Dating em Lisboa. “Queria uma família e comprei uma casa de solteira, sozinha. Não me senti empoderada, senti-me dividida"

Long story-short, depois de meses numa relação quente e fria, de vai-não-vai, indecisões e afins vi-me perante um momento-chave: a aproximação do fim do meu contrato de arrendamento. O drama, o horror, a ansiedade, ultrapassados com terapia, ansiolíticos ocasionais e um novo antidepressivo cujo nome vos poupo. Tudo acabou por se resolver. Obviamente, dei um chuto no rabo de quem gostava muito de mim, mas não sabia se estava pronta para ter um relacionamento comprometido e partilhar escovas de dentes, e segui em frente sozinha, como a mulher emancipada e independente que sou e todos esses outros adjetivos feministas tão na berra.
Meti na cabeça que queria comprar uma casa, que o momento era este, e comprei. Sou agora a proprietária orgulhosa de um pequeno T0 num bairro típico lisboeta. E não vos vou mentir, a primeira vez que meti a chave e abri a porta daquela que seria dali em diante a minha casa, senti-me triste para caraças. Eu queria uma família e estava a comprar uma casa de solteira, sozinha – e este é aquele momento crítico em que a solidão e a solitude se parecem confundir e se dá um aperto de mágoa no peito. Não me senti empoderada, senti-me dividida entre o que queria e o que tive de fazer.
Curiosamente, depois de dar o maior passo da minha vida enquanto mulher emancipada toda a gente me dizia “agora que compraste casa é que vais arranjar um namorado!”. E quando digo toda a gente é mesmo toda a gente, incluindo o meu sobrinho de 11 anos. Eu já tinha ouvido falar deste fenómeno, mais associado a casais que namoram e são constantemente questionados acerca do casamento. Feito o casamento, faltam os filhos. Depois do primeiro filho, falta o segundo. E por aí adiante. No meu caso, tenho a casa, falta-me o homem, claro. Há de sempre faltar o namorado. E não julgo! Um homem dá, de facto, jeito.
Por exemplo, no primeiro dia na casa nova, o senhor da EPAL veio abrir-me a água. Estávamos em Mercúrio Retrógrado - recordo-me deste facto com precisão porque até o meu chefe me desejou boa sorte com as mudanças, num tom de “uuiii, que mercúrio está retrógrado! Coragem!” -, pois bem, voltando ao senhor da EPAL, estava lá a fazer o que necessitava de fazer para me colocar água em casa quando, ao abrir uma torneira na escada do prédio, esta cede e começa a sair água por todos os lados.
“Ai menina, não sei se lhe vou conseguir deixar a água aberta. Olhe-me como está isto! Precisa de uma torneira nova!”, gritou-me. Fiz o que qualquer mulher faria. Perguntei “então, e agora?”, num tom de Valha-me Deus, Nossa Senhora e Todos os Santinhos que eu gastei o dinheiro todo na casa e não tenho margem para estas coisas. “Agora, tem de falar com o senhorio”, respondeu-me. “Senhorio? Eu acabei de comprar a casa!”. Tal foi o choque, que virando-se para mim, e deixando a água a escorrer pela parede, me questionou de volta “comprou a casa?”. “Comprei”. “Então, tem de falar com o condomínio!”. O condomínio! Essa nova entidade que eu estava prestes a conhecer. Liguei ao gestor que veio resolver o assunto. Portanto, nem 24 horas estive na casa nova sem necessitar de dois homens para tratar de assuntos que ultrapassam os meus conhecimentos.
E depois há isto: eu bem queria estar a fazer o luto da relação – comer gelado diretamente da caixa, chorar a ouvir música triste, cantar Alanis Morissette em plenos pulmões It's like rain on your wedding day / It's a free ride when you've already paid / It's the good advice that you just didn't take, dançar só de cuecas na sala -, mas parece que não me deixam. Ou me dizem que agora é que vai ser, “com casa nova, homem novo!”, ou me lembram constantemente das maravilhas que é ter um homem, ou uma resma deles, por perto.
Na semana passada, estava na praia sozinha, a viver a minha vida de mulher independente e essas coisas, a ler, quando um conhecido meu, um homem mais velho, na casa dos 60 anos, me veio cumprimentar. Dez minutos depois dizia-me: “Toda gira, trintona, agora proprietária... Não podes estar sozinha na praia, daqui a pouco tens dez gajos à volta da tua toalha.” Puxou-me para si num abraço de lado. Eu de biquíni. Ele colado a mim só de calções. As peles oleosas dos protetores e da transpiração a colarem-se. Senti-me desconfortável. Tão desconfortável que pensei dizer-lhe que era lésbica só para acabar com o momento e com a perspetiva de quaisquer repetições futuras daquele abuso de proximidade corporal. “Olhe, Senhor Vitor, tudo certo, mas eu gosto é de matulonas”.
Em vez disso, fiquei calada. Sorriso amarelo nos lábios. Encolhi os ombros, disse que estava calor e fui dar um mergulho a ver se lavava a sensação de nojo do corpo e da alma. Só queria poder viver o luto da minha relação e, ao mesmo tempo, desfrutar da minha independência imobiliária, mas não. Não me é possível. Agora que tenho a casa, tenho forçosamente de a encher com um homem. Contrariada, voltei a meter a estatueta do Santo António à porta. Mas avisei-o logo: agora que me deste a casa em Lisboa, aí de ti que tenhas pressa em dar-me o namorado!
