar camas e dar dormidas. Os hóspedes vêm à procura de experiências e aqui, sobretudo, de uma experiência diferenciada, única e fiel à autenticidade da Comporta”, diz Miguel Câncio Martins. Foram construídos com as ditas vigas de madeira centenária, “montadas como um lego”, recorda o diretor do hotel, Mário Stromp. São espaços ambiciosos e muito bem conseguidos nos seus cerca de 800m2, como seriam os antigos celeiros de arroz.

Quinta da Comporta preserva tradições locais e arquitetura sofisticada, com peças de Joana Vasconcelos Foto: André Antunes

Consta que o restaurante é onde se debulhava o arroz e, mais tarde, os miúdos faziam festas de garagem iluminadas pelos faróis dos carros. Todo envidraçado, e com uma generosa varanda a rodeá-lo, é onde nos afundamos em confortáveis sofás a disfrutar de uma refeição, a qualquer hora, e das magníficas vistas sobre os arrozais. Almoçar ou tomar o pequeno-almoço com vista para os arrozais, e os seus bandos de pássaros em voos rasantos, é das mais belas experiências. Nos canteiros aos lados das mesas e dos grandes sofás confortáveis, as abelhas fazem o seu trabalho e as borboletas passeiam-se alheias às conversas.

Quinta da Comporta oferece uma experiência autêntica com sabores simples e elevada qualidade Foto: Louie Thain

A ideia é promover a ligação à terra e provar local. O pequeno-almoço é dos melhores de que temos memória, com uma variedade fresca e saudável, e guloseimas boas como o mel em favo e bolos caseiros à fatia. Quem toma conta das refeições principais é hoje o chef Vítor Sobral, um dos nossos maiores especialistas nos sabores simples mais elevados. O restaurante estende-se a uma longa piscina, um aquário que transborda com os corpos a nadar, pernas em câmara lenta que acompanhamos das camas de sol, e onde saboreamos um dos cocktails feitos na hora com os aromas plantados na quinta. No andar de baixo, uma sala de cinema com filmes novos para ver todas as semanas.

Quinta da Comporta oferece uma experiência autêntica com arquitetura local e imersão na natureza Foto: DR

O spa Oryza é dos nossos preferidos, por todas as razões óbvias, da sua grandeza, luminosidade e beleza que começa nas boas vindas dadas num balcão de padaria recuperado. “Quando desenhámos o spa, o ambiente foi todo pensado para promover a introspeção, recarregar o corpo e apaziguar a mente, quisemos levar a inspiração na Natureza mais longe”, sublinha o dono do hotel. O ginásio fica no andar de cima, e várias salas de tratamento depois, a piscina interior aquecida continua para o exterior e paisagem fora. A sua diretora fez uma pesquisa profunda das matérias-primas locais e nacionais, como a flor de sal do Argarve, o óleo puro de arroz (com que fazem a magnífica massagem de assinatura), as pétalas de girassol, alfarroba, para exfoliantes e envolvimentos e criar “experiência s emoções”, diz. “Trabalhamos cada detalhe, os aromas, são experiência sensoriais, viagens, literalmente, para nunca mais esquecer”. Oriza é arroz em latim e a linha Oriza Lab foi criada em exclusivo para a Quinta da Comporta, feita em França à base arroz português, com “propriedades nutritivas, aclaradoras e anti-oxidantes.” É visitada por residentes e clientes de fora, todo o ano, e trabalha mercados específicos como o do golfe, tem até uma massagem com bolas de golfe aquecidas, e arrisca novas técnicas como uma massagem com pequenos potes de cerâmica, com gelo ou óleo aquecido. Para além da shala, onde se fazem retiros e aulas de yoga e Pilates, com vista para os arrozais, fala-se num novo ginásio mas, para já, são 800 metros quadrados de bem-estar, salas, relaxamento, sauna e hammam com luz natural. “Foi desenhado para ver o pôr do sol todos os dias, independente da altura do ano”.

Quinta da Comporta: arquitetura local e imersão na Natureza, um projeto de Miguel Câncio Martins Foto: DR

Todos juntos

A sustentabilidade é, naturalmente, uma preocupação que estende os seus longos braços. O aquecimento de águas é feito com painéis solares, as águas residuais são reutilizadas nas regas, bem como se promove o uso de garrafas portáteis. E, como deve ser, a troca de roupa de cama e banho faz-se a cada três dias. Do desenho e construção da quinta, ao staff composto por pessoas felizes. Compraram um hotel em Grândola onde todos têm o seu quarto com wc e transfers. Uma empregada do restaurante conta-nos que lhe pagaram o bilhete para visitar a família, em Benguela, trataram dela, uma vez, quando adoeceu e ofereceram-lhe uma estadia. “Temos três credos no hotel, são empregados de todo o mundo. Brasil, Indico, Nepal, são famílias, tenho três patriarcas e a sua família. Como ligar os indígenas, que somos nós, e todos os outros, que são 80 por cento? No fundo, é como a mala de cartão dos portugueses”, diz o diretor do hotel. “Para ser simples tem de ter uma logística exigente”, diz num sorriso.

PUB
Ambiente elegante da Quinta da Comporta com decoração cuidada e vista para os arrozais Foto: DR

Depois, acolhem cerca de 14 gatos, todos vistos por veterinários, e as suas cegonhas, andorinhas e toda a bicharada natural dos arrozais, enchem-nos de ternura. Cá fora, a comunidade, também é impactada pela Quinta da Comporta. Desde o restaurante O Dinis, que recebe os hóspedes, para comer peixe e marisco frescos acompanhados de vinhos jeitosos. “Não podemos deixar fechar os restaurantes tradicionais. Tem de haver equilíbrio, não faz sentido chegar a uma praia e ser tudo caro. Só queremos ser felizes na simplicidade”, diz-nos Mário Stromp Morais. Também têm uma pizzaria popular aberta todo o ano, e não só para hóspedes, com esplanada e uma longa fila take away, as pizzas feitas com produtos da horta e queijos locais, “não pode ser só grande finesse, deve haver coisas para as pessoas da aldeia.” Na Casa da Tina, a antiga casa do feitor, podem organizar-se eventos. E gostavam de construir uma igreja para a aldeia, um centro social com dignidade, a seu tempo.

Quinta da Comporta oferece refúgio autêntico com arquitetura sofisticada e imersão na natureza Foto: DR

“Este é um projecto familiar”, diz o diretor do hotel. E consta que Miguel Câncio Martins sempre gostou de receber: “Sinto que me está no sangue”, quis mesmo “criar uma Casa onde as pessoas se pudessem reunir e sentir que aqui pertencem. Sempre quis que quem nos visitasse se pudesse conectar a si mesmo, à Natureza e ao próximo... De certa forma, quis valorizar novamente a simplicidade da vida.” Na mesma Comporta onde os lisboetas, e os portugueses das redondezas, encontravam um paraíso de quilómetros de areia e pinheiros, Natureza intocada. A Quinta da Comporta começou por ser uma utopia, Miguel era sempre um sonhador, “mas eu sabia que era exatamente aqui que queria dar forma ao sonho. E foi isso que aconteceu, quase 30 anos mais tarde.” Este seu hectar e meio de paraíso, já faz seis anos de vida, para cada lado que se olhe, é a calma de um horizonte em matizes de azul e verde, os arrozais a ondular no verão e submersos por um manto de água, no outono. Ao fim do dia, sob o sol do sul, a passarada lança um chilrear alegre e ensurdecedor que chama a recolher, devolvendo-nos um conforto simples, que apazigua os sentidos. Ou não fossemos todos Natureza. Mário Strompf remata: “Repare, os hóspedes andam descalços de um lado para o outro. Se as pessoas não puderem estar à vontade nunca será luxo”.

PUB
leia também
PUB
PUB