O desfile da Victoria’s Secret foi cancelado
O desfile anual da marca de lingerie não resistiu à sua visão ultrapassada da feminilidade.

Algo está a falhar no céu. Os Anjos da Victoria's Secret, que todos os anos garantem milhões à marca de lingerie, parecem não compreender os Millennials. No último desfile, vimoa pela primeira vez Winnie Harlow, modelo com vitiligo. Mas o espectador e o consumidor exigem mudanças mais profundas.
"A Victoria's Secret ainda está a anunciar para as mulheres como se fosse 1999", declarou o ano passado site The Business of Fashion. O título do artigo aponta a origem do problema, sublinhando como este afeta o desempenho económico da marca. As vendas estão a cair desde 2016 e a participação no mercado norte-americano diminuiu 2% nos últimos cinco anos, segundo a revista Forbes. Ao mesmo tempo, vê-se o fortalecimento das marcas que apostam na diversidade, como a neozelandesa Lonely, que usa mulheres comuns, plus size ou com pelos nas axilas nas suas campanhas. Vemos cada vez mais Ashley Graham e Paloma Elsesser, mas também grávidas, como a modelo Slick Woods, que se tornou notícia quando entrou em trabalho de parto após o desfile da Savage x Fenty na Semana de Moda de Nova Iorque deste ano, a linha de lingerie de Rihanna. Linha essa que, tal como a cantora, tem feito questão de discutir a diversidade no mundo da Beleza.

O empowerment feminino, a força das redes sociais e movimentos como o #MeToo exigem passos mais largos, mas a empresa parece estar a demorar a entender as mudanças culturais mais recentes e a perceber que as mulheres de hoje têm uma visão diferente sobre o seu próprio corpo, que não se encaixa no mesmo dos Anjos de medidas perfeitas e rostos canónicos, especialmente entre as gerações mais jovens. A campanha para alertar à falta de diversidade e inspirar mulheres de todo o mundo a sentirem-se "empoderadas e bonitas" já começou, quando um conjunto de modelos plus-size desfilaram "contra" a Victoria’s Secret.

O último movimento do género foi liderado pela modelo Robyn Lawley, que pede o boicote de audiências do Victoria’s Secret Fashion Show na sua conta do Instagram: "É hora da Victoria’s Secret reconhecer o poder de compra e influência das mulheres de todas as idades, formas, tamanhos e etnias. O olhar feminino é poderoso e, juntas, nós podemos celebrar a beleza da diversidade", argumenta. Robyn criou uma petição online para que a marca passe a representar todos os tipos de mulheres nas passerelles. O abaixo-assinado já conta com mais de 8.700 assinaturas das 10 mil necessárias.
Os efeitos da mudança estão por todo o lado. Numa pesquisa publicada pela empresa de investimentos e gestão de ativos Piper Jaffray, vemos que a marca não consta na lista das 10 preferidas dos norte-americanos. O estudo bianual que mede a reputação no mercado adolescente daquele país também mostrou que a Nike, por exemplo, subiu no patamar, principalmente após a marca ter-se posicionado abertamente contra o racismo.
O que a Victoria's Secret já faz
Desde os primeiros anos que vemos modelos negras nas passerelles e campanhas da marca de lingerie, de Naomi Campbell a Tyra Banks. E, em 2016, a empresa aventurou-se ao não retocar as estrias de Jasmine Tookes. Mas a inclusão racial continua a ser um problema. É bom ver modelos negras a desfilar? Com certeza. Mas não basta. Em 2017, com o desfile a ser realizado em Xangai, o número de modelos asiáticas saltou de quatro para oito. Contudo, entre as quase 50 mulheres, ainda foi baixo. E não deveria ser condicionado ao local do desfile. Acusações de apropriação cultural também já aconteceram e, em 2012, Karlie Kloss desculpou-se no Twitter após ter desfilado com um colar de penas semelhante aos dos índios americanos, um símbolo de respeito e coragem para muitas tribos. O look não foi para o ar após todas as reclamações feitas nas redes sociais.
I am deeply sorry if what I wore during the VS Show offended anyone. I support VS's decision to remove the outfit from the broadcast.
A sensualidade não acaba a partir dos 30 anos e o desejo sexual não é determinado pelo peso da pessoa. As modelos precisam de refletir o que vemos no mundo real. O mesmo se aplica a modelos trangéneros, deficientes… A lista continua. A empresa parece ainda vender a imagem da sensualidade feminina através de um ponto de vista sexista. Semanas antes do desfile, as modelos devem partilhar as suas rotinas de treino antes de enfrentar a passerelle. A mensagem é prejudicial: se não conseguir esforçar-se como elas – o que para quem trabalha oito horas por dia é impossível –, não terá o mesmo corpo "perfeito".
O desfile número 24 repetiu uma fórmula quase esgotada e, como consequência, a audiência cai ano após ano: dos 6,6 milhões de telespectadores em 2016 para os 4,98 milhões em 2017 e 3,27 em 2018, apenas nos Estados Unidos. A TV já não é o principal ecrã dos jovens (e não só) e a marca deveria propor um novo formato de apresentação da sua coleção. Afinal, o novo leitmotiv é ser plural.
