Alta-Costura para ir ao supermercado? Conheça Luna De Casanova
O mundo tradicional da Couture está a ser abalado pela nova geração de compradores que fazem as encomendas através do WhatsApp e do Instagram. Jane McFarland passou 24 horas na primeira fila dos desfiles e conheceu umas das mais fiéis clientes, e conta-nos tudo.
Se é uma das seletas clientes de Alta-Costura, provavelmente ter-se-á sentado ao lado de Luna De Casanova numa das mais recentes coleções exibidas, em Paris. A ex-modelo espanhola é uma das centenas de clientes internacionais que fazem uma peregrinação à capital francesa, em janeiro e em julho, para assistirem aos desfiles de Alta-Costura, nos quais a mais celebrada moda feita à mão – sob medida, de técnica apuradíssima e de um preço de levar às lágrimas – é extravagantemente mostrada perante uma restrita elite. Não sendo já um exclusivo da aristocracia europeia, a Couture está a crescer, sobretudo nos mercados emergentes, como os da China e da Rússia, onde as mulheres bem relacionadas e endinheiradas se querem destacar com peças únicas. Também possuem o necessário saldo bancário: o preço das peças para o dia a dia começa nos 9.000 euros, sendo que o dos vestidos de noite dispara muito para além disso – há rumores de que o vestido de Meghan Markle, criado pela Givenchy, terá custado 200 mil libras [225 mil euros]. A utilização de tecidos invulgares e de requintados ornamentos – como pérolas ou cristais da Swarovski – torna o preço ainda mais elevado. Não é incomum algumas dessas peças exclusivas serem vendidas por milhões.
Encontrámo-nos no Hotel Le Bristol, de cinco estrelas, no qual De Casanova, de 46 anos, é uma hóspede frequente. "Contudo, continuam a enganar-se nas minhas reservas", diz, suspirando, envolta num vestido de Jean-Paul Gaultier adornado com um cinto de Alaïa e com o cabelo comprido preso num chicoteante rabo-de-cavalo. Passou a semana a voar de desfile em desfile, de Armani a Elie Saab, com consecutivas mudanças de vestuário. "Eu sou muito boa a mudar rapidamente de roupa. Troco-a na rua, ficando nua por completo. Porque não?", confessa, rindo-se, e apontando para o seu corpo modelado pelo yoga. "Passaram dois homens e adoraram o que viram."

Luna De Casanova comprou a sua primeira peça de Alta-Costura, há alguns anos, num leilão – um vestido de Chanel ornamentado com pérolas e cujo preço prefere não desvendar – e a sua extraordinária coleção estende-se da Givenchy à Dior e Luna alimenta o desejo de possuir um Schiaparelli. "Eu não tinha um plano e ainda não o tenho. Tento comprar peças de design que considero fora do vulgar. Nunca adquiro nada a pensar no quanto posso perder ou ganhar se o vender. Compro Couture porque sou louca por trabalho artesanal de qualidade." Ao contrário de muitos clientes de Alta-Costura, Luna De Casanova não espera por uma ocasião especial para usar um vestido que custou um valor que se escreve com seis algarismos: "Para ser sincera, eu visto estas roupas para ir ao supermercado." Depois de uma carreira como modelo em Espanha, em Tóquio e em Paris [desfilou para Jean-Paul Gaultier na apresentação da coleção para o próximo outono/inverno], estudou francês na capital francesa antes de fazer um curso de iniciação à Arte, na Central St. Martins, em Londres. Vive agora no bairro rico de Belgravia [na zona oeste de Londres], encontra-se a meio do divórcio, não tem filhos e está focada em construir uma imagem de ícone de estilo. Uma olhadela ao seu Instagram (com 34.500 seguidores e o número está sempre a aumentar) confirma que todos os dias são dias de se vestir elegantemente.
Enquanto os desfiles do pronto-a-vestir são realizados para a imprensa de moda, os da Alta-Costura são talhados unicamente para os clientes hiper-ricos que mantêm em marcha essa refinada indústria. Com frequência, as marcas levam os VIP a Paris em viagens com todas as despesas pagas, as quais incluem jantares glamorosos, festas e visitas aos arquivos das respetivas marcas, e, claro, um lugar exclusivo na primeira fila dos desfiles. Em troca, os clientes tomam nota das suas peças preferidas no iPhone – o primeiro a enviar um WhatsApp à marca será o primeiro a ser servido – antes de marcarem uma visita pessoal, ao longo da semana de moda, a fim de as provar e de se fazer as necessárias retificações, bem como proceder às encomendas importantes. Tudo o que é feito sob medida custará bem mais do que qualquer peça do comum pronto-a-vestir dos criadores, mas a Alta-Costura é um outro paradigma: as suas peças são as mais caras à superfície da Terra.
A Alta-Costura foi criada em 1868 e a entrada de uma Maison de Couture no calendário de desfiles é controlada pela Fédération de la Haute Couture, a qual define critérios muito rigorosos, incluindo a necessidade de a marca ter um ateliê em Paris com mais de 20 empregados que usem técnicas especializadas e reconhecidas. Com um mínimo de duas dezenas de pessoas a trabalhar numa única peça, levando alguns artigos 900 horas a confecionar, o preço na etiqueta refletirá bem o desempenho técnico a que foi necessário recorrer. Luna De Casanova confessa não ter um orçamento por estação, nem, na verdade, se sente obrigada a comprar algo apenas porque ficou fascinada. "Eu creio que é importante ser-se disciplinado nas compras", admite. "Este ano, não comprei sequer 10% do que costumo adquirir. À medida que vamos envelhecendo, mais peças temos e, por isso, não é preciso comprar tanto." As semanas de moda bianuais atraem um número crescente de clientes, mas não é a única forma de comprar Alta-Costura. Giles Deacon, um couturier britânico, opta por mostrar as suas coleções diretamente a uma clientela escolhida e em locais como salões de hotéis, por exemplo, em vez de o fazer nas tradicionais semanas de moda. "Eu crio quatro coleções por ano, o que é pouco em termos de números. Os meus clientes não fazem compras para a estação, pois adquirem algo específico para uma determinada ocasião, seja para um evento de caridade ou para um casamento. Muitas das pessoas detentoras de grandes fortunas não têm tempo para ir às semanas de moda de Alta-Costura. Para outras, isso faz parte do seu calendário social. Outras, ainda, preferem ficar no anonimato e são os designers que vão ter com elas." Em setembro deste ano, marcas como a Chanel vão mostrar as suas coleções de Alta-Costura numa digressão global que incluirá locais como Hong Kong, Nova Iorque e Tóquio, onde os super-ricos manterão encontros privados para decidirem as compras. Luna De Casanova comprou a maior parte da sua coleção em leilões. Recentemente, saiu da Sotheby’s com sete peças, entre as quais se encontrava um vestido de Pierre Cardin, de 1962. "A base de licitação era de 2 mil euros e acabei por comprá-lo por 41 mil. Todos os preços subiram em flecha. As pessoas perguntam-se por que razão é que visto eu estas peças, dado que normalmente são compradas por museus." É também uma forma de assegurar a exclusividade. "Eu não vou mencionar marcas, mas esta semana houve mulheres, num jantar, a usar vestidos iguais, o que não tem graça alguma quando nos é afiançado que se trata de um exclusivo, quando, afinal, não é", declara, com um arrepio. "Ontem, uma rapariga russa trazia um vestido igual a um que eu vesti – não ontem, graças a Deus! Mas é exatamente o mesmo. Garantem-nos que mais ninguém tem uma determinada peça e isso é muito irritante. Ontem à noite, uma amiga minha usou um vestido lindo de Alta-Costura e esta manhã estava uma mulher a assistir a um desfile com um igual. Com franqueza! Isto está a acontecer?! É isto que se passa, efetivamente?" Não são apenas os herdeiros ricos que impulsionam a Alta-Costura. A geração millennial, que enriqueceu na indústria da tecnologia e cujos bolsos estão cheios de dinheiro, também faz parte do grupo. Ralph Toledano, presidente da Fédération de la Haute Couture, afirma que nos últimos dez anos o negócio ganhou um impulso e as Casas [de Costura] aumentaram as vendas. "A Fédération detetou um aumento anual de designers que escolhem mostrar Alta-Costura. Os números falam por si. A idade cada vez menor dos clientes é um sinal de renovado interesse. Definitivamente, estamos perante uma mudança geracional." Graças aos media, as imagens deslumbrantes da Couture são levadas a todo o mundo, o que significa que a clientela está espalhada por zonas muito afastadas das suas origens europeias e novos clientes dos mercados emergentes, como a China e o Médio Oriente, encontram-se agora entre aqueles que têm de merecer atenção. "São ótimos clientes", diz Luna De Casanova. "A Europa está morta – não temos dinheiro. Nós não podemos pagar." Giles Deacon, que faz a maior parte das suas transações na América, afirma: "O meu negócio aumentou graças ao passa-palavra, ao Instagram e ao WhatsApp. Vejo o avanço através da combinação de técnicas antigas com as novas tecnologias. As vendas também são feitas diretamente ao consumidor, método que a Alta-Costura sempre usou."

Para Ralph Toledano, a tecnologia é uma inevitabilidade positiva, tal como o influxo dos famosos (Penélope Cruz e Tina Turner foram convidadas para a primeira fila dos desfiles de outono/inverno, em julho passado) que esperam brilhar no seu visual na próxima passadeira vermelha que pisarem. "A associação às celebridades gera buzz", diz, "mas não se compra Alta-Costura por isso. Contudo, a era digital está, inegavelmente, a produzir novos clientes." Ainda assim, as Maisons mantêm-se fiéis aos clientes de longa data. Luna De Casanova ganhou um novo fôlego, nesta estação, quando Jean-Paul Gaultier lhe pediu que desfilasse na apresentação da sua coleção – o privilégio do supremo cliente. "Eu visto muitas peças de Alta-Costura de Gaultier e há seis meses ele disse-me: ‘Na próxima vez, tens de desfilar para mim’", confessa Luna De Casanova no seu Inglês de sotaque fortemente acentuado, mas fluente. "Eu fiquei emocionada. É um homem maravilhoso. É o único que continua criativo. Todos os outros designers limitam-se a servir os americanos, a serem politicamente corretos e comerciais. É entediante." Envolta no seu vestido de Gaultier, agita o rabo-de-cavalo com um movimento da cabeça, despede-se e sai da sala. Presumivelmente em direção ao supermercado.
Exclusivo Style/The Sunday Times/Atlântico Press

O desfile de Diogo Miranda em Paris teve um ‘je ne sais quoi’
Caroline de Maigret foi uma das convidadas do desfile do criador português durante a Semana de Moda de Paris e com o apoio do Portugal Fashion.
Tendências de A a Z
Letra a letra descodificamos os melhores momentos deste inverno.
A história do perfume que Givenchy fez para Audrey
Em 1957 Hubert de Givenchy selou a sua amizade com Audrey Hepburn com um perfume criado só para ela. Em 2018, um ano especialmente importante para a casa, este perfume salta dos cofres da marca para a rua com o lançamento de L’Interdit.
Atenção colecionadores: vêm aí leilões de carteiras de luxo!
A leiloeira Bonhams lançou no início de 2020 um novo departamento dedicado a carteiras de luxo com assinatura de marcas de moda. A primeira venda aconteceu no passado dia 16 de julho, em Londres.