Moda / Tendências

Marcelo Zhang, o rapaz de Lisboa. "Não é comum ver um asiático com tranças"

Depois de conquistar o universo da Balenciaga, no mais belo desfile da última década, o manequim português regressou a casa e contou-nos como tem sido trabalhar pelo mundo. Podemos dizer “A Star Is Born" quando falamos de Marcelo Zhang, a sua beleza enche-nos de esperança.

Foto: David Vélez
06 de maio de 2022 Tiago Manaia

Há algo de especial na presença de Marcelo. O manequim português está à nossa frente no Terminal de Cruzeiros do Porto, acaba de desfilar no regresso de Pedro Pedro, designer que se tinha afastado das apresentações de Moda. Após anos de ausência, arrancou reações de entusiamo à plateia do último Portugal Fashion. Depois dos aplausos e ao som de música techno forte, decidimos ir até aos bastidores para abordar Marcelo. No desfile de Pedro pareceu-nos estar iluminado por uma luz própria, queremos absolutamente falar com ele. "Comigo?", reage com alguma resistência.

Marcelo Zhang no desfile FW22 Balenciaga em Paris
Marcelo Zhang no desfile FW22 Balenciaga em Paris Foto: Balenciaga

Marcelo senta-se mais tarde no lounge dos convidados vip que assistem aos desfiles, tem uma pausa de horas antes de voltar a vestir as roupas de um novo criador. Há demasiado barulho à nossa volta, mostra-se preocupado com a conversa, pode não imprimir a gravação. Enquanto o ouvimos, olhamos também para o rio Douro que se agita a poucos metros de onde nos sentamos.

"Sabes o que desencadeou tudo?", pergunta Marcelo, "a história é muito engraçada", e assim começa um longo relato: – "eu estava em casa, na altura a estudar Gestão e Turismo no norte de Inglaterra, e vivia com um amigo africano... Então, numa tarde pedi-lhe para me fazer tranças, ele sabia como fazer e gostei logo imenso do que vi... Não estava a trabalhar como manequim nesses meses, ainda assim postei uma fotografia no meu Instagram, à qual o meu booker de Lisboa reagiu, dizia que me ficava bem aquele corte de cabelo". Marcelo esboça um sorriso de orelha a orelha, este movimento acontece sempre que faz uma pausa longa na conversa que tem connosco. Só dias mais tarde viria a perceber o impacto da sua vontade original. Rumou até Milão e apresentou-se com o penteado improvisado nos castings da cidade italiana, onde muito se decide no futuro da Moda mundial.

Marcelo Zhang, Campanha Dolce&Gabbana
Marcelo Zhang, Campanha Dolce&Gabbana Foto: Dolce&Gabbana

"Não é muito comum ver um asiático com tranças", diz-nos num desabafo. "Às vezes ainda penso que se não as tivesse feito não estaria aqui".  Evocamos a Marcelo o passado. Contamos-lhe histórias que tentam explicar a magia da supermodelo Linda Evangelista. Diz-se que no início dos anos 90 (do século passado), a sua carreira mudou graças ao impacto de um corte de cabelo, no seu caso fez-se garçonne, cortando os cabelos longos e assumindo a impostura de um look masculino, na época a mudança surpreendeu.

Marcelo ouve-nos em silêncio, talvez a nossa referência seja demasiado datada, afinal ele tem apenas 22 anos.

Foi no festival Sudoeste, na Zambujeira do Mar, quando tinha 19, que lhe perguntaram se queria trabalhar em Moda. "Não me lembro do concerto que estava a ver, eu costumava acampar ali durante os dias do festival. Quando fui abordado fiquei com dúvidas, eu não sabia mesmo nada sobre esta indústria."

Em casa, a irmã mais velha comprava a Vogue. Nasceu e cresceu em Lisboa, os pais trocaram a China por Portugal há mais de 30 anos. "A minha mãe está muito orgulhosa com o que me tem acontecido", ri-se também ele, feliz pelo sucesso.

Em Milão, a Dolce & Gabbana foi a primeira grande marca a querer ter a sua beleza numa campanha, o ofício de manequim agarrou-se ao corpo de Marcelo, explica-nos como aborda o trabalho: "tento criar uma rotina, porque como modelo acabo por ter muito tempo livre, nós não trabalhamos todos os dias, e assim tento encontrar um balanço através de exercícios físicos e ioga". Os dias podem ser stressantes e implicam muitas horas de concentração. "Isto não consiste apenas em tirar fotografias", conclui.

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Na última semana de Moda em Paris, Marcelo desfilou para Balenciaga. Queremos saber como foi o seu encontro com Demna Gvasalia, o designer génio que tem a seu cargo as coleções da marca.

O desfile coincidiu com os primeiros dias da invasão russa à Ucrânia, Demna lembrou ao mundo que também ele abandonou a Geórgia nos anos 90, evocando a sua condição de refugiado permanente, criou um espetáculo emocionante onde as passagens dos manequins construíam uma autoficção apoiada na sua vida e na daqueles que abandonam em 2022 as suas casas devido à guerra. No desfile foi simulada uma atribulada tempestade de neve. Desde o falecimento de Alexander McQueen que não se via um desfile tão forte e dramático na semana de Moda em Paris, tendo sido a teatralidade de McQueen um marco de uma época.

Marcelo Zhang em Campanha para a marca portuguesa CRTD
Marcelo Zhang em Campanha para a marca portuguesa CRTD Foto: CRTD

Marcelo conta o que sentiu – "foi um trabalho importante e especial, só por causa do processo... e sinto-me mesmo grato por ter conhecido o Demna e poder ter estado presente naquele dia. O conceito da tempestade que ele criou tinha a ver com as alterações climáticas e gosto disso, do facto de serem abordados temas atuais num show...que tudo isso seja levado para ali.... havia também essa parte da guerra que está a acontecer e sim estava mesmo frio." Marcelo acrescenta que a adrenalina o fez ficar focado na sua performance, "havia uma energia muito forte, mas não queria estar preocupado com o exterior. Poder fazer parte desta história foi o mais incrível."

Ele, que na adolescência estudou audiovisuais, diz-nos ter uma paixão por filmes antigos, o nome Marcelo faz-nos de imediato pensar numa cena de filme a preto e branco rodada nas ruas de Roma - Itália, um país que o jovem manequim sentado à nossa frente conhece tão bem.

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Na Dolce Vita (1960) de Fellini a atriz Anita Ekberg mergulhava numa fonte e gritava "Marcello Marcello come here". Olhamos para o Douro que nos embala com uma certeza, um dia alguém gritará esta frase ao jovem Marcelo. Percorre mundo, com ou sem tranças, a sua presença muda o espaço onde se encontra.

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Moda, Discussão, Manequim português, Marcelo Zhang, Fashionweek
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